Arquivo da categoria: Mestres da Pintura

Estudo dos grandes mestres mundiais da pintura, assim como de algumas obras dos mesmos.

Vermeer – MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A modelo delicada com seu olhar direto e os lábios entreabertos é a obra mais famosa do pintor holandês Jan Vermeer, sendo considerada como a “Mona Lisa” da arte holandesa (ou a Mona Lisa do Norte). Infelizmente nada se conhece sobre a história de tão esplêndida composição que apareceu pela primeira vez em 1881, num leilão em Haia, Holanda e transformou-se  na principal atração do Museu Mauritshuis, na cidade onde foi leiloada.

Ao olhar tão delicada composição, o observador é imediatamente cativado pela misteriosa moça com o seu turbante exótico. O tom de sua pele clara e pura é salientado pelo brilho de seu brinco de pérola. Os historiadores de arte sabem que jamais saberão com certeza quem foi a garota que inspirou o artista, servindo-lhe de modelo, embora muitos críticos de arte acreditem ser a primeira filha do pintor, Maria, que à época teria cerca de 12 a 13 anos de idade. Ela é parecida com a mesma modelo de  “A Arte da Pintura”, já estudada aqui no blogue.

É interessante saber que o turbante que Vermeer usa em sua modelo não encontra similar na pintura europeia, pois no século 17 uma garota holandesa dificilmente seria vista usando um turbante. Por isso, os estudiosos no assunto creem que o pintor encontrou sua inspiração na pintura de Michael Sweerts, denominada “Menino em um Turbante”, pintada cerca de dez anos antes de Moça com Brinco de Pérola.

Vermeer pintou a parte azul do turbante da moça com ultramarino natural, pigmento mais valioso do que o ouro à época, feito de lápis-lazúli esmagado que os contemporâneos do pintor dificilmente usavam em razão de seu preço exorbitante. Mesmo na época em que sua situação econômica era extremamente precária, Vermeer continuou fazendo uso de tal pigmento em suas pinturas, resultando num azul inigualável.

O brinco que tanto chama a atenção do observador parece uma pérola branca. Foi feito com uma mancha branca espessa de empasto, sobre a qual incidem os mesmos raios de luz que iluminam o rosto, o turbante e o colarinho branco da moça. Sua forma ovoide repassa a sensação de peso e volume, o que não aconteceria se ele fosse redondo. O fundo preto da composição não mais possui a sua cor originária. Uma análise feita na obra revelou que poderia ter sido um verde brilhante forte e profundo, destacando ainda mais a beleza da figura. A cor preta aumenta a sensação de tridimensionalidade da moça.

A modelo veste uma roupa branca por baixo, cuja gola sobressai. Por cima usa uma peça rústica de cor ocre amarela que se parece com uma capa ou uma outra peça de roupa folgada, de corte rústico, feita de tecido. Não é possível ao observador ignorar os belos olhos da modelo. Eles o acompanham onde quer que se encontre. Confira!

A pintura Moça com Brinco de Pérola foi completamente restaurada em 1994, quando deixou à vista o fantástico efeito tridimensional da figura, sua cor brilhante e detalhes dos tons da pele até então escondidos, mostrando como foram originalmente pintados. Pode-se ver, a partir de então, um diminuto lampejo de luz no canto esquerdo da boca da modelo.  Contudo, não foi possível descobrir os métodos empregados pelo artista em suas pinceladas, pois se temia que, ao aprofundar no estudo, a obra fosse danificada. Nos dias de hoje, a tecnologia permite compilar os dados e posteriormente fazer uma recriação virtual da obra.

Tomando esta obra como inspiração, o diretor britânico Petter Weber lançou em 2004,  o filme “Moça com Brinco de Pérola” que mistura drama, romance e biografia, contudo, é bom se saiba que pouco se sabe sobre a vida de Jan Vermeer e sua obra (ver biografia do pintor aqui no site). O filme em questão concorreu ao Oscar de arte nos quesitos fotografia e figurino e é uma boa pedida para quem admira esta fantástica pintura.

