A ORIGEM DA PROPRIEDADE PRIVADA

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Autoria de Fernando Carvalho

Enquanto houver burguesia não vai haver poesia. (Cazuza)

Para o filósofo Jean-Jacques Rousseau a propriedade privada teve início quando um sujeito cercou um pedaço de terra, que não tinha dono, e disse: “Isso aqui agora é meu” e encontrou gente ingênua o suficiente para acreditar naquilo.

A origem da propriedade privada foi uma das revoluções, se não a mais importante, por que passou a humanidade. Vamos tentar inferir aqui algumas consequências desse ato histórico fundamental. A mais imediata foi o surgimento do “outro” (o inferno são os outros, segundo o filósofo francês Paul Sartre). Antes havia o “nós”. Por exemplo: “Nós”, dizia o troglodita, “precisamos de comida”. E os homens se reuniam para caçar um mamute e distribuir a carne do bicho entre eles.

A solidariedade era natural entre os homens. A propriedade privada acabou com isso. Com o advento da propriedade e o consequente surgimento do cultivo de alimentos e a criação dos animais, os que ficaram sem terra naquele tempo passaram a ter que pagar pela carne e pelos grãos necessários à sua alimentação. Assim temos que a propriedade privada criou um problema novo para a humanidade, a fome. Antes a fome era um problema individual que um peixe assado resolvia. A propriedade privada engendrou a fome de coletividades inteiras. O dono de um terreno plantava e criava animais para ele e os seus comerem e o possível excedente era destinado ao escambo com outros proprietários de terras. Os “sem-terra” que não tinham sangue de barata para morrer de fome roubavam ou furtavam comida dos proprietários. Assim, temos ainda que a propriedade privada deu origem ao roubo e ao ladrão.

Ao dividir a humanidade em duas partes, aquela que tem as coisas e a outra (maioria) que nada tem, a propriedade privada deu também origem a duas coisas que a humanidade não conhecia: quem tem se acha melhor que quem não tem. Aqui tiveram origem os sentimentos de superioridade e inferioridade nas pessoas e os corolários: a prepotência de um lado e a inveja do outro.

Acabaram com a solidariedade e instituíram a concorrência e com ela a deslealdade entre as pessoas. E como resultado disso houve a concentração da propriedade por um lado e o aumento da miséria por outro. Nos dias de hoje só se vê os resquícios daquela solidariedade natural que havia entre as pessoas, durante algumas catástrofes, como um terremoto por exemplo, quando a propriedade privada perde o significado e as pessoas estão mais preocupadas em salvar a própria pele.

Quando um proprietário de um automóvel atropela um pobre, e isso é mais comum do que a gente pensa, ele lamenta muito mais o estrago feito em seu carro que a dor que a vítima (ou a família) possa estar sentindo. E se sujar o banco do carro de sangue, a raiva do atropelador será extensiva à mãe do infeliz atropelado. Uma das páginas mais tristes na crônica da propriedade privada é quando o burguês, depois de ter trabalhado a vida inteira, formado uma família e construído um patrimônio a duras penas, depois de tudo, já velho e doente, mas lúcido e com a sensibilidade não embotada, percebe que os familiares estão como que a torcer para que “o velho” morra logo, a fim de poderem pôr as mãos na herança.

Assim, temos que a propriedade privada deu origem também a mais esse fato insólito na história da humanidade: a torcida pela morte do próximo, mesmo um pai ou uma mãe. E a atração da propriedade privada é tão terrível que os filhos da burguesia não apenas “torcem” e procuram acelerar o processo, passando um atestado de caduco para o velho, ou encomendando a morte como fez aquela menina de nome Suzane aos pais Hichthofen.

Como o leitor pode perceber, a propriedade privada é a mãe de todos os males.

 

Nota: imagem copiada de https://outraspalavras.net/alemdamercadoria/a-logica-senil-da-propriedade-privada/

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4 comentaram em “A ORIGEM DA PROPRIEDADE PRIVADA

  1. Marinalva Autor do post

    Fernando

    Tudo isso é interessantíssimo e verdadeiro. Fico preocupada com o aumento da população e a fome que aumenta a cada dia. O que é privado hoje continua cada vez mais defendido pelos seus donos. Não sei o que as pessoas carentes vão fazer para ter, pelo menos, o mínimo para sobreviverem. Muitas crianças vivem sem o mínimo, enquanto os donos de inúmeras posses desperdiçam. Muito triste!

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  2. Fernando Carvalho

    Lu, O Vírus da Arte&Cia é um espaço bonito e inteligente. Pra mim é um orgulho ser publicado aqui.

    Responder
    1. Lu Dias Carvalho Autor do post

      Fernando

      Eu é que me sinto muito feliz por trazer seus escritos para este espaço. Muito obrigada!

      Abraços,

      Lu

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  3. Lu Dias Carvalho

    Fernando

    Nunca vi uma explicação tão precisa para a “origem da propriedade privada”. Você é muito didático e, com poucas palavras, tocou no ponto-chave”. Parabéns pelo artigo tão interessante. Obrigada por ser colaborador neste espaço.

    Abraços,

    Lu

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