Autoria de Luiz Cruz
Tiradentes abrigou a 20ª Mostra de Cinema, com muito sucesso! A história do cinema na cidade vem de longe. O primeiro cinema existiu na casa do inconfidente padre Carlos Correia de Toledo e Melo, atual Museu Casa Padre Toledo, já em atividade na década de 1920. Segundo Antônio Faustino da Cruz, o cinema atraia muitas pessoas, e aos cinco anos de idade ele vendia pastel, antes das exibições. Um documento de 1944, no Arquivo Central do IPHAN/RJ, registra a demolição da cabine cinematográfica e do palco, quando o imóvel passou pela primeira obra de restauro. Outro cinema funcionou na sede do Aimorés Futebol Clube, na década de 1960, uma iniciativa de José do Nascimento, o “Zé da Olinda”, com apoio de Eros Miguel Conceição. Fez sucesso, mas deixou de existir. No final da década de 1970, Yves Alves ofertou um projetor de cinema 16mm para o IHGT-Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes e, em sua antiga sede, foram exibidos alguns filmes. Com o apoio de Eros Conceição, houve várias apresentações cinematográficas na EEBG – Escola Estadual Basílio da Gama. Na década de 1980, quando foi criada a Semana do Meio Ambiente, muitos filmes foram exibidos no Largo das Forras e na EEBG. Através do contato com o crítico de arte Mark Bercowitz, conseguimos os filmes emprestados no ICBEU-Instituto Cultural Brasil Estados Unidos. Os carretéis com as películas eram colocados em sacos de tecido e trazidos para Tiradentes em ônibus da linha Rio de Janeiro/São João del-Rei. O Centro Cultural Yves Alves-SESI mantém uma programação semanal de cinema e com boa qualidade, desde 2010. Toda exibição é gratuita para os tiradentinos e visitantes.
A primeira Mostra de Cinema de Tiradentes ocorreu em 1998, com a inauguração do Centro Cultural Yves Alves e em uma tenda de circo, instalada no Lago das Mercês. A Mostra consolidou-se e tornou-se um dos eventos mais importantes do cinema no país. Tecnicamente houve um avanço surpreendente. Era curioso apreciar o vai e vem dos homens carregando os carretéis com as películas, filmes em 16mm e em 35mm. Assistimos as apresentações dos chamados “vídeos”, introduzindo a era digital. Com o avanço da tecnologia, tivemos oportunidade de acompanhar o grande salto da quantidade e da qualidade dos filmes brasileiros, associado à expansão das escolas de cinema em vários estados. Foram criando as mostras dentro da Mostra e os temas.
Na 20ª edição, o tema central foi “Cinema em Reação, Cinema em Reinvenção”. As homenageadas foram a atriz Helena Ignez e a atriz e diretora Leandra Leal. Foram exibidos 108 filmes, entre longas, médias e curtas metragens, com produções de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Maranhão, Pernambuco, Paraná, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, Goiás, Espírito Santo, Paraíba e Distrito Federal. “Reação” e “Reinvenção” foram correlacionadas às questões de gênero, identidade, transgressão, transexualidade e poder. Essa edição tornou-se um marco ao homenagear duas atrizes e a iluminar o tema mulher, sexualidade e transexualidade, em contexto nacional. As minorias do Brasil e a violência que assola esses grupos, como as comunidades indígenas, mulheres, negros, transexuais, religiosos e outros. Abriram-se muitas janelas do Brasil para vermos o quanto grupos autoritários maltratam as minorias – historicamente – desde que esta terra tornou-se “Vera Cruz”, o nosso Brasil.
É lamentável ver como o Brasil desrespeita suas comunidades indígenas, expulsas por grileiros, madereiros, garimpeiros e agronegócio. É inconcebível tantos investimentos em hidrelétricas que desmantelam comunidades e destroem a fauna e a flora. Lá se foi o tempo em que hidrelétrica era considerada energia “limpa”; pois, para exisitir, muitas vidas são dizimadas e compromete o meio ambiente. Tudo feito através de acordos escusos, sob o manto da falsa legalidade. Pior, nós brasileiros assistimos e consentimos essas barbaridades. Existe o silêncio de uma ONU e de uma UNESCO, que também figem como nós mesmos, que não está acontecendo nada. E, com isso, a devastação das florestas caminha, cada vez mais veloz.
“Uma câmara na mão e uma ideia na cabeça” – a famosa frase do cineasta Glauber Rocha, foi importante para o Cinema Novo. Na contemporaneidade, perde consistência. Como exibido na 20ª Mostra de Tiradentes, houve avanço na qualidade dos filmes, os jovens aprenderam a fazer cinema. Porém, cinema não é só tecnologia, envolve muitos aspectos. Acima de tudo, cinema é emoção. Cinema é Arte. E, para que alcance bom resultado é preciso ser lapidado. Alguns filmes nos encantaram, devido ao conjunto de elementos constitutivos. Outros foram de doer a alma. Um dos mais aplaudidos foi “Entre os homens de bem” (SP) – dirigido por Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros. Apresenta o embate de Jean Wyllys, defensor da causa LGBT, com a bancada conservadora do Congresso Nacional. Quem achava que já conhecia o Congresso com a transmissão ao vivo da votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, enganou-se. O filme “Entre os homens de bem” revela um Congresso conservador, corporativo, reacionário, fisiológico, sem ética e sobretudo desprovido de inteligência. As referências a um Congresso Nacional bbb – “bala, bíblia e boi” – está longe de ser representação de uma nação com dimensões continentais e complexo como o Brasil. Esse filme foi um tiro certeiro e enriqueceu a proposta da Mostra.
