BIPOLARIDADE X BODERLINE

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Autoria de Melissa Silva

Sou sozinha, tornei-me antissocial em razão dos problemas que carrego. Procurei no Google sobre “marido bipolar” e encontrei este site. Eu sou borderline e meu marido é bipolar. Os meus pensamentos, ao escrever, fogem um pouco e talvez esteja meio desconexo o texto, espero que entendam.

No início do namoro foi tudo muito impulsivo e apaixonante. Nenhum dos dois nada sabia sobre esse amor tóxico. Seu pai morava em Londres, achou uma oportunidade de emprego boa para nós e fomos para Camden. Tudo era lindo até a primeira briga, quando ele quebrou alguns móveis. Relevei. Depois teve um devaneio. Já que trabalhamos com internet, e nada impede o local físico de trabalho, fomos para Liberec. Maravilha! Foi lindo. Foi horrível também. Pouco antes da pandemia explodir, voltamos para o Brasil.

Em 2010 fui a um psiquiatra. O tratamento à base de clonazepam durou um bom tempo. Respondia bem, aí meu marido achou melhor diminuir a dose e parar. Em 2015 a depressão chegou e novamente fui a outro psiquiatra, desta vez diagnosticada com Transtorno Borderline devido a outros sintomas e histórico. Novo tratamento, tudo à risca e anotado em um bloco de papel os horários do medicamento. Conseguia executar as tarefas domésticas e ainda trabalhar com ânimo na empresa. Tudo correndo perfeitamente. Mas nada dura muito. Os psicotrópicos me maltratam, amortecem o corpo e dão alucinações.

Meu marido acha melhor parar com o tratamento. Diz que passeios, sol, foco e carinho são a cura. Desisti. Mas permaneço centrada e atualmente as crises são poucas, mas quando chegam são severas. Eu tentei de todas as formas voltar ao psiquiatra e fazer o tratamento até me estabilizar. Ele me bloqueia, dizendo que eu não tenho nada e médicos são comerciantes. Minha família acha que ele cuida de mim e “tá tudo certo”, pois sempre fui assim, segundo ela. Todas as vezes em que eu tento retornar ao tratamento, esse funciona por meses e logo após tudo vira uma bagunça e ele me impede de prosseguir. Eu aceito, pois acho melhor parar a virar um inferno. Ele não acha que preciso medicação, pois tudo é uma cura pela natureza e preciso somente de água, luz solar e ocupar minha cabeça para não deixar minha doença me atacar. Eu caio na dele novamente e entre surtos me machuco.

O meu marido sofre de bipolaridade desde jovem, mas não aceita medicação nem terapia. Diz que não existe transtorno mental, que é invenção para os médicos “roubarem” dinheiro, puro comércio. A família dele em seu último surto alegou que ele não tem nada e fui eu quem o droguei com alguma medicação minha, resultando daí o “show da bipolaridade”. Em certas crises ele se torna compulsivo e deslumbrado. Realiza compras, faz planos, vemos apartamentos fora de nosso Estado como a chance para uma nova vida. Eu me iludo, entro na dele e pesquiso, faço compras e idealizo diversas coisas. De repente tudo muda. As compras já não fazem mais sentido e ficam entulhando cantos da casa, os apartamentos pesquisados viram lixo eletrônico no computador. Quantas vezes planejamos as coisas e de véspera ele cancela tudo, dizendo que não dará certo, ou que não é o momento. Quantos empregos desistidos. Se não fosse o meu salário não teríamos mais nada.

O relacionamento já não presta mais e o sexo é raro. Tudo muda da água pro vinho. Juras de amor tornam-se brigas. Abro o celular ou notebook dele, geralmente encontro pornografia escancarada ou conversas com mulheres aleatórias de chats de relacionamento. Mas o sexo não existe entre nós. Como sou borderline, isso é uma linha tênue. Nosso casamento é tóxico. Há dias em que ele me diz que sou a mulher mais linda do mundo, noutro a pornografia toma conta de seu computador e sou um lixo. Mas eu insisto em levar nosso casamento para a frente. Quando ele surta, fica jogado na cama vendo TV a semana toda, ou faz compras e planejamentos fantásticos. Quando surto, fico louca, gritando e esbravejando, quebrando as coisas. Como viver assim?

