Autoria de Lu Dias Carvalho
Esta composição foi originalmente chamada de A Família de Filipe IV ou A Família Real, mas tornou-se conhecida em todo o mundo como As Meninas, termo que se refere às damas de honra da princesa Margarida, filha do rei Filipe IV e de sua segunda esposa Mariana da Áustria. Velázquez retrata uma cena cotidiana numa corte do século XVII, mas, embora possa parecer simples, as suas multíplices facetas fazem dela uma das mais ricas composições da história da arte. O quadro repete exatamente o ambiente onde o pintor encontrava-se inserido. Trata-se de uma pintura sobre pintura.
A cena acontece em uma das salas do palácio real e leva o observador a deduzir que o artista estava pintando Filipe IV e sua esposa Mariana, quando a princesinha Margarida precipitou-se para dentro do seu ateliê, acompanhada de suas damas de honra — María Agustina e Isabel Velasco. Assim, a pintura na grande tela à frente do pintor, apoiada num imenso cavalete, é a que se vê no espelho: o casal real. Contudo, a tela que o artista pinta não pode ser vista pelo observador, pois ele a vê de costas. A resposta está no espelho, como supõe a maioria dos estudiosos de arte.
A infanta — ocupando o centro da composição — parece olhar para seus pais, fazendo uma pequena mesura, sem se interessar pela presença das duas damas de honra que a ladeiam. Embora seja a menor das personagens, de pé com seu vestido rodado, percebe-se claramente que é a figura mais importante da composição. Uma fonte de luz destaca a princesa de cinco anos de idade que se encontra no centro da tela. Sua expressão sugere que ela está consciente da posição que ocupa no grupo. Velázquez usou borrifos de tinta branca pura para realçar o reflexo da luz nos seus cabelos dourados e no magnífico vestido, transformando-a no ponto focal da pintura.
Mesmo não aparecendo na cena principal da composição, o rei e a rainha têm a imagem refletida no espelho do fundo, sob um cortinado vermelho, recolhido. O casal está meio obscurecido pela falta de claridade no local. O espelho está envolto numa moldura escura e também reflete a iluminação usada pelo pintor. Presume-se que eles estejam onde o observador se encontra.
Diego Velázquez — vestido como um cavaleiro sisudo e elegante — faz um autorretrato, ao se apresentar no lado escuro, à direita da infanta, com uma paleta na mão esquerda e um pincel na direita — símbolos de sua função na corte —, tendo à sua frente um enorme quadro recostado a um cavalete e de costas para o observador. Ele reclina para trás para melhor observar seu trabalho. Usa pincéis compridos, pois os detalhes de sua obra só entram em foco de certa distância. A cruz da Ordem de Santiago está no seu colete, na parte do peito. Ela foi ali pintada três anos após a finalização da pintura, quando ele foi sagrado Cavaleiro da Ordem. Não se sabe se foi o artista ou outra pessoa a mando do rei que a pintou.
María Agustina está ajoelhada e estende uma bandeja de prata, com uma pequenina jarra de cerâmica vermelha, provavelmente água fresca e perfumada, à princesa, enquanto Isabel Velasco faz uma pequena inclinação para homenagear Margarida, ou talvez uma saudação ao casal real. Mari-Bárbola — anã alemã — muito bem vestida, encontra-se à direita de Isabel Velasco que olha para frente.
O rosto alinhando horizontalmente com o da princesa e o elegante vestido escuro só fazem aumentar a beleza da infanta. A seu lado encontra-se Nicolás Pertusato — anão italiano — com o pezinho sobre a traseira do cachorro que parece tirar uma soneca. A sua postura sonolenta é indicativa de que ali se encontra há bastante tempo. Ao colocar o pezinho sobre o flanco do animal, o anão traz para a obra um ar de espontaneidade. Um pouco atrás, a freira Marcela de Ulloa — responsável pelas damas — parece conversar com um homem hirto, o guarda-costas que parece ter sua atenção direcionada aos reis. Outras análises dizem se tratar de um sacerdote.
