Van Eyke – O ESPELHO E AS CONTRADIÇÕES

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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O espelho convexo era muito usado à época para espantar a má sorte. O encontrado na composição de Jan van Eyck — Os Esponsais dos Arnolfini — possui na sua moldura dez medalhões representando a Paixão de Cristo. Através dele é possível observar o casal de noivos pelas costas e duas outras personagens, sendo uma de vermelho e outra de azul, que certamente testemunharam a cerimônia. De acordo com a inscrição latina o pintor é uma delas.

Foi a primeira vez que se usou um espelho como recurso pictórico, sendo a ideia grandemente imitada. Para alguns estudiosos o centro de gravidade da composição encontra-se no espelho, pois é o que mais atrai a atenção do observador, como se fora um círculo mágico. A Via-sacra presente na moldura do espelho alude à fé cristã, e passa a mensagem de que a interpretação do quadro deve ser feita de acordo com os preceitos cristãos.

A perícia de Jan van Eyke como miniaturista é tamanha que no espelho redondo — mede 5,5 centímetros e cada uma das cenas da paixão que o rodeiam mede 1,5 cm — fixado na parede, no fundo do quarto, ele retrata toda a cena, como se ela estivesse ali sendo refletida. Esta belíssima pintura é trabalhada até nos mínimos detalhes: o tapete debaixo da cama e os chinelos, o rosário dependurado na parede, a escova (espanador) ao lado do leito, as frutas no parapeito da janela e numa arca logo abaixo, etc.

O espelho de vidro é o que mais chama a atenção para a riqueza do casal, pois naquela época era um objeto raro e caro, difícil de ser visto numa casa burguesa que, quando muito, usava como espelho o metal polido. Olhando por este espelho, uma nova composição apresenta-se: os noivos de costas, as vigas do teto, duas personagens que saem de uma sala e adentram no quarto, sendo que atrás deles é possível enxergar uma pequena janela.

Embora o casal apresente-se aristocraticamente vestido, alguns críticos contestam a sua nobreza, alegando que o quarto é extremamente burguês, assim como o fato de a cauda do luxuoso vestido da mulher, embora artisticamente dobrada, encontrar-se repousando sobre um assoalho de madeira. Mas não resta a menor dúvida de que o casal fosse rico. O tapete oriental, o lustre e um espelho, assim como a janela com vidros e as laranjas demonstram o luxo dos Arnolfini. Contudo, a pequenez do quarto e ainda trazendo uma cama, era próprio das famílias burguesas que na parte do dia prendiam as cortinas, soltando-as à noite.

Naquela época, somente nobres e pessoas ricas poderiam se dar ao luxo de usar tão belas vestimentas. Reparem no vestido verde da senhora Arnolfini, enfeitado com arminho e com impecáveis dobras que, por certo, exigiram a ajuda de uma costureira de gabarito. Sendo que, para andar, ela também necessitava de traquejo e que alguém segurasse a pomposa cauda, sendo que tal treinamento só era acessível nos meios aristocráticos. Por sua vez o senhor Arnolfini encontra-se coberto por uma rica capa de veludo, orlada com pele de lontra ou marta. Mas ao deixar pernas e pés em liberdade, chega-se à conclusão de que ele tinha necessidade de movimentar-se com facilidade em seu trabalho. Os seus tamancos de madeira reforçados, usados para se livrar da sujeira enquanto caminhava, também mostram que ele não fazia parte da aristocracia, pois os nobres usavam calçados delicados, uma vez que sempre andavam a cavalo ou eram levados em liteiras por seus criados.

Para o exímio pintor Jan van Eyck e seus contemporâneos, todas as coisas tinham um significado próprio e, portanto, estavam relacionadas a uma afirmação. Por isso, a sua obra é uma das primeiras pinturas realistas. Duzentos anos após a pintura de As Bodas de Arnolfini, Velazquez pintou As Meninas só que num espelho plano.

Observação
A composição mostra a passagem da arte sacra para o laico e do aristocrático para o burguês. Para mais esclarecimentos sobre a pintura, vejam também: OS ESPONSAIS DOS ARNOLFINI

 Fontes de Pesquisa:
– Os pintores mais influentes…/ Editora Girassol
– História da Arte/ E.H. Gombrich
– Tudo sobre a Arte/ Editora Sextante
– 1000 obras primas…/ Könemann
– Arte em detalhes/ Publifolha
– Los secretos de las obras de arte/ Taschen

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