A VIDA DAS CRIANÇAS ATRAVÉS DOS TEMPOS

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Autoria de Lu Dias Carvalho

crian

Poupe o cacete e estrague a criança. (Provérbio antigo)

Quem não faz uso da vara odeia seu filho, mas o que o ama desde cedo castiga-o. (Livro de Provérbios: 13,24)

Melhor bater em seu filho quando pequeno do que vê-lo enforcado. (Verso medieval)

Os contos de fadas de Grimm contêm apenas algumas das ameaças que podem ser encontradas na literatura infantil, referindo-se às desgraças que podem acontecer a uma criança descuidada ou desobediente. (Steven Pinker)

Respeitem a infância, e deixem a natureza atuar longamente antes de envolverem-se em agir no lugar dela. (Conselho de Rosseau aos pais)

 Os caçadores/coletores eram muito mais compassivos com seus filhos do que as sociedades que os precederam. Existem registros de espancamento infantil desde o antigo Egito, Suméria, Babilônia, Pérsia, Grécia, Roma, China, México (época dos astecas). Presumia-se que a criança, vista como um diabinho, era pervertida por natureza e, portanto, só podia ser educada através da força bruta. Tal visão permaneceu durante séculos.  Um pregador alemão, em 1520, chegou a afirmar que as crianças tinham tendência para “adultério, fornicação, desejos impuros, lascívia, idolatria, crença na magia, hostilidade, brigas, paixões, ira, discórdia, ódio, assassinato, embriaguez, gula…”. Portanto, era mais do que natural que as pequeninas vítimas passassem pelos mais brutais castigos.

Em seu livro, “Os Anjos Bons da Natureza Humana”, o humanista canadense Steven Pinker, refere-se a uma passagem do pensador social e historiador Lloyd DeMause, relativa à vida das crianças na Idade Média:

 “Que as crianças com o diabo no corpo devem ser surradas, nem é preciso dizer. […] instrumentos de castigo para este propósito: dos chicotes de nove tiras e açoites às férulas, bengalas, hastes de ferro, feixes de varas, a disciplina (uma chibata feita de pequenas correntes), o aguilhão (em forma de faca de sapateiro, usado para espetar a criança na cabeça ou nas mãos) e instrumentos especiais para as escolas, como a palmatória, com a parte final em forma de pera e um buraco redondo para provocar bolhas. […] começavam na primeira infância, em geral tinham uma conotação erótica por serem infligidos em partes nuas do corpo, perto da genitália, e faziam parte regularmente da vida diária da criança.”. DeMause também registra que no Japão, até o século XX, as crianças:

 “eram submetidas a surras e queima de incenso na pele como punições rotineiras, clisteres constantes para um cruel adestramento dos intestinos, […] levar pontapés, ser pendurado pelos pés, tomar banhos frios, ser estrangulado, ter o corpo atravessado por uma agulha, ter uma articulação do dedo cortada, etc.”.

 Ainda, segundo pesquisas de Steven Pinker, “as crianças também estavam sujeitas a punições pelo sistema legal”. Ele relata que o escritor e pensador Samuel Johnson, em sua biografia, conta o caso de uma garotinha de sete anos que foi enforcada na Inglaterra, no século XVIII, por roubar uma anágua.  Vida difícil também tinham as crianças na Alemanha, pois de acordo com Pinker, “mesmo na virada do século XX, as crianças alemãs eram regularmente colocadas em fogão de ferro em brasa, quando se mostravam teimosas, amarradas ao pé da cama durante dias, jogadas na água fria ou na neve para endurecer, forçadas a ajoelhar durante horas todos os dias contra a parede, em um tronco, enquanto os pais comiam ou liam.”.

 Às crueldades físicas praticadas contra crianças, durante a Segunda Guerra Mundial, foram agregadas às de cunho psicológico, segundo Lloyd DeMause. Elas eram sempre lembradas de que poderiam ser deixadas pelos pais; aleijadas por ogros (ente fantástico em que se fala para meter medo em crianças, o nosso conhecido bicho-papão); judiadas por padrastos, etc.

 É sabido que desde sempre o conflito pais-filhos existiu, querendo os dois lados fazer valer suas vontades. Outrora, motivados pela ignorância, os genitores submeteram-nos a milênios de impensáveis torturas, a fim de dobrá-los à sua vontade, numa guerra parcial, em que a força física e psicológica só se encontrava de um lado. Mas as coisas começaram a mudar a partir de 1693, quando o filósofo inglês John Locke publicou um livro que trazia pensamentos sobre a educação, enfatizando que “uma criança era apenas um papel em branco, ou uma cera, a ser moldada e conformada como se queira (tábula rasa), […] e que a educação das crianças poderia fazer uma enorme diferença na humanidade.”. À visão de John Locke agregou-se, mais tarde, a de Jean-Jacques Rousseau, filósofo e escritor suíço, em 1762,  rompendo com a ideia de que as crianças eram pervertidas por natureza. Ele pôs de lado o pensamento cristão sobre o “pecado original”, substituindo-o  pela “inocência original”. Mas esse avanço foi muito lento, só começando a acelerar a partir da virada do século XIX, no Ocidente.

Fecho este artigo com o parecer de Steven Pinker:

 “A ideia de que o modo como se trata as crianças determina o tipo de adultos que elas se tornam é hoje consensual.”.

 Nota: a ilustração é um quadro do artista brasileiro Sérgio Vidal.

 Sugestão de leitura:
Meu filho, meu tesouro/ Benjamin Spock

Fonte de pesquisa
Os anjos bons da natureza humana/ Steven Pinker/ Editora Companhia das Letras

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