Sinopse do filme
Em pleno século XVII vive Griet (Scarlett Johansson), uma jovem camponesa holandesa. Devido a dificuldades financeiras, Griet é obrigada a trabalhar na casa de Johannes Vermeer (Colin Firth), um renomado pintor de sua época. Aos poucos Johannes começa a prestar atenção na jovem de apenas 17 anos, fazendo dela sua musa inspiradora para um de seus mais famosos trabalhos: a tela “Girl with a Pearl Earring”.

Ficha Técnica
Ano – 1665
Título: Moça com Brinco de Pérola
Artista: Jan Vermeer
Dimensões – 46,5 x 40 cm
Técnica – óleo sobre tela
Localização – Mauritshuis, Haia

Fonte de pesquisa:
1000 obras-primas da pintura europeia/Könemann
http://www.essentialvermeer.com/catalogue/girl_with_a_pearl_earring.html

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Mestres da Pintura – JAN VERMEER

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A característica mais notável de Vermeer é a qualidade da luz. (Théophile Thoré)

O pintor holandês Johannes van der Meer, também conhecido como  Jan Vermeer ou apenas Vermeer (1632 – 1675), embora tenha apenas 35 obras conhecidas, é tido como um dos grandes nomes da pintura holandesa, tendo sido apelidado de “a Esfinge de Delft”. Apesar de ter pertencido ao século 17, só se tornou realmente reconhecido como um grande pintor em meados do século 19. É visto hoje como o segundo pintor holandês mais importante do século 17 (período conhecido por Idade de Ouro Holandesa, devido às importantes conquistas culturais e artísticas do país nessa época), ficando aquém apenas de Rembrandt. Alguns dizem que ele nunca usou a pintura profissionalmente, pintando apenas por prazer.

Entre as poucas coisas que se conhece sobre sua vida está o fato de que vivia com parcos rendimentos, como comerciante de arte, e não pela venda dos seus quadros, sendo algumas vezes obrigado a pagar com quadros as dívidas contraídas nas lojas de comida locais. Muitas vezes os quadros de Vermeer foram vendidos com a assinatura de outro artista para que pudessem alcançar um melhor valor.

Vermeer nasceu em Delft — cidade importante pela cerâmica produzida — numa família protestante, mas acabou convertendo-se ao catolicismo, religião de sua noiva Catharina Bolnes que era de família rica. O casal teve 11 filhos (alguns dizem que foram 15) tendo que lidar com muitos problemas financeiros. Ele também foi comerciante e estalajadeiro. Após morrer muito pobre, aos 43 anos de idade, a situação da família ficou tão desesperadora que Catharina, atolada em dívidas, foi obrigada a pedir falência. E o pintor acabou sendo esquecido por um longo tempo.

O artista holandês iniciou sua carreira com pinturas históricas, retratando temas bíblicos, passando depois para cenas da vida cotidiana — normalmente uma mulher no interior de uma casa — com as quais se tornou reconhecido. Sua obra destaca-se principalmente pela harmonia das cores, luz, textura, perspectiva e transparência, além de apresentar grande precisão na composição e na representação do espaço. Vermeer gostava de pintar cenas simples do dia a dia, atestando que na pintura o tema é de importância secundária. À medida que foi amadurecendo, seu estilo foi se tornando mais suave e sutil. Possuía uma incrível capacidade de criar formas e texturas em suas composições, através do uso de camadas e misturas de tintas e seus conhecidos pontos luminosos.

O pintor trabalhava com esmero os efeitos da luz, a ponto de tornar-se muito abstrato em seus últimos anos de vida. Tanto é que, o modo como trabalhava a luz e a sombra, acabou influenciando os pintores impressionistas. Vermeer retratava a luz natural com extrema beleza, de modo que suas composições pareciam refletir luz própria.

