Arquivo da categoria: História da Humanidade

Esta categoria tem por objetivo mostrar aspectos e costumes sociais da vida humana em tempos idos.

OS SACRIFÍCIOS NO IMP. ROMANO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O ponto chave do culto pagão era o sacrifício de animais que, depois de imolados, eram cozidos no altar do templo. Isso pode nos causar surpresa hoje, mas, naqueles tempos, os grandes templos eram dotados de cozinhas e de cozinheiros. Sempre que o fiel ia fazer um sacrifício a um de seus deuses, ele contava com tais serviços. E aos presentes à solenidade sacrificial cabia a honra de comer a carne da inocente vítima, enquanto aos deuses era ofertada a fumaça do cozimento. Depois de saciados, os comensais deixavam os restos sobre o altar, para que os mendigos também desfrutassem do sacrifício, ainda que, muitas vezes, lambessem apenas os ossos. E aos veneráveis sacerdotes, como forma de pagamento, era dada uma parte do corpo do animal sacrificado. Esses, por sua vez, vendiam a carne aos açougueiros, obtendo uma remuneração para o templo.

Os sacrifícios aos deuses eram também feitos nas casas ricas. Na maioria das vezes era impossível estabelecer os limites entre “comer o animal imolado” ou “imolar aos deuses um animal que se desejava comer”. É de supor-se que a segunda premissa fosse a mais rotineira, uma vez que o ato de comer desmedidamente era próprio daquela civilização, para quem o banquete tinha a mesma importância que a vida nos salões do século XVIII. Tanto é que a casa do rico, onde se fazia muitos sacrifícios aos deuses, era tida como um lugar “onde se come bem”, e seu dono tido como um “grande anfitrião”. Os amigos eram sempre convidados a participar do sacrifício, que terminava em festiva comilança. Por isso, receber um convite para um sacrifício era uma honra desmedida.

No primeiro dia de cada mês, os romanos ricos faziam oferendas aos “gênios protetores” da casa, sacrificando-lhes um leitão. O pai de família também tinha o seu “gênio protetor”, que funcionava como se fosse o lado divino da pessoa, parecido com o que se chama hoje de “anjo da guarda”. Mas a esse não se pedia proteção, dizia-se apenas: “Que meu gênio me proteja!”, ou, quando se queria jurar por algo sagrado, o ajuramentado proclamava: “Juro por teu gênio protetor que…!”. Tal divindade era prestigiada no dia do aniversário de seu dublê. E lá vinham mais sacrifícios e banquetes.

Em meio a tantas ofertas solenes às divindades, como é que ficava a gentalha? Seria ela banida da consideração dos deuses? Claro que não! Cada um só pode dar o que tem. Em assim sendo, os pobres também faziam seus sacrifícios, nem que fosse ofertando uma ave doméstica ou um bolo de trigo, pois eram imensamente mais precisados da benquerença dos seres divinos do que os endinheirados.  O animalzinho era conduzido ao templo, sacrificado, mas levado para ser comido em casa. Os pouco favorecidos não tinham como deixar o resto do sacrifício, ou pagar o sacerdote com um naco dele. A oferenda também podia ser feita num altar doméstico, saindo muito mais em conta para o ofertante.

Os deuses também eram convidados para as refeições, a fim de santificá-las. As estatuetas eram retiradas de seus nichos e postadas na sala de refeições, ao lado dos comensais. Diante dos estatuados eram colocados saborosos pratos, enquanto as pessoas comiam ao lado. Mas quem realmente se comprazia com tal santificação eram os escravos, pois os deuses nem “tocavam” na comida, contentando-se apenas com o cheiro, cabendo aos servos, após o término do jantar, comer os alimentos “deixados” pelas cultuadas divindades.  A festança era tão boa, que o filósofo e poeta romano Horácio Flaco deixou escrito:

 “Ó noites, ó jantares de deuses em que meus amigos e eu comemos diante do gênio da casa e alimento com pratos consagrados meus escravos incitados à alegria”.

