Autoria do Prof. Rodolpho Caniato
A corrida de carros: as “baratinhas”, como eram conhecidos os carros de corrida, foi outro aspecto marcante dos anos trinta de minha infância no rio. Desde muito pequeno assisti a várias dessas corridas nos ombros de meu pai. Algumas vezes empoleirados nos andaimes de uma construção próxima às margens da corrida. A corrida era feita nas ruas do jovem bairro da Gávea. Não havia nem autódromo nem lugares especiais para os espectadores. A partida era dada na parte baixa da rua Marquês de São Vicente, próximo ao Jokey Club. O trajeto seguia pelo Canal do Leblon, depois de passar pela porta do Hotel Leblon, entrava na Avenida Niemeyer. Depois subia por uma estrada de terra, o “trampolim do diabo”, onde está hoje a favela da Rocinha, descendo pela estrada da Gávea e Rua Marques de São Vicente.
Também assisti à corrida de onde era dada a partida, na Rua Marquês de São Vicente, próximo ao canal do Leblon. Pelo Brasil corriam Manoel de Tefé, chamado de Barão de Tefé, em uma “baratinha” amarela e Irineu Correa. Aquele venceu em 1934. O segundo marcou o início do automobilismo brasileiro de competição. Muitas vezes, fora da corrida, essas baratinhas amarelas dos brasileiros eram vistas estacionadas na então rua Copacabana, entre o Lido e o “Copa”, em frente ao Atalaia, diante de meus olhos. Em 1935, o vencedor foi Irineu Correa. No ano seguinte aconteceu o trágico acidente em que ele morreu. Sua baratinha capotou e foi cair dentro do canal do Leblon. Assisti à corrida e ao grande tumulto que isso provocou.
A cada ano essa corrida tornava-se mais popular e arrastava multidões. A partir de 1935 a corrida ganhou mais prestígio com a chegada de grandes nomes do automobilismo internacional. Em 1936 a Ferrari mandou um corredor com um nome que se tornaria lendário e sinônimo da alta velocidade: o italiano Carlo Pintacuda com sua “baratinha” vermelha. A Alemanha mandou Hans Stuck, o “Von Stuck”. Da França veio “madmoiselle” Helenice, com sua “baratinha” azul. Essa foi a primeira participação, talvez a única, de uma mulher numa corrida desse gênero. Seu carro quebrou e ela não conseguiu chegar ao fim da prova, mas marcou época e causou muito “frisson”. Sua aparição na praia de Copacabana, com maiô de duas peças, também deu o que falar. Creio que não havia escuderias como as de hoje. Os carros representavam os países por suas cores: amarelo, os brasileiros; vermelho, os italianos; azul, os franceses.
A Alemanha mandou um carro espetacular, capaz de muito maior potência, velocidade e com o aspecto de uma bala de fuzil: o “flecha de prata” da Auto Union. A essa altura, a Alemanha nazista já estava empenhada numa forte campanha de propaganda internacional. Aquele carro mais potente, mais reluzente e mais espetacular (Auto Union) deveria mostrar a “superioridade” da Alemanha. Não adiantou. O italiano Pintacuda, da Ferrari, ganhou a corrida e se transformou num ídolo e num ícone da velocidade. Esse prestígio popular manifestou-se nos anos seguintes numa das marchinhas de maior sucesso do Carnaval carioca: “Sou um ‘pintacuda’ pra beijar”.
Nota: Extraído do livro “Corrupira”, ainda inédito, do autor.
Imagem copiada de Quatro Rodas
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Caro Professor
Como sempre, um cativante texto deste mestre das palavras.
A descrição da corrida das “baratinhas” é tão vívida, que tenho a impressão de encontrar-me ao lado do menino “empoleirado nos andaimes”. Como é bom enxergar as coisas interessantes do passado, sob o olhar de quem sabe narrá-las.
Abraços,
Lu
Professor!
Ler seus textos faz com que voltemos no tempo, em que, se passamos por ele, dele um pouco sabemos: não tendo passado, lá vamos descobrindo o que nem pensávamos houvesse acontecido. Sou de uma fase um pouco mais acima dos anos 30, que conheço pela história, mas que muito fica perdido sem que alguém tão carinhosamente tenha vivido nessa fase e nos conte. O senhor teve o privilégio dos anos tranquilos!
Não conheço o Rio e suas maravilhas, e incrível, não me desperta a curiosidade, mas sempre foi um Estado vanguardista, onde tudo se inicia. Não recordo das Baratinhas, obviamente não as conheci, mas lendo seu texto, vem a imagem do menino nos ombros do pai, ou “empoleirado nos andaimes…” e aí me veio à mente um personagem que poucos se interessam: Julien Sorel, personagem fantástico de Stendhal, no maravilhoso livro “O Vermelho e o Negro”. Esse, nas fugidas do trabalho que de fato não lhe interessava, pegava seus livros e “empoleirava-se” na carpintaria, que a ele não tinha atrativo algum. Obviamente um personagem não tem nada a ver com o outro. O jovem Sorel, um tanto safado, um tanto sofrido, e o menino que teve o prazer de assistir corridas automobilísticas, que hoje são o que há de bom para quem gosta, e muitos gostam! Imagino o fascínio que isso despertava!
Descobri, levada por seu doce relato, que a marchinha era a “Marcha do Gago” e que pintacuda, acabou regionalizando para sinônimo de bom motorista. É isso? Tão bom o conhecer mais através de quem conhece tanto e nos presenteia com lembranças que nos levam a mais, sempre a mais. Como as Baratinhas, somos aperfeiçoados! Elas ficaram em sua memória e nas dos que as viram de perto, e em nossas memórias houve o avivamento em conhecer mais aquilo que de outra forma nem nos passaria como importante.
Professor Caniato e suas delícias! Como o mundo fez tão poucos como o senhor? E como, 3 anos depois, descubro sua passagem por minha cidade, onde, na UEPG, foi o senhor quem fez a aula inaugural do Mestrado em Física. Obviamente, fosse hoje, mesmo não sendo da área, lá estaria eu, e exigindo a primeira fila! E orgulhosamente diria: leio tudo o que ele escreve! Oba! Até Física, viu? E sempre fugi da matéria, mesmo que no ensino regular até gostasse da danadinha. Mas fui por outros caminhos e da Física sobrou só a lembrança de algumas equações, não a imensidão do que ela pode nos desvendar e a importância que tem em nosso diário viver.
Abraços