O artista usava os famosos “pontillés” (pontinhos de tinta clara). Quanto mais distante estivesse o observador, mais persuasiva era a luz que eles pareciam emanar. Quando próximos, eram vistos como pontos espaçados. O artista tinha grande maestria no uso da luz e da sombra, utilizando poucas cores claras e brilhantes. Era um mestre na criação das cores que usava. O massicote, feito com chumbo e estanho, era responsável por seu amarelo radiante; os ocres crus e queimados forneciam seus marrons e vermelhos; e o ultramar, cor preferida do pintor, era obtido a partir de uma pedra chamada lápis-lazúli.

O historiador de arte Théophile Thoré (pseudônimo de W. Bürger), francês responsável pela “descoberta” de Vermeer em 1866, fez um ensaio sobre o artista, atribuindo-lhe 66 pinturas, número que acabou sendo reduzido por outros estudiosos para 35 a 40 obras, pois existem opiniões diversas quanto à autenticidade de alguns quadros. Mas, no início do século XX, apareceram rumores de que ainda existiriam quadros do pintor a serem descobertos.

A cronologia da obra de Vermeer é complicada pelo fato de que apenas três pinturas são datadas: A Alcoviteira (1656, Dresden, Gemäldegalerie), O Astrônomo (1668, coleção particular) e O Geógrafo (1669, Frankfurt, Städelsches). Sendo que muitas de suas obras foram atribuídas a pintores mais famosos, para elevar o valor da obra no mercado. A Alegoria da Pintura, por exemplo, foi atribuída a Pieter Hooch e Mulher Lendo uma Carta, a Rembrandt.

Após  descoberta de Vermeer no século XIX, ele se manteve sempre em alta, tendo sua vida e obra exercido grande influência sobre poetas, cineastas, escritores, pintores, etc. Apesar de pequena, sua obra ganhou a admiração dos artistas do passado e do presente, tais como Jean-François Millet, Gustave Coubert, Vincent van Gogh, Georges Seurat, Paul Cézanne, Edward Hopper, Piet Mondrian, René Magritte, Salvador Dali, Tom Hunter, etc. Os pintores surrealistas Salvador Dali e René Magritte ficaram fascinados pelos temas trabalhados por Vermeer, pelo modo meticuloso com que manuseava as tintas, pela claridade atmosférica e pela tranquilidade vistas nos seus interiores, além de sua pintura poética.

No seu tempo, Vermeer não foi levado a sério por seus compatriotas que não lhe deram nenhum destaque, apenas tardiamente, ainda que relutantes, foram obrigados a reconhecer sua genialidade.

 Nota: A Alegoria da Pintura ou A Arte da Pintura (acima) chegou a fazer parte da coleção particular de Adolf Hitler, tornando-se, em 1946, propriedade do Estado austríaco.

Ficha técnica:
Título: Alegoria da Pintura
Data: 1666 – 1667
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 120 × 100 cm
Localização: Kunsthistorisches Museum, Viena, Áustria

Fontes de pesquisa:
A história da arte/ E.H. Gombrich
1000 obras-primas/ Könemann
Grandes Pinturas/ Publifolha
Eu fui Vermeer/ Frank Wynne

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Van Eyke – O ESPELHO E AS CONTRADIÇÕES

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O espelho convexo era muito usado à época para espantar a má sorte. O encontrado na composição de Jan van Eyck — Os Esponsais dos Arnolfini — possui na sua moldura dez medalhões representando a Paixão de Cristo. Através dele é possível observar o casal de noivos pelas costas e duas outras personagens, sendo uma de vermelho e outra de azul, que certamente testemunharam a cerimônia. De acordo com a inscrição latina o pintor é uma delas.