Nota: A ilustração mostra um touro, um carneiro e um porco sendo levados para o altar do sacrifício, na primeira metade do século I. (Museu Louvre, Paris, França)

Fonte de pesquisa
História da Vida Privada I / Comp. das Letras

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O PAGANISMO NO IMP. ROMANO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O paganismo era a religião do Império Romano. O panteão greco-romano tinha deuses para todos os gostos e fins. Festa e religião formavam uma só unidade, uma vez que os homens deveriam se divertir tanto quanto seus deuses. A máxima era de que se devia viver afortunadamente, gozando todos os prazeres possíveis, pois a vida é curta. Tomando por base tal máxima fica fácil imaginar a vida da gente daquela época, principalmente a das classes mais abastadas, onde se situavam os chamados “homens livres”.

Muitos creem que os seguidores do paganismo greco-romano, religião que não se atinha ao além e nem à salvação, e na qual cada pessoa podia escolher o deus de sua própria veneração, não tivessem nenhuma conduta moral, o que não é verdade, como já foi visto em textos anteriores. Os deuses do paganismo nada tinham a ver com o “deus” dos cristãos, judeus e muçulmanos, tido como um ser absoluto, senhor de tudo. Ao contrário, os deuses greco-romanos não eram seres metafísicos, e faziam parte do mundo povoado por três raças: os animais, seres irracionais e mortais; os homens, seres racionais e mortais; e os deuses, seres racionais e imortais. Pela ordem de importância, os seres divinos vinham em primeiro lugar, logo acima dos homens e por último encontravam-se os animais.

Sendo os deuses racionais e imortais, eram superiores aos humanos, merecendo, portanto, que lhes fossem rendidas homenagens, como as feitas aos soberanos. A humanidade dessas divindades estava no fato de possuírem qualidades e defeitos. De suas incorreções podia-se rir, respeitosamente, sem que nenhum castigo recebesse o gracejador. Ria-se, por exemplo, da vida amorosa de Júpiter (Zeus), o rei dos reis, e do ciúme de sua esposa Juno (Hera). Esse humor não significava desrespeito, mas sinal de proximidade com os seres divinos. Também se podia cortar relações com um deus e eleger outro no lugar, caso a pessoa ficasse decepcionada com seu protetor, por qualquer que fosse o motivo.

Fonte de pesquisa
História da Vida Privada I / Comp. das Letras

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VOLÚPIA E PAIXÃO NO IMP. ROMANO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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 A Antiguidade não foi o paraíso da permissividade dos costumes, onde tudo era tolerado, como alguns creem. Tampouco foi o cristianismo a botar freio na devassidão. Existiam certas normas que deviam ser respeitas. Na vida greco-romana, por exemplo, era proibido:

  • fazer sexo antes do anoitecer. Somente os recém-casados podiam copular durante o dia, e mesmo assim no período imediato às núpcias;
  • copular com uma mulher nua, despojada de todas as suas vestes. Somente as mulheres, tidas como prostitutas, podiam ter relação sexual totalmente despidas;
  • acasalar-se na claridade. Ou se amava no escuro ou à meia-luz.

Até as carícias obedeciam a regras claras. Elas eram permitidas, desde que feitas com a mão esquerda, sem qualquer ajuda da direita. Um homem livre, que se considerava honesto, seguidor dos princípios estabelecidos, jamais podia ver a nudez de sua companheira. E na relação amorosa devia ser sempre ativo, estar no comando da relação, o que confirmava seu vigor físico e machismo. A ele cabia possuir e não ser possuído. Duas atitudes eram vistas como um grande dano à sua reputação:

  • usar a boca para dar prazer a uma mulher;
  • tornar-se passivo no ato sexual.

A pederastia era vista como uma atitude incorreta, mas de menor grau, se se tratasse da relação entre um homem livre e um escravo ou com um homem de baixa condição social. Isso era, inclusive, motivo de vanglória na alta sociedade. O fato de ser permitido que qualquer indivíduo pudesse obter prazer com alguém do próprio sexo fez com que a pederastia fosse bastante disseminada. Muitos homens, mesmo sendo heterossexuais, usavam meninos para o próprio prazer, sob a alegação de que a paixão por uma mulher podia transformar um homem livre em escravo, enquanto a relação sexual com um menino oferecia um deleite sereno, sem nenhum perigo. Apaixonar-se por uma mulher era um motivo de vergonha, algo anormal, que nem mesmo os poetas eróticos atreviam-se a exaltar.

