Autoria de Celina Telma Hohman
Feng Shui! Ainda que milenar, ainda não prestamos a atenção devida aos ensinamentos da filosofia chinesa que nos ensina a viver melhor. Confesso que sou organizada, por vezes meio maníaca, mas numa única área: local onde vivo, seja trabalho ou em minha casa. Chego a extremos, o que sabemos não é bom nem sadio, mas minha remissão chega quando me pego daquelas maníacas em guardar tudo. Do canhoto do talão de cheques lá de 1990, a documentos processuais que não têm mais utilidade alguma.
Não consigo me desapegar de utensílios, roupas, souvenirs, cartinhas que a filhota escrevia quando era pequena, as lembranças que minha avó deixou, e que guardo com o maior carinho, ocupando espaços que poderiam servir para abrigar o que é necessário, enfim, sou bagunceira com minhas lembranças. Uma forma de tentar reter o passado. Resultado? Desordem, claro! Desordem com os sentimentos, com a liberação do passado, deixando-o lá, onde ficou, e não aqui onde não há porque mantê-lo.
Lembranças são boas. Há nelas a nossa trajetória, mas e daí? Lembranças podem ficar na mente, na alma, no coração e não enchendo gavetas, entulhando cantos, embaralhando-se com o presente e atrapalhando o futuro. Mas quem disse que tudo isso faz com que eu mude? Mudo, não! Se faz bem? Também não! Somente sei que retenho o passado e ao fazê-lo, pouco valorizo o presente, o que é uma pena.
Sei que tenho a meu favor o cuidado em manter uma casa limpa – por vezes até demais –, o cuidado em não poluir o visual do que me cerca com muitas peças que impedem a passagem de energia, mas estou aqui escrevendo e lembrando-me de quantos envelopes, caixas e gavetas tenho guardados coisas não mais necessárias…
Num belo dia – há uns três anos – eu resolvi fazer a “faxina da vida”. Toda faceira e com um furor típico de quem quer provar que consegue, lá fui eu me desfazer do que não servia mais. Enchi grandes e exuberantes caixas. Nelas havia de tudo. De tudo o que nem precisava estar ali: cortinas velhas, roupas lindas, mas que não serviam mais há tempos, e não as doei, nem as vendi, pois cada uma tinha uma história. Tinha! Não deveria ter mais! Fiz a “geral”. Tive o prazer de colocar aquele montão de inutilidades para que o caminhão de coleta levasse para o devido lugar. Resultado? Chorei e muito. Naquela ida senti o vazio.
Obviamente o caminhão nem precisou levar, pois a vizinhança fez a festa, mas a tonta aqui, se pudesse, iria de casa em casa e pegaria tudo de volta. O papelzinho rosa da floricultura por onde um amor havia passado, o brinquedo, que já sem forma, ainda estava guardado. O bule lindo de minha avó, acompanhado daquela xícara sem asa e sem pires, mas que era charme puro e tinha o cheirinho da vovó nela (tinha nada, pois lavada, não manteve cheiro de ninguém, exceto de passado). Eu chamo a isso de desarmonia. Amor, carinho, doces lembranças são um bem. Guardar tranqueiras é maluquice!
Tento ser organizada com esse lado meio bagunçado, mas confesso, ainda tropeço em inutilidades com uma frequência assustadora. Não é uma bagunça geral, é uma bagunça específica. Acredito que mesmo não sendo acumuladora (eita que virou moda chamarem assim quem guarda tudo de tudo), o desfazer-me de coisas desnecessárias ainda é minha área bagunçada. Não consigo, ainda que prometa, todos os dias, que mudarei. Um dia chego lá.
O tal do desapegar é minha intenção, mas a realidade é que meus apegos acabam atrapalhando. Imagine caixas e caixas de restinhos? Ainda as tenho, confesso, meio que envergonhada! É chato isso e sei que este é o meu inferninho. E aí aquela pergunta: se sei por que continuo? A resposta é “Sei lá!”, mas compenso no exagero em outras áreas. Obviamente o equilíbrio está só em saber que preciso buscá-lo.
Como citado, “a água que mata nossa sede pode nos matar…” Vou tentar de novo e de novo, mas juro, bagunça geral, geralzão, não é o meu tormento. São até minhas manias em não as ter, que também são exageradas. Fico então com a certeza da desarmonia com os apegos. Mas, início de ano, projetos para mudanças e por sorte o texto. Tudo correndo a favor. Obá!
Nota: a ilustração é uma pintura de Dante Gabriel Rossetti, denominada Pandora.
Views: 25
Olá, Celina Rohman,
É importante desapegar. Eu, como pesquisador, preciso de material e acumulo muita coisa, principalmente papel. Meu escritório está que não pode mais. Minha biblioteca não para de crescer, quanto mais pesquiso, mais livros chegam. Acho que é natural da atividade de pesquisador. Mas livrar-se de coisa em desuso pode ser interessante, mas um objeto impregnado de memória não deve ser descartado de primeira mão. Pode ser repassado para uma pessoa que o receba com grande alegria.
