Autoria de Lu Dias Carvalho
Botticelli é um verdadeiro filho do século 15 e exatamente nisso reside sua importância e seu encanto peculiar. Nele, a arte florentina da última fase do século atinge o ápice da perfeição. (Wilhelm von Bode / 1921)
O lirismo da arte de Botticelli também inspirou modernos compositores, poetas, romancistas e cineastas. Chamadas visuais baseadas em A Primavera e o O Nascimento de Vênus fazem parte da cultura popular ocidental. (David Garrif)
O pintor florentino Sandro Botticelli (1445 – 1510) quando tinha 17 anos de idade foi apresentado ao talentoso e prestigiado artista frade Filippo Lippi, para iniciar a arte da pintura, mas não demorou muito para que o aluno superasse o mestre com suas figuras suaves, rostos sérios e expressões contemplativas, buscando apresentar a realidade interior de seus personagens. A arte não tinha compromisso com a realidade, devendo ser puramente espiritual, religiosa e simbólica. Ele estava de acordo com a visão religiosa da época que via na pintura um instrumento de propagação da fé.
Quando jovem, Botticelli reverenciava os deuses pagãos da Antiguidade — Vênus, Apolo, Diana, Mercúrio —, mas após a sua permanência de um ano em Roma, quando produziu Tentação de Cristo, As Provações de Moisés e Punição dos Rebeldes, a sua visão de mundo começou a mudar, culminando com o caso do frade dominicano Savonarola. Antes que adentremos na vida e obra de Botticelli é bom que saibamos um pouco sobre a época em que viveu.
Naqueles tempos os nobres e os burgueses — controladores da política e da economia — viam na pintura votiva um meio de agradar os mais influentes que se posicionassem acima deles e, mais do que tudo, um jeito de barganhar com Deus. Pensavam eles que o Todo Poderoso haveria de reduzir a pena a ser cumprida, quando se tratasse de um bom patrono. Por isso, os retratos e as alegorias dos poderosos tinham como motivos principais os episódios bíblicos e outros temas religiosos. E como os artistas dependiam de tais senhores, não lhes restava outra saída, senão pintar o que lhes era encomendado. Alguns se ressentiam com as algemas impostas à sua arte, mas muitos deles comungavam com as mesmas crenças dos patronos, executando sua arte com profundo zelo e convicção religiosa. Dentre os últimos encontrava-se Botticelli.
Sandro Botticelli tornou-se protegido de Lourenço de Médici, de sua família e de seus amigos. Ao servir gente tão importante, sua fama crescia cada vez mais. Já não conseguia aceitar todas as encomendas que lhe eram feitas, apesar de ter muitos alunos que o ajudavam na preparação dos materiais e nas pinturas dos detalhes mais fáceis. Após a morte de Lourenço de Médici houve um período de grande agitação política, inclusive com a ascensão de um frade dominicano de nome Savonarola que se opunha ferozmente à vida mundana da época, pregando que o povo simples e virtuoso de Florença haveria de salvar a cidade contra a decadência dos costumes depravados da nobreza em relação ao luxo e à vaidade. Mas Savonarola, ao desafiar os poderosos, foi acusado de heresia e queimado na fogueira.
Sandro Botticelli mostrou-se bastante afetado com os acontecimentos envolvendo o frade. Uma das mudanças mais visíveis em sua vida foi a popularização de sua pintura. Seus trabalhos deixaram de ser direcionados à elite, tornando-se acessíveis ao grande público, além de conter, cada vez mais, elementos populares. Ele abriu mão do mundo esteticamente perfeito da Antiguidade Clássica, para aderir ao mundo moralmente perfeito dos mártires cristãos, imbuídos de heroísmo, abnegação e fé, mesmo diante da tortura e da morte, como aconteceu com Savonarola. Passou a viver um período de intensa religiosidade. É desse período a pintura Alegoria da Calúnia, numa alusão à perseguição contra o frade dominicano.
Os últimos anos de vida de Botticelli foram dedicados à meditação solitária de sua fé e ao estudo dos ensinamentos deixados pelo frade. Não mais se interessava pela vida cotidiana de Florença. Não mais se sentia interessado pelas mudanças que traziam o século XVI, vistas nos trabalhos de Michelangelo, Leonardo da Vinci e Rafael. Ao contrário deles, ignorava propositalmente as leis de perspectiva, usava os ornamentos em excesso e dava ênfase ao popular.
Sandro Botticelli morreu pobre, solitário e esquecido, só sendo “redescoberto” pelos pintores românticos do século XIX, para os quais a melancolia irreal de seus personagens veio novamente representar a expressão da beleza idealizada, pois, enquanto para Leonardo da Vinci a pintura era a realidade pesquisada e a busca de conhecimento, para Sandro ela estava fora da realidade, devendo ser apenas uma comunicação com Deus. Ele tinha a mesma visão dos pintores medievais, para quem “o mundo visível era a emanação de Deus”. Portanto, o belo era o ideal supremo. Assim, os últimos anos vividos pelo pintor foram muito sofridos. Ele passou por um progressivo declínio físico e artístico. As encomendas escassearam em nada lembrando seus áureos tempos. Mas seu nome e seu trabalho jamais serão esquecidos.
Fontes de Pesquisa:
Os pintores mais influentes…/ Editora Girassol
História da Arte/ E.H. Gombrich
Tudo sobre a Arte/ Editora Sextante
1000 obras primas…/ Könemann
Gótico/ Taschen
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