As relações amorosas no Império Romano, portanto, estavam subordinadas à sujeição machista e à rejeição da escravidão passional.

Nota: A serva, por pudor, não tirou a última peça de seu vestuário. (Pompeia, casa dita do Centenário, Nápoles, Museus Arqueológico).

Fonte de pesquisa
História da Vida Privada I / Comp. das Letras

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O INFANTICÍDIO ATRAVÉS DOS TEMPOS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Como pode alguém pegar seu próprio filho e estrangulá-lo até a morte? […] Mas a resposta que emergiu de minha pesquisa indica que uma das coisas mais “naturais” em um ser humano pode ser matar voluntariamente sua descendência, quando confrontado com uma variedade de situações de tensão. (Larry Milner)

O infanticídio advém mais da dureza da vida do que da dureza do coração. (Edward Tylor)

Outrora, todas as famílias praticavam o infanticídio. Todos os Estados trazem em suas origens o sacrifício infantil. Todas as religiões principiaram com a mutilação e o assassinato de crianças. (Lloyde deMause)

A parte que cabe à mulher na reprodução da espécie humana nunca foi das mais fáceis. E quando tratamos de tal assunto referindo-nos a tempos mais remotos, mais difícil ela se mostra. O infanticídio tem estado presente em toda a história humana, conforme mostram os historiadores de nossa herança cultural. Além disso, existia também o sacrifício de crianças a deuses; a venda dos pequeninos com a finalidade de serem escravizados; o casamento e servidão religiosa; o trabalho em chaminés e túneis de carvão, as torturantes punições físicas, etc. Havia inúmeros motivos para que um bebê fosse eliminado, como por exemplo:

  • ser fruto de adultério;
  • nascer deformado ou doente;
  • não ter possibilidade de sobreviver até a maturidade;
  • ser gêmeo (aumentava os gastos) ou ser menina;
  • ter um irmão de idade bem próxima;
  • não contar com a ajuda do pai;
  • nascer numa família com dificuldades financeiras, etc.

As meninas sempre foram as maiores vítimas do infanticídio, conforme mostram as diferenças numéricas entre homens e mulheres em países como a Índia e a China, por exemplo. Pelo fato de o filho ser o amparo dos pais na velhice, enquanto a  filha passa a pertencer à família do marido, a cultura asiática, de modo geral, sempre optou pelos  meninos em detrimento das meninas.  O fato é tão absurdo que em certos países, a mulher, ao submeter-se ao teste de ultrassonografia, e constatar que carrega uma menina, poderá fazer o aborto logo que o queira, embora se diga que alguns deles estão tomando medidas para que o uso do exame de ultrassonografia só seja feito quando realmente necessário.

Segundo o escritor e humanista canadense Steven Pinker, “o infanticídio feminino (gendercídio) vem sendo documentado na China e na Índia há mais de dois mil anos.”. Na China, o método mais comum era o balde com água. As parteiras deixavam-no ao lado, onde o bebê era afogado, se fosse menina. Na Índia havia diversos métodos, tais como: fazer o bebê engolir uma pílula de tabaco ou Cannabis sativa; afogá-lo em leite; passar ópio no seio da mãe ou sumo venenoso de estramônio; colocar um emplastro feito com esterco de vaca nos lábios, antes que o bebê respirasse, etc. E as meninas sobreviventes ainda se encontravam em perigo, uma vez que os pais dedicavam toda atenção aos filhos homens, reservando-lhes a maior parte da alimentação. Enquanto os meninos eram imediatamente socorridos quando doentes, as meninas eram relegadas à própria sorte.