Filhos é impossível devido a minha condição e a falta de libido dele. É um devaneio após outro. Eu mergulho em seus planos e assim vivemos, mas depois tudo muda. É uma montanha russa. Separação? Improvável, morreremos assim. Inúmeros papéis de advogados desfeitos ou rasgados na minha frente. Assinados, depois cancelados. Viagens e passaportes rasgados. Apartamentos com a obra pela metade, depois vendidos por não conseguir morar na própria obra.  Ofertas em trabalhos de multinacionais abandonados por ele dizer que “não está preparado ainda”. Nossa vida é feita de diversos percalços, devaneios, surtos, vislumbres, altos, baixos, minha agressividade, a impulsividade dele, o amor doentio, o ódio supremo.

Estou criando coragem para sumir disso tudo e viver minha vida, meu tratamento. Tenho total consciência de que se eu voltasse à terapia e à medicação eu seria “normal”. Mas tenho pena de largá-lo, pois sei que ele não consegue seguir sozinho, sua vida é uma bagunça.

Ao ler meu relato, vocês podem pensar que isso é só ficção. Quem me dera fosse. É o relato de uma mulher de 38 anos com o coração quebrado e que já não suporta mais tudo isso! Fica meu recado para que jamais se envolvam com um homem assim. E se envolver por acaso, por favor insista no tratamento, pois será impossível do contrário viver. Nunca assinem contrato compartilhado, sociedade juntos ou algo do gênero. Tudo muda no mês seguinte, quando a fase da doença mental dele muda e isso pode causar danos financeiros e emocionais seríssimos.

Ilustração: A Banheira, 1886, obra de Edgar Degas

 

8 comentaram em “BIPOLARIDADE X BODERLINE

  1. Fatima

    Melissa

    Primeiro devemos pensar em nós e depois no próximo, pois se trata da sua saúde mental. Não poderá ajudar estando doente também. Se tem a vontade de viver seu tratamento sozinha, então vai e não sinta culpa ou pena. Não devemos sentir pena porque é um sentimento de desvalia. Certamente o seu marido vai saber se virar sem você. Pior é estar nesse ciclo doentio para ambos. Aproveito para deixar aqui em breves linhas um relato de que a vida segue para ambos após a separação.

    Eu fui parte de um quadro de 12 anos de convivência com um bipolar e tivemos uma filha. A separação foi um novo início para nós três. Não foi fácil, mas conseguimos. Ele está vivendo do jeito dele e se virando, e eu e nossa filha de longe o ajudamos. Nós nos tornamos amigos e ressalto que a distância nos fez muito bem, posso cuidar da minha depressão, que se tornou crônica por anos de sofrimento e posso viver num ambiente mais saudável buscando o meu bem-estar. Cada lágrima derramada é uma nova chance pra você criar coragem. Vale a pena!

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  2. Marinalva Autor do post

    Melissa

    Eu estou torcendo para você, para que tenha suporte para fazer o seu tratamento. Não deixe que qualquer pessoa interfira, pois a vida é sua.

    Abraços,

    Marinalva

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  3. Melissa

    Pessoal

    Hoje houve outro surto. Passagens compradas pra visitar a família. Duas horas antes de partir tudo mudou em questão de segundos. Ele não quer mais ir. Dinheiro jogado no lixo. Três mil reais no lixo. Meu Deus! Disse que está perigoso pegar COVID, que não irá nunca mais. Tudo mudou do nada, foi só o tempo dele ir ao banho e voltar. E novamente eu entrei em surto e de novo o inferno se inicia. Deus, me dê forças.

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    1. Lu Dias Carvalho Autor do post

      Melissa

      Procure ficar calma. Nervosismo não resolve nada. Tente conversar com ele, falando baixinho. Sei que não é fácil, mas buscar ficar tranquila faz bem a você e a ele. Espero que tudo se resolva bem.

      Beijos,

      Lu

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  4. Renato

    Olá, Melissa!

