Autoria de Fernando Carvalho*
Ver é uma ousadia. Fazer falar o que se viu, ou desmistificar a cegueira alheia é ousadia dupla. (Affonso Romano de Sant’Anna)
Eu achava que tinha um estilo de vida saudável e bons hábitos alimentares, e que estaria destinado a uma vida longa e com saúde. O fato é que depois dos quarenta anos fui surpreendido pelo diabetes. Fiquei estarrecido, atônito e fulo da vida. Eu me cuidava e não era para ter ficado doente. Ignorava absolutamente esse distúrbio metabólico. Para mim, se o diabo fosse animador de um programa de televisão, as dançarinas seriam as diabetes. Passei a ler sobre o assunto e cheguei, como veremos, a conclusões diferentes da “diabetologia”.
Eu não sabia o que era açúcar… Para mim era um alimento como outro qualquer e que fazia parte da mesa de um modo inteiramente natural. O saleiro tinha um pó branco usado para salgar os alimentos e o açucareiro para adoçar. Algo de estranho? Não. Diziam que o açúcar provocava cárie, mas só para quem não escovava os dentes. Nunca estranhei o fato de uma substância exigir escovação, fio dental, flúor, selante, etc., pelo simples fato de entrar em contato com os dentes, o tecido mais duro do organismo. Uma ideia clichê dizia que o açúcar em excesso fazia mal e engordava, mas isso só deveria valer para quem tem tendência a engordar. Quem não é sedentário e queima calorias não precisaria se preocupar com isso.
Minha mãe sempre gostou muito de açúcar. Em geral ela põe tanto açúcar no que faz que a coisa vira um melado. Quando eu era criança, ela conta, tive problemas comvabsorção de leite de vaca, e um conceituado médico lá de Pernambuco receitou para mim leite condensado, que minha mãe transformava em leite líquido adicionando água quente. Ela diz, ainda hoje, com uma ponta de orgulho: “Nandinho consumia uma lata de Leite Moça todo dia!”. Coitado do meu pâncreas. Uma vez eu reclamei que ela havia estragado uma vitamina de abacate com tanto açúcar. Mas o máximo que eu conseguia era ofendê-la. Imagine uma vitamina bem docinha, feita com amor por sua mãe! Não havia clima para reclamações. Quando numa lanchonete pedia um suco de laranja, eu mesmo colocava açúcar e tinha a impressão de que, de alguma forma, o suco de laranja ficara enriquecido. Além de doce, talvez enriquecido de energia. Influenciado pelos naturalistas, sempre evitei Coca-Cola, mais por ser um líquido artificial. Jamais deixei de preferir um suco de fruta (com açúcar) a uma Coca.
Eu não bebia refrigerantes, mas guaraná natural, acerola com laranja e mate natural… Tudo devidamente açucarado. E no verão, especialmente, bebia muito mais. Só depois de me tornar diabético é que vim a ler o “Sugar Blues”, obra de William Dufty, para ficar sabendo que eu consumira muito açúcar ao longo de minha vida e que o açúcar se encontra até em alimentos salgados. Minha bebida preferida, a cerveja, vim a descobrir que se trata de uma água suja de açúcar e que até o vinho soi disant (supostamente) seco também leva açúcar.
Hoje sou tomado pela sensação de que fui enganado a vida inteira. Tivesse sidoinformado sobre o que era o açúcar, eu o teria evitado, riscado de minha dieta e não teria ficado doente. Escrevi a obra intitulada “O Livro Negro do Açúcar” (presente em PDF) com o objetivo de alertar as pessoas quanto a este problema. Hoje quem fuma sabe o mal que o cigarro faz, fuma tendo consciência disso. Conheço gente que fuma alegando que o cigarro não é nada diante das condições de vida oferecidas pelo capitalismo contemporâneo. Penso diferente: não é porque a vida está uma merda que vou fazer mal a mim mesmo. Além do mais, como dizia um personagem do filme “Eles não usam black-tie”, a merda se transforma. Com este livro pretendo somar forças ao movimento que já existe, liderado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), visando impor limites à indústria de alimentos da mesma maneira que faz com a indústria de cigarros. Deixo claro, porém, que o movimento Açúcar zero é contra apenas a presença do açúcar na mesa. É ele que, adicionado à dieta, a transforma-a numa ração patogênica.
O movimento Açúcar zero parte do princípio de que o açúcar não é, como parece, um componente natural da mesa, mas um corpo estranho nocivo que invadiu a mesa há apenas alguns séculos, conferindo à alimentação da humanidade um caráter patogênico. Movimento de tolerância zero em relação a esse agente causador das mais vergonhosas epidemias que assolam a humanidade: da cárie dentária, da obesidade mórbida, das doenças cardiovasculares e do diabetes que é uma doença cada vez mais popular.
Aos fabricantes de açúcar resta o consolo de que com o açúcar é possível se fazer muitas outras coisas, até explosivos. Acredito que, como um primeiro passo, deve haver, como acontece com o cigarro e o álcool, advertência do Ministério da Saúde nos rótulos dos produtos açucarados, alertando quanto aos perigos do consumo excessivo de açúcar e informando o teor de sacarose refinada. É o mínimo que se pode fazer… Acho uma perversidade permitir-se que um inocente desavisado consuma um veneno, pensando que se trata de alimento. Se a humanidade quiser erradicar, como já erradicou tantas doenças infecciosas, esse mar de doenças de etiologia desconhecida, como dizem os médicos, terá que deter o avanço da ditadura do açúcar.
*Obteve o grau de Licenciatura em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É cartunista, tendo publicado no Pasquim e em outros jornais. É sócio da Livraria João do Rio – tradicional sebo do Rio de Janeiro, e autor do livro Ferdo, pior que Millôr, cartuns que ficaram para a história.
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Fernando
É com imensa alegria que agradeço sua permissão para que artigos do seu livro sejam publicados neste espaço. Confesso-lhe que nem eu tinha tanto conhecimento sobre os males desse pozinho branco e doce. Estou abrindo os meus olhos e os leitores farão o mesmo. Suas informações são muito valiosas. Obrigada!
Lu
Lu
E eu agradeço por você publicar meu livro neste blog maravilhoso que é o Vírus da Arte. Que seus leitores saibam que se quiserem trocar ideias com o autor o espaço é aqui mesmo. Obrigado a todos!