O infanticídio também aconteceu na Grécia e na Roma antigas, assim como na Idade Média e na Renascença europeias, onde eram mortos meninas e meninos, com prevalência das meninas. Diz Pinker que “Comumente uma família matava todas as filhas que engendrava até que viesse um menino; só então permitiam que as filhas subsequentes vivessem.”. No Ocidente, as leis tornaram-se severas quanto ao infanticídio, ainda que as mães justifiquem se encontrarem em situações difíceis para criar o bebê, ou o pai seja desconhecido, ou o casal prefira um filho a uma filha. Ainda assim, é possível encontrar recém-nascidos no lixo, principalmente por parte de mulheres que ocultaram a gravidez e pariram sozinhas. Também têm sido relatados casos de padrastos que agridem e matam  bebês, além de mães com depressão, que levam o bebê consigo, ao se matarem.

A criminalização do infanticídio no Ocidente contribui para diminuir suas estatísticas. A ideologia cristã, que sustenta que a vida pertence a Deus e somente ele poderá tirá-la, reforçou ainda mais a condenação ao mesmo. E as práticas de contracepção permitem impedir a chegada de um bebê não desejado. Mas ainda há muito a ser discutido, como o feto gerado através de um estupro, ou quando a mulher não goza de saúde para ter um bebê.

Indicação de leitura:
Coração Duro/Vida Dura – Larry Milner

Nota: imagem copiada de minutodosaber.com

Fonte de pesquisa
Os anjos bons da natureza humana/ Steven Pinker

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A ESCRAVIDÃO NEGRA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Se alguém ferir com vara seu escravo ou sua escrava, e o ferido morrer debaixo de sua mão, será punido; porém, se ele sobreviver por um ou dois dias, não será punido, porque é dinheiro seu. (Êxodo 21, 20-21)

Mulheres em haréns eram perpétuas vítimas de estupro, e os homens que as guardavam, os eunucos, tinha os testículos – ou, no caso dos eunucos negros, toda a genitália – decepados com faca e cauterizados com manteiga fervente para não morrerem de hemorragia. (Steven Pinker)

A massa da humanidade não nasceu com sela nas costas, assim como uma  maioria favorecida não nasceu de botas e esporas, pronta para cavalgar legitimamente os demais. (Thomas Jefferson)

Nos séculos XVIII e XIX, os escravos africanos eram raptados ou capturados em guerras. Eram levados para o Novo Mundo para uma servidão vitalícia, da qual raramente eles ou seus filhos conseguiam escapar. ( David Feingold)

A prática da escravidão é um cancro presente em toda a história de nossa civilização. Basta folhear as Bíblias hebraica e cristã para deparar com inúmeras passagens relativas a essa abominação. Até mesmo filósofos, como Platão e Aristóteles, julgavam-na importante para a sociedade “civilizada”. Para bom entendedor, a classe de escravos não fazia parte da sociedade “civilizada”. Inicialmente, os cativos vinham como pilhagem, recompensa de guerra, mas depois as coisas foram mudando, priorizando o trabalho barato dos indefesos. Na Idade Média, os povos eslavos foram brutalmente capturados e escravizados. E mais patético é saber que os africanos, antes de serem submetidos ao jugo dos europeus, já eram tiranizados por outros africanos, e também por Estados Islâmicos na África do Norte e no Oriente Médio, conforme afirma o escritor canadense Steven Pinker em seu livro “Os Anjos Bons da Nossa Natureza”.

A escravatura do povo africano encontra-se entre as passagens mais cruéis da história da humanidade. Vendidos por seu próprio povo, os futuros escravos eram capturados, separados de suas famílias, sem ao menos delas se despedirem, acorrentados uns aos outros e jogados nos porões fétidos e sombrios dos navios que atravessavam o oceano Atlântico. E morriam aos milhares nessas travessias. Calcula-se que somente nos porões dos navios negreiros foram mortos mais de um milhão e quinhentos mil negros. Aqueles destinados aos mercados do Oriente Médio eram obrigados a caminhar por desertos e selvas. Existe o cálculo de que, no mínimo, 17 milhões tenham morrido nessas jornadas.

Os escravos tinham um preço tão baixo no mercado, que seus senhores não se preocupavam em mantê-los vivos, por isso, muitos tombavam entorpecidos pelo excesso de trabalho e pela pouca alimentação. Mas no mercado local, milhares de outros negros chegavam para substituir os que se extinguiam. Viviam debaixo da chibata, eram estuprados, mutilados e assassinados por qualquer motivo. Não dá mesmo para acreditar, em sã consciência, que, no Ocidente, os donos de escravos fossem seguidores de um homem cujo doutrina era o pacifismo e a caridade – Jesus Cristo e, no Ocidente, fosse seguidores de um homem bom – o profeta Maomé.

