Tarsila – ABAPORU

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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É o homem plantado na terra. (Oswald de Andrade)

Segui apenas uma inspiração sem nunca prever os seus resultados. Abaporu é uma figura solitária monstruosa, pés imensos, sentada em uma planície verde, braço dobrado repousando num joelho, a mão sustentando o peso pena da cabecinha minúscula, em frente a um cacto explodindo uma flor absurda. (Tarsila do Amaral)

A composição Abaporu foi presenteada por Tarsila do Amaral a seu namorado Oswald de Andrade, no dia de seu aniversário, ficando o escritor muito impressionado com a pintura que até então não tinha um nome. Durante as discussões para nominar a obra, Oswald e seu amigo, o poeta Raul Bopp, concluíram que se tratava de um ser de profundas raízes com a terra, ou seja, um antropófago. Ao consultarem o dicionário tupi-guarani do pai de Tarsila, acabaram chegando ao nome de “Abaporu” (Aba: homem; poru: que come) cuja tradução era “homem que come carne humana” ou “homem que come gente”.

Esta obra foi responsável por dar início à Fase Antropofágica de Tarsila. Na composição A Negra, anterior a esta obra, a pintora já mostrava preocupação com suas raízes. Pode-se dizer que as duas obras são parentes, sob o ponto de vista estilístico. Para a artista, este personagem estava relacionado com as histórias, que ouvira em sua infância, contadas pelas pretas velhas da fazenda, onde passou a infância. As pinturas “Abaporu” e A Negra levam em conta o mesmo estilo. Elas se fundem harmoniosamente no quadro Antropofagia, criado em 1929, recebendo o mesmo tratamento no que diz respeito à cor, à superfície e ao fundo da tela, onde se projeta a flora comum à obra da artista, pertencente unicamente a ela.

O tamanho monstruoso do corpo da figura presente em Abaporu, bem além da realidade, em contraponto com sua minúscula cabeça de alfinete, valoriza o trabalho braçal em detrimento do mental. Expressa uma natureza bruta, bem mais forte e dominadora do que o mundo das ideias. Seu pé direito (o esquerdo encontra-se escondido) e mão direita gigantescos mostram a sua ligação com a terra. A figura está posicionada ao lado de um cacto verde-escuro, havendo, entre ela e a planta, um enorme sol que se parece com gomos de laranja ou com uma flor. O personagem e o cacto possuem a mesma origem, pois ambos nascem do mesmo chão, são feitos da mesma matéria, distintos apenas pela cor.

As cores empregadas na composição: céu azul, sol (ou flor) amarelo e mata verde remetem às cores do país. “Tudo ali, sobe à tona como partículas do inconsciente coletivo, tudo vira víscera do Brasil. A bandeira fora desfraldada e vibrava a pleno vento.”, assim se exprime o crítico Roberto Pontual em “Entre Dois Séculos/ Arte Brasileira do Século XX.

O Abaporu inspirou Oswald de Andrade a escrever o Manifesto Antropofágico, cujo movimento tinha como objetivo apreender a cultura europeia, transformando-a em algo tipicamente brasileiro. Trata-se hoje da tela brasileira com maior valor no mercado de arte nacional, e uma das mais importantes produzidas por um artista brasileiro. Foi a pintura mais cara vendida no Brasil, encontrando-se na Argentina.

Explicação de Tarsila sobre a obra (trechos tirados de uma entrevista com a pintora):

Eu quis fazer um quadro que assustasse o Oswald, que fosse uma coisa mesmo fora do comum. O “Abaporu” era aquela figura monstruosa, a cabecinha, o bracinho fino apoiado no cotovelo, aquelas pernas compridas, enormes, e junto tinha um cacto que dava a impressão de um sol, como se fosse também uma flor, e ao mesmo tempo um sol. Quando o Oswald viu o quadro, ficou assustadíssimo e perguntou: “Mas o que é isso? Que coisa extraordinária.” Telefonou para o Raul Bopp e disse: “Venha imediatamente aqui pra você ver uma coisa!” O Bopp assustou-se também e o Oswald disse: “Isso é como se fosse um selvagem, uma coisa do mato”, e o Bopp foi da mesma opinião. Aí eu quis dar um nome selvagem também ao quadro, porque eu tinha um dicionário de Montoia, um padre jesuíta, que dava tudo.

Eu gosto de inventar formas de coisas que eu nunca vi na vida, mas não sabia por que que eu tinha feito o “Abaporu” daquela forma. Eu me perguntava: Mas como é que eu fiz isto? Depois uma amiga me dizia: “Sempre que eu vejo “Abaporu”, eu me lembro de uns pesadelos que eu tenho.”. Então liguei uma coisa a outra, devia ser uma lembrança psíquica ou qualquer coisa assim, e me lembrei de quando éramos crianças na fazenda. Naquele tempo tinha muita facilidade de empregadas, aquelas pretas que trabalhavam para nós na fazenda; depois do jantar elas reuniam a criançada para contar histórias de assombração. Iam contando da assombração que estava no forro da casa, eu tinha muito medo, a gente ficava ouvindo, elas diziam: “Daqui a pouco da abertura vai cair um braço, vai cair uma perna”, e nunca esperávamos cair a cabeça, abríamos a porta correndo e nem queríamos saber de ver cair a assombração inteira. Quem sabe o “Abaporu” é um reflexo disso?