    Eu entendo o que você passou e passa. Também fui casado com uma pessoa com bipolaridade. Vou comentar brevemente sobre duas questões que aprendi:

    – Primeiro, conviver com uma pessoa que tem bipolaridade, mas não aceita tratamento é impossível, é insano; desumano;
    – Segundo, você precisa ter pena da sua saúde mental antes de qualquer pessoa. Você tem um transtorno sério e não pode assumir problemas de uma pessoa com outro transtorno. O seu desgaste físico/mental deve ser absurdo;

    Considerando o que falei acima, repense muito bem a sua vida. Eu não tenho transtornos e sofri muito emocionalmente com uma pessoa bipolar e vi como era tóxico aquele tempo. Se a pessoa buscasse ajuda constante, a vida era outra. Eu percebia isso. Mas, como não era o caso, o melhor foi desistir.

    Resultado: estou bem mentalmente, a pessoa continuou a vida dela e parece estar se cuidando. Então, pense bem e cuide-se antes de qualquer pessoa.

    Responder
    1. Melissa

      Renato

      O surto continua. Agora o motivo foi pq eu falei que iria fazer tratamento. Ele disse que eu não sou doente e veio de novo o assunto de comércio: “Você precisa de sol,vai se lavar,tomar banho, o chuveiro cura tudo”. É isso o apoio que tenho em casa.

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  5. Lu Dias Carvalho Autor do post

    Melissa

    Conviver com um transtorno mental já é difícil, imagine com dois. A pessoa acometida de personalidade borderline é vítima de muita instabilidade emocional e hipersensibilidade, o que agrava os seus relacionamentos, sendo necessária grande compreensão daqueles que vivem ao seu redor. No seu caso, o problema agrava-se ao não contar com o apoio da família e pelo fato de ter ao lado alguém que também precisa de ajuda, mas que não a aceita e tampouco permite que você a tenha, quando sabemos que se faz necessário o tratamento com psicoterapia e principalmente com fármacos no seu caso.

    O seu marido é um negacionista no que diz respeito às doenças mentais, hoje tão conhecidas em todo o mundo. Ele nega que o cérebro humano também adoece, assim como o coração, os rins, o fígado, etc., pois é também é parte do corpo físico. Por que seria diferente? A medicina vem avançando cada vez mais neste campo. Pesquisas buscam devassar o nosso cérebro para controlar o seu mau funcionamento.

    As doenças mentais vêm tomando uma proporção cada vez maior em todo o mundo. Medicamentos novos e eficazes estão sendo lançados a cada dia no mercado, no intuito de melhorar a vida de pessoas como nós (sou depressiva crônica), minorando o nosso sofrimento, até que se descubra a cura das disfunções de nosso cérebro.

    Você não deveria jamais abandonar o tratamento. Leve sua mãe (ou alguém próximo) junto, quando for ao psiquiatra, para que ela se inteire de seu problema mental. Ouvindo da boca de um médico, talvez ela aceite o fato de que você precisa de auxílio urgentemente. Somente a medicação e a ajuda psicoterápica poderão ajudá-la a ter qualidade de vida. Fora disso, seu desequilíbrio emocional irá minando cada vez mais a sua saúde física e mental. Que o seu marido não queira se tratar é um problema que compete a ele, mas não pode interferir em seu tratamento, pois não é um especialista no assunto.

    Amiguinha, você está na flor da vida. Merece ter uma vida de qualidade, ser feliz. Procure ajuda psiquiátrica o mais rápido possível. E não se sinta só, pois terá sempre o nosso apoio. Sempre que puder, venha a este cantinho conversar conosco. Somos seus amigos e queremos vê-la bem. Conte conosco!

    Beijo no coração,

    Lu

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    1. Melissa Autor do post

      Querida Lu

      Como sempre, os posts aqui são ótimos. Eu me tornei leitora assídua do site. Obrigada por postar minha história e acredito que assim estarei “ajudando” outras pessoas de alguma forma, pois não é possível ter uma vida assim. Talvez alguém se identifique e esteja passando o mesmo.

      Eu sei que não está certo essa vida. Você ao postar meu depoimento e eu ler novamente o relato, me fez pensar que há uma luz no fim do túnel… Ainda há um fiozinho de esperança. Obrigada e seus posts ajudam muito diversas pessoas. Não sabe o bem que me fez.

      Responder

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