A Europa, na Idade Média, passou a libertar seus escravos, levando em conta dois motivos: 1- os Estado fracos não tinham como garantir as propriedades dos senhores de escravos; 2- a servidão feudal, que se baseava na parceria agrícola, era muito mais proveitosa ao senhores feudais, que praticamente não tinham despesas, pois tributavam as pessoas que moravam em suas terras. Em vez de gastarem, eles recebiam. Mas no século XVIII, partindo de intelectuais, iniciou-se um movimento contra o escravagismo. Esse movimento cresceu tanto que pôs fim a essa mancha pérfida da história humana.

Embora tenha sido uma das nações que mais se envolveu com o tráfico de escravos, a Grã-Bretanha, que o proibiu em 1807, e em 1833 aboliu o escravagismos em todo o país e colônias, muito contribuiu para que outros países também rejeitassem o tráfico de escravos. E para isso, ela chegou a usar sanções econômica nos países escravagistas, assim como fez uso de sua Marinha Real. Por que esse país mudou tão drasticamente de postura? Alguns historiadores dizem que foi em razão de motivos humanitários. É uma pena que esses motivos tivessem demorado tanto a chegar! Quanto ao Brasil, vergonhosamente foi o último país da América Latina a abolir a escravidão, e foi também o último em que as mulheres conquistaram direitos iguais.

É triste constatar que muitos políticos e pregadores religiosos (católicos e protestantes) usaram a Bíblia para justificar a prática da escravidão negra. Deduziam tais perversos que o grande livro cristão aprovava tal comportamento. Também argumentavam que a raça africana era inferior, além de que os escravos libertos não conseguiriam viver por conta própria. Porém, “Tais racionalizações desmoronaram sob o escrutínio intelectual e moral. O argumento intelectual dizia que era indefensável permitir a uma pessoa ser dona de outra, enquanto  a repulsa moral ganhou vida com os relatos de escravos.”, segundo o escritor Steven Pinker. E uma obra de ficção denominada A Cabana do Pai Tomás (de Herriete Beecher Stowe, em 1852) ganhou o mundo e o coração das pessoas, inflamando o movimento abolicionista.

Nota: Mercado de Escravos em Roma, obra de Gerome Jean-Leon/ Dança de Escravo, obra de Dirk Valkenburg

Fonte de Pesquisa
Os Anjos Bons da Nossa Natureza/ Steven Pinker

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A VIDA DAS CRIANÇAS ATRAVÉS DOS TEMPOS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Poupe o cacete e estrague a criança. (Provérbio antigo)

Quem não faz uso da vara odeia seu filho, mas o que o ama desde cedo castiga-o. (Livro de Provérbios: 13,24)

Melhor bater em seu filho quando pequeno do que vê-lo enforcado. (Verso medieval)

Os contos de fadas de Grimm contêm apenas algumas das ameaças que podem ser encontradas na literatura infantil, referindo-se às desgraças que podem acontecer a uma criança descuidada ou desobediente. (Steven Pinker)

Respeitem a infância, e deixem a natureza atuar longamente antes de envolverem-se em agir no lugar dela. (Conselho de Rosseau aos pais)

 Os caçadores/coletores eram muito mais compassivos com seus filhos do que as sociedades que os precederam. Existem registros de espancamento infantil desde o antigo Egito, Suméria, Babilônia, Pérsia, Grécia, Roma, China, México (época dos astecas). Presumia-se que a criança, vista como um diabinho, era pervertida por natureza e, portanto, só podia ser educada através da força bruta. Tal visão permaneceu durante séculos.  Um pregador alemão, em 1520, chegou a afirmar que as crianças tinham tendência para “adultério, fornicação, desejos impuros, lascívia, idolatria, crença na magia, hostilidade, brigas, paixões, ira, discórdia, ódio, assassinato, embriaguez, gula…”. Portanto, era mais do que natural que as pequeninas vítimas passassem pelos mais brutais castigos.

