Os cristãos primitivos tinham a firme convicção de que o ar que respiravam estava povoado de inimigos invisíveis; de inumeráveis demônios que observavam todos os acontecimentos e assumiam todas as formas para aterrorizar e, acima de tudo, para tentar a sua virtude desprotegida. (Edward Gibbon)
A aceitação acrítica do misticismo e da superstição contribui para que se trapaceie, humilhe e às vezes até mate. […] Muitos são os charlatões conscientes vistos nas igrejas dos mais variados credos. (Carl Sagan)
Todo estudioso das crenças antigas sabe que a Grécia e a Roma antigas possuíam deuses para quase todos os fins. Segundo a mitologia oriunda desses povos, seus deuses podiam assumir as mais diferentes formas (touros, chuvas de ouro, cisne, etc.) para fecundar as mulheres pelas quais se apaixonavam, o que nos legou inumeráveis lendas. E não é que a Bíblia (Gênesis) também apregoa que demônios copulam com as “filhas dos homens”? O que vemos é que a religião cristã também imergiu no universo das religiões pagãs e dali retirou muitas bizarrices. Muito do que há no livro dos cristãos foi retirado de credos que existiram antes de Cristo, como comprovam os estudiosos de textos sagrados das mais diferentes religiões.
Muitas culturas antigas acreditavam que as ejaculações noturnas de sêmen eram instigadas por súcubos (segundo o Dicionário Aurélio – demônios femininos que, segundo uma velha crença popular, vem pela noite copular com homens, perturbando-lhes o sono e causando-lhes pesadelos). Dizia tal crença que Merlin (profeta, mago e conselheiro), Platão (filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga), Alexandre, o Grande (imperador do reino grego antigo da Macedônia), Martinho Lutero (monge agostiniano e professor de teologia germânico que tornou-se uma das figuras centrais da Reforma Protestante), e muitos outros, assim foram gerados.
O demônio não molestava apenas as classes baixas, sendo neste ponto bem imparcial. Estava também presente nas altas, como comprova o livro escrito por Jaime I, rei da Inglaterra, quando vivia amedrontado com a existência de Satã. Ele apregoava que o tabaco era a “erva-daninha do diabo”. Contudo, o supersticioso rei veio a tornar-se um grande cético ao descobrir que adolescentes fingiam estar possuídas pelo demônio e, no suposto estado, acusavam pessoas inocentes de bruxarias, levando muitas delas à forca, enquanto outras, no entanto, passavam por “alucinações de comandos” esquizofrênicas.
“Alucinações de comandos” esquizofrênicas, segundo Carl Edward Sagan – cientista planetário, astrônomo, astrobiólogo, astrofísico, escritor, divulgador científico e autor de mais de 600 publicações científicas e também de mais de vinte livros de ciência e ficção científica – imputa a uma figura mítica (ou tida como tal) a ordem de fazer isso ou aquilo, até mesmo o cometimento de crimes contra a vida, como foi o caso de James Warren “Jim” Jones, fundador e líder da seita Templo dos Povos, responsável pelo suicídio/assassinato em massa de 918 dos seus membros em Jonestown, Guiana, além do assassinato do congressista Leo Ryan e de quatro mortes adicionais em Georgetown, capital guianense, em novembro de 1978.
“Alucinações de comandos” são advindas de mentes esquizofrênicas, tornando-se ainda mais perigosas quando encontram um campo fértil para se espalhar. Grupos excessivamente sugestionáveis podem levar a sério quaisquer que sejam os seus mentores, sem qualquer posicionamento crítico. Com eles se integram, interagem e agem no cometimento de atos insanos contra a sociedade em que se inserem, como vimos acontecer com Adolf Hitler (político alemão que foi líder do Partido Nazista, Führer da Alemanha Nazista de 1934 até 1945, principal instigador da Segunda Guerra Mundial na Europa e figura central do Holocausto). Seus seguidores julgavam-no um “ser supremo”, acima do bem e do mal.
Grupos que se deixam guiar por “alucinações de comandos”, são desprovidos de consciência crítica, ignoram a Ciência e apostam no caos como resolução de seus problemas. Não aceitam os fatos como são, mas como acham que deveriam ser e, por isso, tentam moldá-los à sua vontade, como se fizessem parte daquele joguinho infantil tão conhecido como “Siga o Líder”. Faz-se necessário coibi-los, sem jamais estimulá-los, pois uma mente doentia aguarda apena um gatilho para cometer insanidades.
Ilustração: A Carroça de Feno, obra de Bosch criada entre 1485 e 1500.
Fonte de pesquisa
O mundo assombrado pelos demônios/ Companhia de Bolso
Indicação: Site “Além da Fé” no You Tube.