Autoria de Lu Dias Carvalho
(Clique na gravura para ampliá-la.)
A invenção da imprensa aconteceu em meados do século XV na Alemanha, tendo sido extremamente importante para a arte. Johannes Gutenberg — inventor, gravador e gráfico do Sacro Império Romano-Germânico — ao usar letras móveis reunidas num caixilho, ao invés de blocos inteiros, como acontecia antes, deu início à Revolução da Imprensa, o que acabou por se transformar no invento mais importante do segundo milênio (1º de janeiro de 1001 a 31 dezembro de 2000). Tal invento foi extraordinário para o progresso da Renascença e da Revolução Científica, ao fincar as bases materiais para o desenvolvimento da economia baseada no conhecimento e na disseminação em massa da aprendizagem — algo até então impensável.
A adequação de um texto impresso a uma impressão xilografada foi de suma importância para o desenvolvimento artístico — quando se leva em conta a arte. É por isso que inúmeros livros da segunda metade do século XV foram ilustrados com xilogravuras, apesar de essas serem bem rudimentares. Mas aos renomados artistas da época não agradava o método da xilogravura. Essa insatisfação levou-os a novas buscas. Desejavam algo capaz de mostrar seu domínio sobre os detalhes, sua capacidade de observação e que lhes possibilitasse criar efeitos mais delicados. O que fizeram, então? Ao invés de fazer uso da madeira, optaram pelo cobre.
A gravura produzida em lâmina de cobre resulta de uma técnica um pouco diferente da xilogravura. Faz-se o desbaste de tudo na lâmina — excetuando as linhas que se quer evidenciar. A ferramenta usada na gravura em cobre (ou calcográfica) recebe o nome de buril, cuja finalidade é a de riscar a lâmina de cobre. O importante é que a linha gravada na superfície do metal conservará qualquer cor ou tinta de impressão que venha a ser espalhada sobre toda a lâmina.
O processo acontece da seguinte forma: cobre-se a lâmina de cobre gravada com a tinta de impressão e depois se limpa o metal que não contiver a gravação. Ao ser apertada contra uma folha de papel, a tinta que preenche as linhas cortadas pelo buril faz a impressão desejada. O interessante nos dois processos (xilográfico e calcográfico) é que a calcogravura é um negativo da xilogravura, pois, enquanto um processo deixa as linhas em relevo, o outro vinca as linhas na lâmina, ou seja, faz sulcos.
Os artistas atingiram em grande parte seus objetivos ao trocar a madeira pelo cobre, embora não fosse fácil manipular o buril com firmeza e controlar a profundidade dos sulcos abertos no metal. Ao dominarem essa técnica, eles foram capazes de conseguir um número maior de detalhes e efeitos bem mais graciosos em suas obras.
O gravador e pintor alemão Martin Schongauer (c. 1450–1491) era filho de um ourives. Formou-se provavelmente na oficina de Caspar Isenmann, pertencente à cidade de Colmar. Sua obra como pintor foi muito pouco documentada, ao contrário da de gravador, cujo trabalho levava E. S. como monograma. Através de suas famosas gravuras em cobre e de seus desenhos, assim como de seus retábulos, ele exerceu grande influência no Gótico tardio na Alemanha. Tornou-se um dos mais fenomenais mestres gravadores do século XV. Sua gravura intitulada “A Santa Noite” apresenta uma cena natalina, interpretada de acordo com o espírito dos notáveis mestres holandeses.
É incrível como Schongauer, sem a ajuda de pincel e cor e sem o uso de óleo, tenha criado uma obra tão magnífica como a que vemos acima, capaz de transmitir os mínimos detalhes. Ela chama a atenção pelo modo como o gravador caracteriza pedras, ladrilhos quebrados, flores nas brechas, a hera que sobe pela abóbada, o pelo dos animais e os cabelos e a barba dos pastores. É impossível não admirar a paciência e a perícia artesanal do artista.
Na obra de Schongauer a Virgem encontra-se ajoelhada dentro de uma capela em ruínas — usada como estábulo — diante de seu Menino deitado sobre uma parte de seu imenso manto. São José empunha uma lanterna e olha com ternura e preocupação para a mãe de Jesus. O boi e o burro — símbolos tradicionais — ali também se encontram. Humildes pastores são vistos no limiar de uma das entradas. Mais distante, ao fundo, um deles é visto recebendo a mensagem do anjo. No canto superior direito é possível notar parte de um coro celestial a cantar “Paz na Terra”.