Um tio meu que era acumulador, deixou muitos livros e papéis. Como não preparou ninguém para receber o acervo, tudo virou uma grande fogueira. Só fiquei sabendo tempos depois. Fiquei chocado! Minha tia avô herdou um Presépio do século XVIII e querendo bancar a moderna, vendeu-o para um colecionador em São Paulo. Já andei tentando localizá-lo e não consigo. Outras tias receberam belas imagens sacras e objetos setecentistas e todos foram vendidos. Hoje estão apenas em nossas memórias. Os objetos nos contam histórias. Os simples papéis podem revelar modos de viver. Às vezes, podemos até descartar tudo, mas procurando deixar registros de alguma forma, mesmo que seja como em um texto, como o que você fez.
Muitas vezes o “espírito de modernidade” compromete profundamente o “espírito da memória”. Pessoas que são psicóticas da limpeza, acabam tornando-se um perigo para a memória familiar, pois querem um ambiente “clean” e sem memória. Algumas precisam de ambientes tão limpos que as vejo quase que morando em ambientes esterilizados (de hospital). Com certeza, uma outra psicose. Melhor mesmo é o equilíbrio. Um ambiente pode ser mais denso, outro pode ser mais leve. O importante é tornar-se um ser com raízes, identidade, cultura e memória.
Não mando nada para o lixo, quando vou descartar objetos, coloco-os na porta da minha casa, desde computador até colchão. Sempre há alguém que precisa. Meus papéis são colocados em caixa e só os coloco no dia da coleta seletiva, após confirmar se passarão por minha rua. Assim, fico mais tranquilo, não somente com o descarte, mas também com a destinação final dos meus resíduos. Seu texto é oportuno, nos faz refletir sobre muitos aspectos da contemporaneidade!
Um grande abraço,
Luiz Cruz
Querido Luiz!
Essencialmente, os acúmulos, no meu caso, são por conta da bendita memória afetiva. Os pedacinhos do passado e suas doces lembranças… Imagino o desconforto de um pesquisador ao perder algo que servirá como base para tanto, e, ainda, descobrir que pessoas da família – acontece comigo – sem dó ou piedade desfaz-se de peças lindas, simbólicas sem pensarem em seu valor histórico, beleza e por quantos passou enfeitando, dando calor…
Temos as “Celinas” que se perdem no martírio do desfaço-me/não desfaço-me e na inquietação que incomoda, mas tenho um respeito enorme por tudo aquilo que pode servir e mais ainda pelo belo, por vezes não avaliado por muitos. Minha mãe, por exemplo, sem preocupação alguma, jogou fora lindos pratos de prata, desses que não se encontram mais, só porque os tinha manchado após usá-los como apoio para bolos quentíssimos. Quase morri! Cito que tenho peças lindas de idade não precisa, e dessas, nem por decreto me desfaço. Mas, como viu, guardo cacos e aí é o terror… risos. Na verdade, fico sempre tentada a guardá-los.
Minha casa é o “beco” das professoras. Livros? Tenho enciclopédias lá do tempo em que custavam uma fortuna. A ideia é que serviriam, como serviram a mim, para filhos, sobrinhos, conhecidos e por aí vai. O problema é que a “modernidade” disponibiliza tudo. Mas minhas enciclopédias continuam comigo! Fora livros de medicina que comprei para auxiliar estudantes, visto que nunca fui médica e nem sou ligada à área. Tenho um livro, que tem, além das imagens adaptadas, obviamente, descrição das formas primeiras dos procedimentos médicos, cirúrgicos. No fundo são aterrorizantes, mas os tenho! Não servem mais para nada, mas nesse nada há conhecimento, dos bons para um papo sobre as diferenças do antigamente e do hoje. Quer algo sobre Mata Harry? Tenho! Receitas de tradicionais massas italianas, ou peruanas, feitas do modo mais simpático e não mais usados? Também tenho!
Ufa! Haja espaço, porque aconchego não falta!
Celina
o que dizer dos colecionadores? Que se desdobram para acumular, acumular, gastando dinheiro e tempo para ter o mesmo objeto das mais variadas formas? Seria o prazer de colecionar ou mania de acumular? Difícil responder…
Abraços
Matê
E não é, menina? Sempre duas possibilidades, o que diga-se, acho fantástico. O interessante é que nas minhas sofridas manias, acredita que nunca colecionei nada? Vejo ainda hoje pessoas que, como você citou, gastam e muito para comprar “aquela peça” que não têm. Por sorte esse bichinho não me mordeu, mas é interessante perceber que há pessoas que fazem isso com dedicação total. Nem vou dizer que tenho um irmão assim. Coleciona. E, maluco que só, ainda expõe a coleção e reconhece até se alguém andou mexendo nos seus tesouros. Pessoas e suas manias. Graças a Deus as diferenças! Mas algumas complicam mesmo!
