Autoria de Lu Dias Carvalho
É esta Medusa, a de cabelos venenosos/ com milhares de serpentes?/ Assim é; não vês talvez como move os olhos/ como os põe na mira?/ Foge, foge de sua cólera, foge de seu desdém/ pois se te atinge seu olhar,/ converter-te-á em pedra também. (Gaspare Murtola)
Conta a lenda que Medusa, uma das três irmãs Górgonas (as outras duas eram: Esteno e Euríale), petrificava com o olhar todo aquele que olhasse para ela, mas o herói Perseu usou um artifício para enganá-la. Assim que se aproximou do monstro, usou o seu escudo como espelho. Medusa, ao ver seu rosto refletido no escudo, ficou transtornada diante de tamanha aberração, lançando um grito dilacerante. Uma vez hipnotizada, Perseu cortou-lhe a cabeça com a espada de um só golpe, mas ela ainda continuou consciente. A seguir, o herói tomou a cabeça da besta mitológica e colou-a num escudo como arma, pois seu olhar serviria para transformar os inimigos em pedra.
Cabeça de Medusa ou simplesmente Medusa é uma das obras-primas do pintor italiano Caravaggio que tomou como modelo seu amigo Mario Minniti — embora digam alguns que se trata do próprio rosto do pintor — para pintar a Górgona vertendo sangue abundantemente, logo após ter a cabeça decepada por Perseu (ou Perseus), um semideus da mitologia grega, conhecido por ser fundador da mítica cidade-estado de Micenas, segundo reza o mito grego.
O retrato de Medusa era muito usado nas armaduras e nos escudos dos guerreiros dos séculos XVI e XVII, pois na mitologia grega é tida como a deusa da estratégia e da guerra justa e também da sabedoria, de modo que esta obra nasceu como um escudo de desfile. O cardeal Francesco Maria del Monte, protetor de Caravaggio, presenteou Fernando I de Medici com a obra, provavelmente para a sua coleção de armas que foi mostrada pela primeira vez em 1598, causando grande impacto nos que a viram, sendo, inclusive, comentada em versos (ver acima em negrito).
Caravaggio, inteligentemente, repassa ao observador a ilusão de que a cabeça de Medusa deixa a tela para se projetar no espaço real em que o observador encontra-se, de modo que o escudo convexo ilusoriamente transforma-se em côncavo. Tem-se a impressão de que a tela é feita em 3D. Embora o retrato da Górgona seja de origem clássica, Caravaggio recria uma nova Medusa, extremamente realista, cuja força de expressão continua impressionando quem a observa, pois sua cabeça decepada parece ganhar vida própria, com suas serpentes contorcionistas.
É provável que, para pintar a Medusa com sua expressão aterradora, o pintor italiano tenha se inspirado na expressão agonizante e aterrorizada daqueles que eram executados: olhos esbugalhados que parecem saltar das órbitas; boca ovalada, aberta e paralisada, como se soltasse um longo grito de terror; língua e dentes aparentes; testa franzida; maçãs do rosto recuadas e o sangue vivo sendo vertido abundantemente.
O que mais chama a atenção na obra Cabeça da Medusa é seu realismo: os olhos saltando da órbita, os dentes cortantes à mostra, a boca aberta e imóvel, soltando um grito silencioso e o sangue vivo jorrando de sua cabeça, não deixando qualquer dúvida sobre o mito da mulher de cabeleira de serpentes que transformava homens em pedra, só pelo olhar, mas que foi derrotada por Perseu, ao mirar o escudo espelhado e ser vítima de sua própria arma letal.
A dramaticidade encontrada nas obras de Caravaggio dá-se pelo uso da técnica do chiaroscuro em que o pintor trabalha com os contrastes de luzes e sombras, gerando um resultado bastante peculiar. Ele pintou pelo menos três telas famosas que exibem cenas de decapitação, como Judite e Holoferne, Salomé com a Cabeça de São João Batista e Davi com a Cabeça de Golias (todas presentes neste blogue). Mas foi Medusa a obra responsável por ferir a sensibilidade de muitos críticos de arte da época, sendo considerada a criação mais sangrenta do pintor.
Curiosidades:
- Medusa era — segundo a mitologia grega — uma das três górgonas, irmãs monstruosas filhas de dois deuses marinhos — Fórcis e Ceto. Além de horrível, ela ainda possuía o poder de petrificar as pessoas com seu olhar. Perseu cortou sua cabeça, de cujo sangue nasceu Pégaso — o cavalo alado. O herói também usou a cabeça da Medusa para salvar Andrômeda.
- Na Antiguidade clássica, a imagem da cabeça da Medusa aparecia no Gorgoneion — objeto utilizado para afugentar o mal.
- Caravaggio pintou duas versões da cabeça da Medusa. A primeira em 1596 e a segunda presumivelmente em 1597/15988. A primeira versão é também conhecida como Murtula, devido ao poeta que escreveu sobre ela. Foi encontrada no estúdio do pintor somente depois de sua morte.
- Na Galleria degli Uffizi, Medusa está entre as 25 obras mais importantes do palácio, onde se encontram, entre outras, a Vênus de Botticelli.
Caravaggio — considerado o maior representante do estilo barroco — foi mestre na arte de manipular o jogo de luz e sombra, o que confere um enorme grau de complexidade à sua obra. São poucos os quadros de Caravaggio que sobreviveram até os dias de hoje — 62 ao todo — e alguns deles ainda passam por avaliação de especialistas para que o período de produção e as condições em que foram realizados sejam comprovados. A obra Medusa Murtola, por exemplo, era considerada uma cópia até recentemente. Só ao fim de trabalhos que duraram 20 anos — com sofisticadas análises em infravermelho — é que sua autenticidade foi comprovada.
Ficha técnica:
Ano: 1598
Dimensões: 60 x 55 cm
Técnica: óleo sobre tela colado sobre escudo
Estilo: Barroco
Gênero: pintura mitológica
Localização: Galleria degli Uffizi, Florença, Itália
Fontes de pesquisa:
Grandes mestres da pintura/ Coleção Folha
Grandes mestres/ Abril Coleções
1000 obras-primas da pintura europeia/ Könemann
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Lu
Senti falta de mais Caravaggio na “Cabeça da Medusa”.
Antônio
Observe com mais atenção. O realismo de Caravaggio é tamanho que as cobras parecem ganhar vida própria, sem falar na expressão do rosto.
Abraços,
Lu
1958?
Leo
Obrigada pela correção.
São tantas datas, que acabei trocando a ordem dos números.
Já consertei no texto: 1598
Abraços,
Lu
Lu Dias
Tu foste visitar?
Mário Mendonça
Mário
Você anda cada vez mais sintético?… risos.
Visitar o quê?
Se foi a exposição de Caravaggio, eu fui sim.
Fiquei um longo tempo admirando tudo.
Abraços,
Lu