Autoria de Lu Dias Carvalho
Para El Greco a pintura — não a arquitetura ou a escultura — era a forma suprema de arte, pois só ela conseguia reproduzir cada aspecto da realidade. Ele considerava a visão uma faculdade racional pela qual o pintor experimentado e talentoso podia transformar o que via numa bela obra de arte. (Jonathan Brown)
Somente depois da Primeira Guerra Mundial, quando os artistas modernos ensinaram-nos a não aplicar os mesmos padrões de “correção” a todas as obras, é que a arte de El Greco foi redescoberta e compreendida. (E.H. Gombrich)
Doménikos Theotolópoulos (1541-1614), nascido em Cândia (atual Iraklion), capital da Ilha de Creta que na época era possessão da República de Veneza e um recanto isolado do mundo, veio de uma família rica, possivelmente do seio católico romano, ainda que não ortodoxa, o que o levou a receber uma boa educação em latim e grego. Documentos comprovam que até os 25 anos de idade El Creco residia na Ilha de Creta, como mestre pintor, cuja formação estava agregada à influência dos ícones bizantinos, pintura predominante na ilha, com suas raízes medievais, voltada apenas para o mundo espiritual, sem nenhuma relação com a realidade profana.
É visível na obra de El Greco (O Grego) — nome com que é conhecido mundialmente, provavelmente por ter sido difícil de pronunciar e escrever seu nome próprio, embora assinasse suas obras com o nome original — a plástica bizantina com seus estereótipos, estilização e representação simbólica do mundo transcendental.
Aos 26 anos de idade El Greco mudou-se para Veneza a fim de enriquecer sua arte — seus clientes tanto exigiam a pintura bizantina tradicional quanto a veneziana e a italiana de modo geral — deixando para trás uma carreira muito promissora. O artista precisava, portanto, dominar esses estilos.
Em Veneza, viu-se seduzido pelos mestres Ticiano, Tintoretto, Veronese e Jacob Bassano que influenciaram grandemente o seu estilo, sendo que ele dominava bem o desenho de arquitetura e perspectivas geométricas, embora gostasse de postar seus personagens no primeiro plano. Assim como Tintoretto, apreciava a dramatização dinâmica. Não se atinha às normas renascentistas, de modo que sempre fez uso de sua liberdade criativa.
Ao deixar Veneza, El Greco foi para Roma, onde foi acolhido pelo Cardeal Alessandro Farnese, importante patrono, a pedido de seu amigo e miniaturista Giulio Clovio, de quem fez um dos mais aclamados retratos, e em razão do qual se tornou famoso como grande retratista junto à nobreza e aos eclesiásticos. Contudo, o pintor não aceitava que temas religiosos fossem retratados como meras representações terrenas, achando que tal comportamento levava à paganização de temas sacros, assim como não se sentia seduzido pelos temas mitológicos, embora esses fossem bastante solicitados pelos colecionadores, principalmente os temas mais sensuais e eróticos.
Em Roma El Greco estudou o desenho de figuras nas obras de Rafael e Michelangelo, características que veremos em muitas de suas obras. Ali, vendeu alguns quadros para clientes particulares, mas não conseguiu encomendas de grande importância e tampouco foi patrocinado por um grande mecenas capaz de impulsionar sua carreira.
El Greco, depois de sua permanência em Roma, tendo ficado na Itália por 16 anos, resolveu partir para a Espanha. Segundo os historiadores, vários causas contribuíram para isso: o fato de ter angariado muitos inimigos com os seus ácidos comentários, ser estrangeiro e indiferente aos estilos dominantes, a escassez de trabalho, provavelmente a epidemia da peste, o desejo de trabalhar para a clientela eclesiástica espanhola — inclusive com obras que permitissem desenvolver todo o seu potencial — e, sobretudo, por entender que nada mais havia a aprender na Itália, devendo buscar novos campos. E foi em Toledo que El Greco ficou até o fim de seus dias,
Ao chegar à Espanha, El Greco — já com 36 anos de idade — era um artista com um rico conhecimento. A península Ibérica não estava aberta ao espírito renascentista, pois o clero e a realeza que ali viviam não haviam aderido às ideias humanistas, ainda predominando na arte as ideias medievais. E mesmo os artistas que voltavam da Itália não tinham coragem de quebrar tal tabu.
O artista escolheu a cidade de Toledo que cedera a Madri a posição de capital e onde a Igreja exercia um grande poder, predominando o teocentrismo, para morar. El Greco adaptou-se a esse cenário que não se deixara seduzir pelo movimento humanista, laico e pagão que se inspirava na natureza para encontrar a beleza ideal. Tanto sua espiritualidade mística, envolta em profundas raízes bizantinas quanto suas inquietações intelectuais encontravam ali um campo fértil, pois ele não era apenas pintor, mas um filósofo, com rica formação, que escreveu sobre pintura, escultura e arquitetura.
Em Toledo El Greco chegou a tornar-se o mais importante artista, nutrindo pela cidade grande afeto. Era reconhecido pela beleza dos retratos que pintava. Como acreditasse que o essencial no ser humano é a alma e não o corpo que nada mais é do que uma prisão passageira, não dava importância ao corpo dos retratados, mas ao rosto que refletia a beleza interior, e ao olhar, tido como o espelho da alma. Também levava em conta as mãos que deveriam ser finas e delicadas, sem nada que mostrasse a sua contaminação com o trabalho manual, daí a transfiguração do rosto em suas obras. E se as figuras eram de apóstolos e santos essa transformação espiritual era ainda mais intensa.
Embora seja tido como “o mais profundo intérprete da espiritualidade mística”, identificando-se com a temática sacra, o comportamento de El Greco não parecia rezar na mesma cartilha do desapego, pois cobrava preços exorbitantes por sua arte, muitas vezes brigava com os clientes, além de possuir gostos requintados que exigiam grandes gastos. Ele pagava, inclusive, músicos para deleitá-lo durante as refeições feitas no palácio do marquês de Villena, onde morava.
Mesmo vivendo durante 35 anos com Jerônima de Las Cuevas, com quem teve um único filho, El Greco jamais se casou, o que mostra que não se tratava de um fanático católico. Ele foi pintor, escultor e arquiteto. Por possuir um estilo dramático e muito expressivo é considerado por muitos como um precursor do expressionismo e do cubismo, além de ter inspirado poetas e escritores. Com suas figuras tortuosamente alongadas, torna-se impossível inseri-lo numa escola convencional, uma vez que era dono de um estilo muito individual.
Fontes de pesquisa
El Greco/ Editora Girassol
Pintura na Espanha/ Jonathan Brown
A História da Arte/ E.H. Gombrich
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