Autoria de Lu Dias Carvalho
A cor, submetida a regras certas, pode ser ensinada como se ensina música. (Seurat)
Toda novidade, para ser aceita, exige que muitos imbecis morram. Ao fazer votos para que isso aconteça o mais rápido possível, não me move um espírito de caridade, mas apenas sou prático. (Fénéon)
As linhas traçadas de baixo para cima e da direita para a esquerda são estimulantes, dinâmicas, vivas. As de sentido contrário provocam tristeza, abatimento, mal-estar. Da mesma forma, as cores, devido aos diferentes comprimentos de suas ondas cromáticas, podem produzir sensações alegres – no caso do vermelho, alaranjado, amarelo – ou deprimentes – verde, azul, roxo. (Charles Henry)
O desenhista e pintor francês Georges Seurat (1859-1891) nasceu em Paris. Desde pequeno mostrava-se triste e solitário. Na escola sentia-se atraído apenas pelo desenho, no resto era um aluno mediano e muito sério. Aos 19 anos de idade matriculou-se na Escola de Belas-Artes, pendendo-se para os mestres que apregoavam o realismo técnico combinado com a evocação do passado clássico. Ao deixar a escola, o artista prestou o serviço militar em Brest, voltando depois a Paris.
Ao tomar conhecimento do trabalho dos impressionistas, Seurat não aderiu a esses totalmente. Compreendeu que ali apenas encontraria o ponto de partida para criar seu próprio estilo de pintura, que deveria integrar o conhecimento científico. Interessava-lhe a dimensão científica da arte: as leis da óptica e os fenômenos de percepção, a composição química das tintas, as teorias sobre a combinação das cores, etc. Buscava uma composição refletida, não permitindo que a emotividade impedisse-o de chegar a uma forma precisa. Por isso, foi rotulado como “árido químico das cores” e “manipulador de múmias pontilhadas”.
Seurat seguiu em frente, apesar da incompreensão sofrida. Para ele, o artista não deveria ser guiado apenas pela intuição, mas também apreender as regras científicas, que o impediriam de cometer muitos erros, sendo mais do que normal aplicar os princípios da Química e da Física à arte, pois era possível criar a partir de cuidadosos cálculos matemáticos.
Ao contrário dos impressionistas, que tomavam como lema a improvisação e o lirismo, captando o momento fugaz, Seurat queria reter o movimento dos seres humanos, estancar a natureza numa composição totalmente geométrica, guiada pela exatidão científica, moldada pelo raciocínio. Ele não misturava as cores, mas punha-as junto, mantendo-as puras na tela, de modo que só pudessem fazer combinações na retina do observador.
Ao expor sua pintura Tarde de Domingo na Ilha da Grande Jatte, no segundo Salão dos Independentes, em 1886, Georges Seurat causou um grande escândalo. Os próprios impressionistas, que também contavam com a rejeição de parte da crítica e público, fizeram ácidas críticas a seu trabalho. E pintores como Degas, Manet e Renoir troçaram dele, criticando sua tentativa de unir a pintura à Ciência. Apenas Pissarro, já idoso, mostrava grande entusiasmo por sua tela. Dentre os críticos, o não ortodoxo Fénéon saiu em defesa da obra, louvando o nascimento do Pontilhismo.
Georges Seurat, que já tinha um temperamento melancólico e reservado, isolou-se mais ainda com a postura dos impressionistas e, sobretudo, com a de Gauguin, por quem nutria grande apreço. Só se sentiu mais reconfortado quando Verhaeren, poeta simbolista belga, convidou-o para expor em Bruxelas, sob a proteção de “Os Vintistas” (de: século vinte), uma sociedade de artistas de vanguarda. Também contava com o apoio de Signac e com os artigos do crítico Fénéon. Era o sinal de que suas teorias encontravam um pequeno eco em meio à intolerância de quem não aceitava o novo.
O artista, através de algumas incursões pela noite, travou conhecimento com o mundo boêmio, onde circulava Toulouse-Lautrec. Foi nesse cenário que ficou conhecendo Madeleine Knobloch, que primeiro tornou-se sua modelo e depois amante, dando-lhe dois filhos. Nessa oportunidade passou a trabalhar com o nu. Ficou também conhecendo o cientista Charles Henry, autor de “Introdução à Estética Científica”, que mostra os efeitos psicológicos ocasionados por linhas e cores no observador.
Seurat, ao colocar o motivo da pintura em plano secundário, adentrava cada vez mais na pintura figurativa, a caminho do abstracionismo. A distância entre ele e Kandinsky era cada vez mais próxima. Mas outras obras do artista foram criticadas até mesmo pelos próprios amigos. Pissarro chegou a distanciar-se do Pontilhismo. Ele ficou arrasado. A isso se juntou a descoberta, pela família, de sua união amorosa com uma mulher de proveniência duvidosa. E o mestre, Puvis Chavannes, por quem nutria grande admiração, mal olhou para sua última tela. Mas apesar do desencanto com os amigos, da crítica e dos dramas familiares, o artista não se deixou vencer pela derrota. Passou a trabalhar com mais afinco e rapidez. Parecia prever que algo ruim iria lhe acontecer.
Georges Seurat foi vitimado por um derrame cerebral, morrendo na flor da idade, antes mesmo de completar 32 anos. Levou consigo o Pontilhismo, mas seu método ganhou vida na influência exercida sobre Matisse, os “fauves” e os cubistas. Picasso viu nele um de seus antecessores e Kandinsky louvou o seu pioneirismo. Seus quadros hoje valem uma fortuna. É uma pena que não tenha vivido para ver o quão foi importante para a arte. E que ele estava certo.
Fonte de pesquisa
Gênios da Pintura/ Abril Cultural
Views: 0