Beijão!
Miss Celi
Conheço muitas pessoas que possuem esse hábito de guardar tudo. Tenho uma prima que ainda tem uma caixinha com os papéis de bala e bombons que ganhava do namorado, hoje marido. Uma outra possui roupas que a acompanham durante sua vida: “Essa é de quando eu conheci fulano, essa outra é de meus 15 anos, aquela é de quando eu fi isso ou aquilo…” e por aí vai. Eu me encontro do outro lado: desfaço-me das coisas com a maior facilidade, e até sou tida como “roedora”, pois não sou afeita a guardar papéis. Vez ou outra rasgo algo de importância… risos. Assim que leio um livro, se ele não me serve para pesquisa, repasso-o. Meu lema é “Menos é mais!”. Quero espaço! Penso que as pessoas que moram em casa têm menos preocupação com isso, mas as que vivem em apartamento pequeno não podem acumular, sob o risco de ficar encaixotada também.
O seu texto está excelente. Gosto desta sua sinceridade cheia de humor. Em suma, amo tudo que escreve.
Um grande beijo,
Lu
Lu
Estou às voltas com reformas em casa. E casa é uma beleza para espaço com inutilidades. A nossa é grande, espaçosa, boa para o ontem quando haviam mais pessoas; ruim para o hoje quando somos eu, minha filha, os cachorros, papagaios, chinchila, calopsita, jardins e jardins, calçadas que dão um belo trabalho – esqueça a beleza – e menina do céu, quem disse que não estou tirando pregos das madeiras? Guardando pedaços de lajotas? Mas juro, vou jogar tudo fora (será)
Ao que percebi, você, como minha irmã têm esse desprendimento. Minha mãe era assim e eu sofria horrores com minha mania de guardar. Por quantas vezes as duas jogaram minhas preciosidades? Pelo visto, sua prima e eu teríamos bons e longos motivos para tentar decifrar o que somos. Seria bom conhecê-la! Mas eu não estou ainda no caso grave. Ainda só guardo, mas a bagunça é organizada e não há sujeira, aliás, lavo meus bichinhos de pelúcia regularmente, limpo de forma meio maníaca os guarda-coisas e mantenho tudo em pastas, envelopes… As cortinas, para não as jogar fora, desfaço-as e guardo (só) os tecidos, pois aí o volume é menor. Na verdade sei que não servirão para nada, mas…
Como disse, ano começando e vou tentar – não prometer – que estarei livre, mas estou a cada ano melhorando. E os pregos, que nem ferrugem têm, vão é já para o lixo, afinal, servirão para reciclagem e os cacos das tais calçadas podem machucar, né? Também, para esses não tenho outro destino que não a caçamba que custou um dinheirão por somente dez dias em frente à casa. “Que pena!”. Confesso, invejo vocês e o desligar-se de tudo o que não serve mais. Mas quer dar risadas, imagine minha linda coleção de cacarecos numa prateleira na lavanderia. Há de tudo: panelas de ferro que minha avó deu ao meu pai quando ele casou, lá nos idos 1900 e qualquer coisa. Minhas primeiras peças de artesanato – feias que só – mas estão “enfeitando” um local que deveria ser só branco. Na verdade, não me atrai o estilo clean (kkkkk).
Miss Celi
Sou adepta da filosofia de Gandhi: “O que sobra em minha casa está fazendo falta na de alguém.”. É pensando assim que descarto as coisas de que não preciso mais, sempre repassando-as para outrem, ou acondicionando-as, com cuidado, no nosso espaço de recicláveis (uma vez por semana é recolhido). Uma roupa ou sapato que não usei em dois anos, certamente não farei uso mais, por exemplo. Uma linda bota vermelha em frangalhos serviu-me mais ainda de exemplo. Comprei-a, para dizer a verdade, sem necessidade alguma. Sempre que ia calçá-la, achava-a muito alta. Dois anos depois, num dia muito frio, resolvi que iria usar a dita. Mas ao calçá-la, o solado desfez-se em minhas mãos. Melhor seria se eu a tivesse dado a alguém. Ela foi para o lixo tão virgem como nasceu, mas esfacelada.
Beijos,
Lu
Abençoado Gandhi e seus seguidores! Sou o oposto e não sou avarenta, o que ainda dá mais sufoco! Mas já imaginou eu dando as penelas que meu pai ganhou, para meu sobrinho, que montou uma cozinha bem rústica e me “canta” sempre para levar as panelinhas? Fico com as panelas e compro outras para o sobrinho. Na verdade, já fiz e no Natal recebeu de presente belas panelas de ferro novinhas! Minhas velhinhas estão a salvo, risos.