O teto representa uma grande área escura que lembra o estilo barroco. Os suportes não possuem candelabros, mas direcionam o olhar para o fundo da sala, sendo que um deles aponta para o espelho com a imagem dos reis. Na parede lateral, à direita, é usado um jogo de luz e sombras, com o objetivo de ampliar a ilusão de profundidade do espaço, onde se desenrola a cena. Embora a luz diurna entre por uma das janelas desta parede, existem também outras fontes de luz a modelar as sombras.
Ao fundo vê-se uma porta aberta que dá para um aposento, uma escada e outra porta. José Nieto Velázquez (possivelmente parente do pintor) — camareiro da rainha — encontra-se nos degraus, emoldurado pelo marco da porta. Ele aponta para o retrato do rei e da rainha no espelho, para que não passem despercebidos. Uma forte luz origina-se do local. No alto da parede, onde se encontra o espelho, estão duas cópias dos quadros: Minerva e Aracne de Rubens, e Apolo e Pan de Jacob Jordaens, feitas pelo genro de Velázquez, Juan Bautista del Mazo.
A luz está assim distribuída na composição: forte na porta aberta e no espelho, indicando que os reis estavam clareados, enquanto posavam para o artista; intensa no primeiro plano e disseminada no fundo. As figuras da composição estão muito bem equilibradas: as três meninas equilibram-se com os dois anões e o cão no primeiro plano; Velázquez, de pé à esquerda, contrapõe-se ao guarda-costas e à freira, à direita, no plano médio; o reflexo do casal real no espelho equilibra-se com o camareiro à porta.
Por ter captado o instante exato em que tudo parece estar em ação é que a obra de Velázquez é tida como pioneira do impressionismo. Suas cores são discretas, com escassez delas na parte superior, com destaque para o branco, cinza e negro das vestimentas que trazem minúcias em vermelho. Ao apresentar os anões e o belo cão, Velázquez aproxima-se do impressionismo também. Não existe unanimidade em relação a quem (ou o quê) estava sendo retratado pelo artista. Uma das suposições é que se tratava do casal real, mas também poderia ser o retrato da princesa, embora ela se encontre atrás do pintor. O certo é que a composição é bastante intrigante.
Curiosidades:
- A Infanta Margarida era chamada por seu pai de “minha alegria”. Aos 15 anos de idade ela se casou com seu tio Leopoldo I, imperador. Morreu aos 21 anos, deixando 4 filhos.
- Velázquez conhecia a obra Os Esponsais dos Arnolfini que traz uma pintura no espelho.
- O ponto de fuga da composição está na porta aberta ao fundo.
- Os soberanos não são mostrados diretamente, ao contrário do pintor que parecia gozar de grande privilégio na corte, como prova o seu olhar altivo dirigido ao observador.
- Segunda uma lenda, após a morte do pintor, o próprio rei pintou em vermelho a cruz da Ordem de Santiago no peito do pintor no quadro.
- Questionamentos sobre a obra: O que Velázquez pinta na tela à sua frente? Onde estaria ele, para poder pintar a cena e a si próprio? Onde estão o rei e a rainha na sala, para terem o reflexo no espelho?
- Os quadros identificáveis na parede são: “Apolo e Pan” da escola de Rubens, e cópia de um Jardaens, de Mazo, ambos no Museu do Prado.
- Pintores que fizeram uma leitura pessoal da obra ou nela se inspiraram: Francisco Goya, Edgar Degas, Édouard Manet, Max Liebermann, Franz von Stuck, Salvador Dalí, Richard Hamilton, Pablo Picasso, etc.
Ficha técnica:
Ano: 1660
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 212 x 147 cm
Localização: Museu do Prado, Madri, Espanha
Fontes de pesquisa:
Barroco/ Taschen
Tudo sobre arte/ Sextante
Grandes mestres/ Abril Coleções
Grandes pinturas/ Publifolha
Arte em detalhes/ Publifolha
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
1000 obras-primas da pintura…/ Konemann
Grandes mestres da pintura/ Coleção Folha
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LuDias
Excelente texto, de forma a se compreender o que a tela nos revela.
Parabéns!
Ed
Esta é uma tela bem complexa.
O pintor mostrou nela todo o seu talento.
Beijos,
Lu