Ficha técnica
Ano: 1928
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 85 x 73 cm
Localização: Acervo do Museo de Arte Latino Americano de Buenso Aires, Fundación Constantini, Argentina

Fontes de pesquisa
Tarsila do Amaral/ Coleção Folha
Tarsila – sua obra e seu tempo/ Aracy A. Amaral
Brazialian Art VII

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10 comentaram em “Tarsila – ABAPORU

  1. Daniela

    Lu,
    sou professora de arte, mas também gosto de dar minhas pinceladas por aí.. Percebi que na maioria das páginas que falam sobre o Abaporu descrevem na obra o sol. Fiquei feliz de ver aqui ser falado sobre a flor do cactos, pois sempre achei que fosse flor, principalmente porque a claridade vem do lado oposto. Estou certa em chamar aquele grande círculo entre a figura humana e o cactos de flor? Não quero ensinar nada errado por aí.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Daniela

      Seja bem-vinda a este cantinho. Sinta-se em casa!

      Amiguinha, você está correta, sim! Apenas diga a seus alunos que alguns interpretam aquela bola dourada como sol e outros como uma flor. Mas que você vê nela uma flor. Assim, os alunos poderão optar pela ideia que acharem melhor. Eu, pessoalmente, acho que a pintora teve por objetivo a representação de ambos, ou seja, o sol que parece flor e a flor que parece sol, deixando a escolha a cargo do observador.

      “As cores empregadas na composição: céu azul, sol (ou flor) amarelo e mata verde remetem às cores do país. “Tudo ali, sobe à tona como partículas do inconsciente coletivo, tudo vira víscera do Brasil. A bandeira fora desfraldada e vibrava a pleno vento.”, assim se exprime o crítico Roberto Pontual em “Entre Dois Séculos/ Arte Brasileira do Século XX.

      Adorei a sua visita e comentário. Volte mais vezes!

      Abraços,

      Lu

      Responder
  2. Carlos

    Interessante, não sabia que Oswald de Andrade havia dado nome à obra. É uma pena que ela não esteja no Brasil atualmente. Em 2016 tive a oportunidade de ir a Buenos Aires quando esperava vê-la pessoalmente. Lamentavelmente, na data em que estava lá ela veio para o Rio para uma curtíssima temporada por causa das Olimpíadas.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Carlos

      Também acho uma pena que ela não se encontre no Brasil, uma vez que está no cerne de nossa arte.

      É sempre muito bom contar com sua presença e comentário neste espaço. Continue sempre conosco.

      Abraços,

      Lu

      Responder
  3. Narielle Ondrusch

    Que site maravilhoso!

    Sempre achei incrível O Abaporu. Eu me lembrava com clareza de algumas dessas curiosidades e repassei tudo que sabia para uma sobrinha, então resolvi pesquisar mais sobre o assunto e estou fascinada.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Narielle

      Quem está fascinada sou eu com a sua presença. Adoro encontrar leitores tão especiais e que amam a Arte. Ganhei o dia!

      Temos aqui mais de 30 categorias com os mais diferentes assuntos, sendo a Arte a dominante. No momento estou escrevendo sobre os estilos da arte em razão do ENEM, tentando ajudar os estudantes através de uma linguagem bem simples, sem tecnicismo.

      Será sempre um grande prazer contar com seus comentários e visitas.

      Abraços,

      Lu

      Responder
  4. Patrícia

    Admirar este quadro é muito interessante; cada vez imagina-se um coisa. Sempre pensei que fosse um sol, a flor do cáctus.
    Muito bom!
    Abraço

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Pat

      Você está correta, pois mesmo a pintora via tanto o sol quanto a flor de cáctus em sua obra.

      Abraços,

      Lu

      Responder
  5. Adevaldo

    Lu
    Interessante, olhei profundamente para o quadro ABAPORU de Tarcila Amaral e não vi uma manifestação dos “medos” da autora. O que senti foi a tristeza do nordestino por possuir dificuldade para enfrentar a seca existente, apesar de seus braços e pernas fortes. Será que a autora não se sentiu incapaz de fazer alguma coisa, na época, para mudar aquela situação, apesar da liberdade de manifestação no modernismo?
    Abraço,

    Devas

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Devas

      O bom da obra de arte é a oportunidade que nos dá de fazer diferentes leituras.
      E a sua pode ser uma delas.
      A autora era paulista, vivia mais em Paris, por isso, acho que ela não tinha a noção real da agrura da seca.

      Abraços,

      Lu

      Responder

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