À Mostra desejamos longa vida. Os desafios ainda são muitos. O maior deles é o diálogo com a comunidade, pois inexiste. A Mostrinha deveria ter sessões diárias para que as crianças tenham mais participação e experiências cinematográficas. Os adultos locais só frequentam a Mostra quando há filmes produzidos na cidade. Portanto, investir na Mostrinha é investir num futuro apreciador do Cinema Brasileiro. A Mostra precisa se adequar às questões da acessibilidade, com vagas reservadas para cadeirantes e com os filmes legendados. Torna-se elementar trabalhar com as questões da segurança, principalmente no Cine-Tenda, que é de material inflamável. É necessário também que a Mostra se encontre com os outros eventos locais.
Fotos: Cine-Tenda e aspecto do filme “Entre homens de bem”, fotografias do autor.
Views: 32
Luiz
Muito bom seu texto. A Mostra de Cinema de Tiradentes é um marco para o Cinema Brasileiro. Através dela ele ganhou um espaço de formação e visibilidade de novos diretores, atores, formadores de opinião e cinéfilos. Mas como você bem diz “os desafios ainda são muitos”, e também penso que falta esse diálogo com a comunidade. Acompanhando a Mostra todos esses anos, vejo o grande potencial do Cinema Brasileiro em produzir a Sétima Arte.
Um abraço!
Prezado Loi,
Você é uma das raras presenças de Tiradentes nas sessões da Mostra de Cinema. É pessoa que aprecia o Cinema Brasileiro, conhece e tem prazer em discutir sobre o tema. Por isso, fico muito feliz com sua presença aqui no blog.
Tiradentes e Cinema Brasileiro – a dupla deu certo e a cidade acabou absorvendo a Mostra de maneira interessante. Mesmo consolidada de público, qualidade, crítica, etc, ainda há muito que se fazer, principalmente se encontrar com os próprios TIRADENTINOS; quem sabe na 21ª Mostra a organização de um passo para tal. Seria importante para ambas as partes.
Um grande abraço para você.
Luiz Cruz
Luiz
Considero Tiradentes a princesinha do estado mineiro. É digno de louvor o trabalho que o pessoal ligado à Cultura, incluindo você, tem feito, servindo de exemplo para todo o país.
A função social do Cinema é de fundamental importância no contexto nacional, principalmente em se tratando de filmes que denunciam as mazelas daqueles que se encontram acima da própria Constituição brasileira. É profundamente preocupante saber que:
“Entre os homens de ‘bem’ revela um Congresso conservador, corporativo, reacionário, fisiológico, sem ética e sobretudo desprovido de inteligência. As referências a um Congresso Nacional bbb – ‘bala, bíblia e boi’ – está longe de ser representação de uma nação com dimensões continentais e complexo como o Brasil.
Parabéns a Tiradentes que, por meio de sua equipe cultural, abrigou a 20ª Mostra de Cinema. E não resta dúvida de que a Mostrinha é importantíssima na formação dos futuros jovens pensantes, pois, como bem diz um ditado “é de menino que se torce o pepino”.
Abraços
Lu
Lu, querida,
O Cinema é uma das manifestações artísticas de grande poder e que nos comove, mas também nos alerta para que possamos perceber o meio em que cada “história” se desenrola. A Mostra de Cinema de Tiradentes realmente se consolidou e especialmente sua 20ª edição foi um grande sucesso. Assisti ao último filme exibido no Largo das Forras – Guarnieri – documentário sobre Gianfrancesco Guarnieri e a sua trajetória de resistência política, através do Teatro e do Cinema. Uma beleza, principalmente pela exibição sob céu estrelado e assistido por uma multidão, que acompanhou atentamente cada cena do documentário. Foi emocionante! Tiradentes sempre nos surpreende, com essa comunhão – locus e arte. O documentário “Entre os homens de bem” é sensível, mas ao mesmo tempo terrível, pois nos revela como as engrenagens de Brasília são movidas e a que custo para o cidadão…
A Mostrinha é o próprio futuro da Mostra e precisa realmente de exibições diárias durante o evento. Obrigado pela sua atenção e apoio.
Um grande abraço,
Luiz Cruz
Mais que traçar impressões de um evento tão importante e além de meramente descrevê-lo, o texto de Luiz Cruz história do próprio cinema em Tiradentes e aponta as demandas. Parabéns por mais este excelente artigo. Que venha mais, continue, não pare!
Abraço fraterno,
Ulisses Passarelli
Caro Passarelli,
O Cinema em Tiradentes tem história e é uma injustiça para com seus personagens jogá-los ao limbo. “Zé da Olinda” e Eros Conceição fizeram cinema na cidade com sacrifícios imensuráveis. Portanto, merecem nosso reconhecimento e nossos aplausos.
Fico feliz por você acompanhar nossas publicações aqui no blog virusdaarte.
Um grande abraço para você.
Luiz Cruz
Terezinha,
O meu filho Pedro gosta de cinema, mas acaba ficando limitado à Mostrinha, com poucas exibições. É necessário criar oportunidades para os novos apreciadores de cinema. O debate pode enriquecer sobremaneira a compreensão sobre a obra, o autor etc.
Obrigado por sua presença e retorno.
Um abraço amigo,
Luiz Cruz
Luiz,
A Mostra de Cinema de Tiradentes é o palco do cinema nacional. Viva! Muito bom seu artigo e a sugestão: mais filmes para crianças, especialmente com sessões de debates após cada filme. É preciso formar cinéfilos que saibam pensar.
Abraço,
Terezinha