Em seu livro, “Os Anjos Bons da Natureza Humana”, o humanista canadense Steven Pinker, refere-se a uma passagem do pensador social e historiador Lloyd DeMause, relativa à vida das crianças na Idade Média:

 “Que as crianças com o diabo no corpo devem ser surradas, nem é preciso dizer. […] instrumentos de castigo para este propósito: dos chicotes de nove tiras e açoites às férulas, bengalas, hastes de ferro, feixes de varas, a disciplina (uma chibata feita de pequenas correntes), o aguilhão (em forma de faca de sapateiro, usado para espetar a criança na cabeça ou nas mãos) e instrumentos especiais para as escolas, como a palmatória, com a parte final em forma de pera e um buraco redondo para provocar bolhas. […] começavam na primeira infância, em geral tinham uma conotação erótica por serem infligidos em partes nuas do corpo, perto da genitália, e faziam parte regularmente da vida diária da criança.”. DeMause também registra que no Japão, até o século XX, as crianças:

 “eram submetidas a surras e queima de incenso na pele como punições rotineiras, clisteres constantes para um cruel adestramento dos intestinos, […] levar pontapés, ser pendurado pelos pés, tomar banhos frios, ser estrangulado, ter o corpo atravessado por uma agulha, ter uma articulação do dedo cortada, etc.”.

 Ainda, segundo pesquisas de Steven Pinker, “as crianças também estavam sujeitas a punições pelo sistema legal”. Ele relata que o escritor e pensador Samuel Johnson, em sua biografia, conta o caso de uma garotinha de sete anos que foi enforcada na Inglaterra, no século XVIII, por roubar uma anágua.  Vida difícil também tinham as crianças na Alemanha, pois de acordo com Pinker, “mesmo na virada do século XX, as crianças alemãs eram regularmente colocadas em fogão de ferro em brasa, quando se mostravam teimosas, amarradas ao pé da cama durante dias, jogadas na água fria ou na neve para endurecer, forçadas a ajoelhar durante horas todos os dias contra a parede, em um tronco, enquanto os pais comiam ou liam.”.

 Às crueldades físicas praticadas contra crianças, durante a Segunda Guerra Mundial, foram agregadas às de cunho psicológico, segundo Lloyd DeMause. Elas eram sempre lembradas de que poderiam ser deixadas pelos pais; aleijadas por ogros (ente fantástico em que se fala para meter medo em crianças, o nosso conhecido bicho-papão); judiadas por padrastos, etc.

 É sabido que desde sempre o conflito pais-filhos existiu, querendo os dois lados fazer valer suas vontades. Outrora, motivados pela ignorância, os genitores submeteram-nos a milênios de impensáveis torturas, a fim de dobrá-los à sua vontade, numa guerra parcial, em que a força física e psicológica só se encontrava de um lado. Mas as coisas começaram a mudar a partir de 1693, quando o filósofo inglês John Locke publicou um livro que trazia pensamentos sobre a educação, enfatizando que “uma criança era apenas um papel em branco, ou uma cera, a ser moldada e conformada como se queira (tábula rasa), […] e que a educação das crianças poderia fazer uma enorme diferença na humanidade.”. À visão de John Locke agregou-se, mais tarde, a de Jean-Jacques Rousseau, filósofo e escritor suíço, em 1762,  rompendo com a ideia de que as crianças eram pervertidas por natureza. Ele pôs de lado o pensamento cristão sobre o “pecado original”, substituindo-o  pela “inocência original”. Mas esse avanço foi muito lento, só começando a acelerar a partir da virada do século XIX, no Ocidente.

Fecho este artigo com o parecer de Steven Pinker:

 “A ideia de que o modo como se trata as crianças determina o tipo de adultos que elas se tornam é hoje consensual.”.

 Nota: a ilustração é um quadro do artista brasileiro Sérgio Vidal.

 Sugestão de leitura:
Meu filho, meu tesouro/ Benjamin Spock

Fonte de pesquisa
Os anjos bons da natureza humana/ Steven Pinker/ Editora Companhia das Letras

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