Foi a primeira vez que se usou um espelho como recurso pictórico, sendo a ideia grandemente imitada. Para alguns estudiosos o centro de gravidade da composição encontra-se no espelho, pois é o que mais atrai a atenção do observador, como se fora um círculo mágico. A Via-sacra presente na moldura do espelho alude à fé cristã, e passa a mensagem de que a interpretação do quadro deve ser feita de acordo com os preceitos cristãos.

A perícia de Jan van Eyke como miniaturista é tamanha que no espelho redondo — mede 5,5 centímetros e cada uma das cenas da paixão que o rodeiam mede 1,5 cm — fixado na parede, no fundo do quarto, ele retrata toda a cena, como se ela estivesse ali sendo refletida. Esta belíssima pintura é trabalhada até nos mínimos detalhes: o tapete debaixo da cama e os chinelos, o rosário dependurado na parede, a escova (espanador) ao lado do leito, as frutas no parapeito da janela e numa arca logo abaixo, etc.

O espelho de vidro é o que mais chama a atenção para a riqueza do casal, pois naquela época era um objeto raro e caro, difícil de ser visto numa casa burguesa que, quando muito, usava como espelho o metal polido. Olhando por este espelho, uma nova composição apresenta-se: os noivos de costas, as vigas do teto, duas personagens que saem de uma sala e adentram no quarto, sendo que atrás deles é possível enxergar uma pequena janela.

Embora o casal apresente-se aristocraticamente vestido, alguns críticos contestam a sua nobreza, alegando que o quarto é extremamente burguês, assim como o fato de a cauda do luxuoso vestido da mulher, embora artisticamente dobrada, encontrar-se repousando sobre um assoalho de madeira. Mas não resta a menor dúvida de que o casal fosse rico. O tapete oriental, o lustre e um espelho, assim como a janela com vidros e as laranjas demonstram o luxo dos Arnolfini. Contudo, a pequenez do quarto e ainda trazendo uma cama, era próprio das famílias burguesas que na parte do dia prendiam as cortinas, soltando-as à noite.

Naquela época, somente nobres e pessoas ricas poderiam se dar ao luxo de usar tão belas vestimentas. Reparem no vestido verde da senhora Arnolfini, enfeitado com arminho e com impecáveis dobras que, por certo, exigiram a ajuda de uma costureira de gabarito. Sendo que, para andar, ela também necessitava de traquejo e que alguém segurasse a pomposa cauda, sendo que tal treinamento só era acessível nos meios aristocráticos. Por sua vez o senhor Arnolfini encontra-se coberto por uma rica capa de veludo, orlada com pele de lontra ou marta. Mas ao deixar pernas e pés em liberdade, chega-se à conclusão de que ele tinha necessidade de movimentar-se com facilidade em seu trabalho. Os seus tamancos de madeira reforçados, usados para se livrar da sujeira enquanto caminhava, também mostram que ele não fazia parte da aristocracia, pois os nobres usavam calçados delicados, uma vez que sempre andavam a cavalo ou eram levados em liteiras por seus criados.

Para o exímio pintor Jan van Eyck e seus contemporâneos, todas as coisas tinham um significado próprio e, portanto, estavam relacionadas a uma afirmação. Por isso, a sua obra é uma das primeiras pinturas realistas. Duzentos anos após a pintura de As Bodas de Arnolfini, Velazquez pintou As Meninas só que num espelho plano.

Observação
A composição mostra a passagem da arte sacra para o laico e do aristocrático para o burguês. Para mais esclarecimentos sobre a pintura, vejam também: OS ESPONSAIS DOS ARNOLFINI

 Fontes de Pesquisa:
– Os pintores mais influentes…/ Editora Girassol
– História da Arte/ E.H. Gombrich
– Tudo sobre a Arte/ Editora Sextante
– 1000 obras primas…/ Könemann
– Arte em detalhes/ Publifolha
– Los secretos de las obras de arte/ Taschen

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Van Eyke – OS ESPONSAIS DOS ARNOLFINI

Autoria de LuDiasBH
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Tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é uma terra santa. (Êxodo)