O artista tinha razões para escolher como cenário uma capela em ruínas, pois isso lhe possibilitou emoldurar a cena com as peças quebradas de alvenaria, responsáveis por formar a abertura que permite que o observador veja a cena. Também lhe foi possível colocar uma parede escura atrás dos principais personagens, não deixando vazia ou sem graça nenhuma parte da gravura. Se forem traçadas duas diagonais ligando os vértices da gravura, nota-se que elas se encontram exatamente na cabeça de Maria, formando o centro da composição, o que prova que Schongauer projetou sua criação com o máximo de cuidado, criando uma obra-prima.
Tanto a arte da gravura como a da estampa calcográfica não tardaram a alastrar-se por toda a Europa. Na Itália podemos apreciar gravuras à maneira de Mantegna e Botticelli, assim como as dos Países Baixos e França. Mesmo os mestres mais humildes usaram as gravuras como cadernos de modelos, aos quais buscavam como fonte de consulta. É fato que a impressão de imagens foi também responsável pelo apogeu da Renascença italiana e no resto da Europa, tornando-se um importante elemento que deu fim à arte medieval do norte europeu, levando os artistas dessa região a buscar novos caminhos.
Exercício
1. Como surgiu o processo calcográfico?
2. Qual foi a importância desse processo para a história da arte?
3. Martin Schongauer – A ADORAÇÃO DOS PASTORES
Ilustração: 1. A Santa Noite, c. 1470, obra de Martin Schongauer
Fonte de pesquisa
A História da Arte / Prof. E. H. Gombrich
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Lu
Vimos aqui a busca constante dos artistas no intuito de melhorar e aperfeiçoar a sua arte. O artista Schongauer buscou o aprimoramento com metal, usando novas técnicas, vencendo as dificuldades da época. Um trabalho primoroso e muito belo em seu acabamento, que se expandiu entre outros artistas de outros lugares.
Marinalva
O trabalho de Schongauer no cobre é mesmo muito bonito. Fico pensando na paciência de artistas como ele, ao comporem obras tão delicadas. É realmente um trabalho de ourives.
Abraços,
Lu
Lu
Além da profundidade, as linhas e arcos colocam os personagens na percepção correta de sua importância no campo visual, o que dá uma valorização especial à obra. É interessante notar como os diferentes estilos de época são utilizados para criar o novo.
Antônio
A arte se traduz num contínuo aperfeiçoamento do antigo que vai originar o novo. Um estilo não nasce do nada, mas, sim, arvora-se nos conhecimentos do passado para dar vida a outro.
Abraços,
Lu
Lu
O trabalho no cobre exigia que o artista tivesse muita destreza na mão, uma vez que o buril não era fácil de ser manipulado. O trabalho mostrado de Schongauer é muito bonito e prova que ele foi um grande mestre.
Moacyr
A nova descoberta que trocava a madeira pelo cobre foi responsável por apresentar criações com um nível primoroso de acabamento. E não resta dúvidas de que Schongauer foi um dos grandes mestres da nova técnica que se estendeu por toda a Europa da época.
Abraços,
Lu
Lu
Este texto revela como o período renascentista foi importante para o desenvolvimento da civilizacional humana. Não se restringiu apenas às técnicas artísticas e suas variadas modalidades, desenvolveu também a construção de mecanismos fundamentais para a expansão das artes e comunicação entre os povos.
A xilogravura já revolucionou com a possibilidade de desenvolver réplicas com fidelidade aprimorada e o surgimento da calcografia melhorou ainda mais o acabamento dos trabalhos artísticos em virtude de ser uma técnica mais precisa do que aquela feita em madeira. Na calcografia a impressão, feita no cobre, é sem sombra de dúvida muito difícil na sua execução, mas os trabalhos são capazes de alcançar detalhes bem acentuados e perfeitos.
Hernando
O Renascimento foi realmente o despertar de uma nova era para a humanidade. Grandes inventos, como o da impressão, foram fundamentais para todo tipo de avanço, deixando para trás muitas das superstições e o negacionismo presente na Idade Medieval. O mais interessante é notar que o artista, assim como o cientista, não se acomoda, está sempre em busca de algo inusitado, criativo, como aconteceu com a calcografia que começou sendo feita no cobre, mas que também pode ser processada em outros tipos de metais.
Abraços,
Lu