Autoria de Lu Dias Carvalho
Não chore ainda não/ Que eu tenho uma razão/ Pra você não chorar/ Amiga me perdoa/ Se eu insisto à toa/ Mas a vida é bela/ Para quem cantar. (Chico Buarque)
A menina compungida sentou-se no banco da praça, sem achar mais graça na vida, diante das notícias que a seus ouvidos chegavam. Era, como sempre, o forte dando rasteira no fraco. Aquela gente de moradias atapetadas queria bem mais do que carecia, sem que a debilidade do pequeno comovesse seu coração duro. Muitos desses tais diziam seguir à risca de Jesus as palavras. Mas o coração mesquinho e a mente avara deixavam à vista a mentira deslavada.
Os olhos da menina marejavam. Ma eis que surge um poeta, violão em punho e sorriso franco, coração amparado pela esperança. Acomoda-se ao seu lado e murmura: “Não chore ainda não/ Que eu tenho um violão/ E nós vamos cantar/ Felicidade aqui/ Pode passar e ouvir/ E se ela for de samba/ Há de querer ficar”. A menina ajeita o corpo e pondera nas palavras do poeta. E o moço continua cantando para alegrá-la: “Seu padre, toca o sino/ Que pe para todo mundo saber/ Que a noite é criança/ Que o samba é menino/ Que a dor é tão velha/ Que pode morrer/ Olê olê olá/ Tem samba de sobra/ Quem sabe sambar/ Que entre na roda/ Que mostre o gingado/ Mas muito cuidado/ Não vale chorar”.
A noite ia surgindo, e o violonista continuava a insistir para alegrar a menina: “Não chore ainda não/ Que eu tenho uma razão/ Pra você não chorar/ Amiga me perdoa/ Se eu insisto à toa/ Mas a vida é boa/ Para quem cantar”. E virando-se para seu violão, fez um apelo: “Meu pinho, toca forte/ Que é pra todo mundo acordar/ Não fale da vida/ Não fale da morte/ Tem dó da menina/ Não deixa chorar/ Olê olê olê olá”.
O poeta escutou um som vindo de longe. E mais uma vez dirigiu-se à pequena: “Não chore ainda não/ Que eu tenho a impressão/ Que o samba vem aí/ E um samba tão imenso/ Que eu às vezes penso/ Que o próprio tempo/ Vai parar para ouvir”. Ela acreditou que aquele samba, se cantado por milhares de vozes, vindas dos morros e dos cantinhos mais remotos de seu país, haveria de calar, não apenas o próprio tempo, mas também a estupidez, a agressão, a brutalidade, a prepotência e a coação existentes em seu país.
Menina e poeta cantaram juntos: “Luar, espere um pouco/ Que é pro meu samba poder chegar/ Eu sei que o violão/ Está fraco, está rouco/ Mas a minha voz/ Não cansou de chamar/ Olê olê olê olá”. Contudo, eles compreenderam que “Tem samba de sobra/ Ninguém quer sambar/ Não há mais quem cante/ Nem há mais lugar/ O sol chegou antes/ Do samba chegar/ Quem passa nem liga/ Já vai trabalhar/ E você, minha amiga/ Já pode chorar”. E os dois, poeta e menina, choraram juntos, um no ombro do outro.
Obs.: ouçam a música – OLÊ, OLÁ
Nota: pintura de Leonid Afremov, denominada George Benson.
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