Também conhecida como As Bodas de Arnolfini ou O Casal Arnolfini esta é uma das pinturas mais famosas e mais conhecidas de Jan van Eyke e um dos seus mais admiráveis trabalhos. Acredita-se que esta obra retrate Giovanni Arnolfini, um rico mercador italiano, e sua noiva Giovanna Cenami que se estabeleceram e prosperaram na cidade de Bruges (hoje Bélgica) entre 1420 e 1472. O quadro pode ter sido encomendado para celebrar o matrimônio do casal. Os estudiosos do assunto ainda não chegaram a uma conclusão final sobre as figuras retratadas, assim como a que cerimônia a cena refere-se, mas trataremos a obra como um casamento.

Para muitos, na pintura de Jan Van Eyck não apenas está registrada uma cerimônia de casamento, como traz uma visão das obrigações inerentes ao casamento naquela época em que homem e mulher detinham diferentes deveres. Enquanto Giovanni mostra-se altivo e indiferente, sua esposa inclina a cabeça em atitude de submissão. A postura dos esposos é extremamente cerimoniosa, bem propícia à solenidade da ocasião. O casal encontra-se de pé em seu quarto. A jovem mulher coloca sua mão direita aberta, com a palma virada para cima, sobre a mão esquerda do noivo que tem a mão direita erguida para prestar o juramento do matrimônio. No casamento cristão o ajuntamento das mãos do casal faz parte do ritual da união. O gesto das mãos encontra-se quase que no centro da composição. É importante observar que a curva que elas criam é também vista no candelabro, dando uma unidade à composição.

Embora o noivo ainda se encontre de chapéu e tabardo (antigo capote de mangas e capuz) com remates de pele de marta, já não usa mais os tamancos — retirados antes de entrar na casa. Tal gesto e a presença do cãozinho são tidos como sinais de fidelidade. Também se tirava os sapatos durante uma cerimônia religiosa. Enquanto as sandálias vermelhas de Giovanna estão perto da cama — posição indicativa de seu compromisso com o lar —, os tamancos do marido estão mais próximos do mundo externo, ou seja, na saída. Na época havia uma crença de que os pés descalços em contato com o chão tornavam a mulher mais fértil.

A mulher, cuja sombra projeta-se sobre a cama do casal, representa a domesticidade. À cabeceira de uma cadeira encontra-se uma estatueta de madeira, representação de Santa Margarida com um dragão aos pés — seu atributo —, sendo ela padroeira das parturientes. Giovanna aparenta estar grávida, embora a maneira de prender a saia no alto fosse moda naquela época. A presença da estatueta da santa poderia reforçar a impressão de que ela estivesse grávida, mas estudos comprovam que o casal nunca teve filhos. A santa representada tem a seu lado uma escova (espanador), podendo ser também Santa Marta — padroeira das donas de casa — que tem o mesmo objeto como atributo.

A presença da cama simboliza a continuidade da linhagem e do sobrenome e também a consumação do matrimônio, santificado pelos sacramentos. É também o lugar em que se adentra no mundo por ocasião do nascimento e dele se sai ao morrer. O vermelho das cortinas representa a paixão. Naquela época fazia parte dos costumes das famílias abastadas botar uma cama no salão — parte da casa onde eram recebidas as visitas. Normalmente era usada como assento, mas, após o parto, era comum a mãe receber ali, ao lado de seu bebê, a visita de parentes e amigos.

Giovanna não usa um vestido de noiva branco, pois tal costume só apareceu após a metade do século XIX. O verde de seu vestido elegante e luxuoso, com punhos de arminho, representa a fertilidade. Está também adornada com um colar, vários anéis e um cinto todo brocado em ouro. O luxo da vestimenta indica que a ocasião era muito especial.  Ela pousa como grávida para dar destaque ao ventre, tido à época como a mais bela parte do corpo, assim como os seios pequenos e rígidos.

