Autoria de Lu Dias Carvalho
Esta composição foge à regra das telas pintadas por Caravaggio, sendo um exemplo de seu estilo inicial, antes de abraçar o tenebrismo, técnica que revolucionou a arte europeia. Trata-se de uma pintura idílica e de uma representação individualista do pintor. Nela podemos perceber uma imensa paisagem, com tonalidades luminosas (bosque de carvalhos e álamos), que se estende por trás dos personagens, bem ao contrário dos fundos neutros tão comuns em suas composições. O artista ainda era muito jovem, quando fez esta pintura.
A Sagrada Família é composta por pessoas simples. A pintura é feita com cores fortes e claras, com pouco uso da sombra e com uma atenção esmerada aos detalhes de superfície, principalmente em se tratando das asas do anjo. Caravaggio fez uso da figura alada com o intuito de dividir a composição em duas partes. O anjo sereno e sensível encontra-se no centro do grupo.
O conjunto de figuras insere-se dentro de um retângulo, com o anjo ao meio, tornando o lado esquerdo da composição ligeiramente desequilibrado. Ao abrir mão dos personagens representados com meio corpo, ou isoladamente, Caravaggio apresenta uma cena sacra com maior complexidade.
A Virgem, que ocupa o lado mais bonito da paisagem com o céu acima, não tem cabelos claros ou dourados, como aparece tradicionalmente, mas é ruiva, com os seus cabelos avermelhados presos em forma de trança. Ela encosta a sua cabeça sobre a cabecinha do filho ainda bebê, que dorme profundamente, expressando o seu cansaço. O pintor quebra aqui mais um paradigma da época, ao mostrar a exaustão da Madona, pois um ser divinal jamais apresenta cansaço, atitude extremamente humana.
São José é um velho camponês de pés descalços, usando roupas de tons da terra. À sua direita, no chão, encontra-se uma garrafa de vinho, próxima a uma trouxa. Atitude inimaginável para um santo, à época. Mostra-se envelhecido e cansado. Atrás dele está o burro, quase imperceptível, ao se misturar com a folhagem marrom. O animal serve de transporte para ele e sua família na fuga para o Egito, pois Herodes planeja matar seu filho recém-nascido. O terreno onde São José pisa é pedregoso, de modo que ele descansa um pé sobre o outro, para diminuir o desconforto que sente. Observem a perfeição da embalagem da garrafa.
O anjo ruivo e seminu, coberto ligeiramente por um manto branco e de costas para o observador, acompanha a partitura que São José segura, tocando seu violino. O jovem modelo é o mesmo que posou em O Trapaceiro. A música apresentada na partitura é legível e reproduz um motete que homenageia a Virgem. Não existe precedente para um anjo tocando violino na história bíblica ou no simbolismo artístico passado, sendo aqui uma invenção do artista. Ao colocar São José segurando a partitura, Caravaggio trouxe graça e leveza para a composição. Observem que o anjo apresenta-se nu frontal para São José.
O Descanso na Fuga para o Egito é considerada a primeira tela complexa da história da obra religiosa de Caravaggio. O quadro foi realizado pelo pintor nos seus primeiros anos em Roma. É uma composição grandiosa, tanto pelo tema como por apresentar os personagens de corpo inteiro e pela inovação iconográfica do anjo músico, com suas grandes asas pretas.
Curiosidades:
- Ana Bianchini, uma prostituta amiga do pintor, presente como modelo em Madalena Arrependida serve de modelo para a Madona.
- A música que José detém em suas mãos foi escrita por Noel Bauldewijn em honra de Maria: Quam pulchra es, “Como você é linda”, baseada em um verso do Cântico dos Cânticos.
Ficha técnica:
Artista: Michelangelo Merisi da Caravaggio
Título: Repouso na fuga para o Egito
Data: 1596-7
Técnica: Óleo sobre tela
Dimensões: 133,5 x 166,5 cm
Localização: Galleria Doria-Pamphili – Roma
Fontes de pesquisa:
Grandes mestres da pintura/ Coleção Folha
Grandes mestres/ Abril Coleções
1000 obras-primas da pintura europeia/ Könemann
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