Um rosário de contas de cristal e giesta encontra-se à direita do espelho. Naquela época era um presente importante que o noivo dava à futura esposa. O cristal simbolizava a pureza, enquanto as contas evidenciavam a virtude da noiva e o compromisso de permanecer sempre devota. O rosário e a giesta referem-se às virtudes cristãs de “ora et labore” (oração e trabalho). A moldura do espelho apresenta medalhões com cena da Paixão de Cristo.

As laranjas na iconografia cristã são representativas do fruto proibido do Jardim do Éden, relembrando o pecado da luxúria, sendo que o casamento cristão santifica os instintos pecaminosos da humanidade. No contexto da composição, elas são também um sinal de prosperidade, pois só as classes ricas podiam comprar frutas importadas, o que era negado às pobres. A luz que entra pela janela é suave e circunda as formas com delicadeza. A claridade desfaz-se lentamente em uma atmosfera tangível. O marco arquitetônico e o recurso do espelho ao fundo dão uma sensação de real profundidade.  Através da janela aberta é possível ver uma sebe. O noivo encontra-se ao pé da janela, pois o homem simboliza a ligação entre o casal e o mundo exterior.

Um lustre de metal de sete braços pende do teto com uma única vela acesa. Representa a presença de Deus onipresente que testemunhou o casamento, o que tornava desnecessárias as testemunhas terrenas. O leitor deve estar se sentindo confuso com a ausência de um sacerdote, uma vez que se tratava de um casamento cristão. No século XV o casamento era o único dos sacramentos que não exigia a presença de um sacerdote ou de testemunhas. Podia ser realizado em qualquer ambiente. Eram os próprios nubentes responsáveis pelo matrimônio. Cabia aos noivos apenas a tarefa de ir à igreja juntos e, no dia seguinte, revelavam publicamente o casório. Mas nem isso era obrigatório.

 A presença de testemunhas no casamento só era necessária quando envolvia um casal com fortuna. Elas testemunhavam o contrato de casamento que dizia respeito aos bens dos cônjuges e tinha que ser assinado por duas testemunhas. Na composição o homem segura a mão da mulher com a sua mão esquerda, quando o normal seria a direita. Isso denota que a esposa vinha de classe social baixa, devendo abrir mão de seus direitos na herança. Pela presença das duas testemunhas no espelho (uma de azul e outra de vermelho) deduz-se que a pintura realmente registra uma cerimônia de casamento. Há também a hipótese de que uma das testemunhas seja um clérigo.

A presença do cãozinho quebra um pouco a sisudez da cena. É impossível não observar a maestria com que seu pelo foi pintado. Ele representa o amor simples, o bem-estar e a fidelidade. Em destaque na composição encontra-se, numa caligrafia gótica, a inscrição em latim “Johannes de Eyke fruit hic” (Jan van Eyke esteve aqui). O que nos induz a acreditar que o pintor ali se encontrava, testemunhando e registrando o ato solene que uniu o casal.

Atualmente fala-se que a cerimônia apresentada pode ter sido feita para trazer fertilidade para Giovanna, já que o casal não tivera filhos, e uma vez que esse tipo de cerimônia era muito usado naqueles tempos, com tal objetivo. Os que defendem tal corrente ancoram-se nas gárgulas sorridentes, atrás do casal, num banco. Elas simbolizariam o mal que paira sobre ele, sendo a causa do castigo pela vida adúltera que levava Giovanni Arnolfini. Elas são características do período gótico.

Esta composição de Van Eike, apesar de ter sido feita na Idade Média, quando a pintura limitava-se a uma mera representação fisionômica, encanta sobretudo pela capacidade especial na apresentação das texturas de superfície: a madeira dos tamancos e do assoalho, o corte do arminho sobre o casaco do noivo e os reflexos no espelho. O pintor trabalha na obra com uma vasta gama de tons de tinta a óleo. Cria grandes áreas de cores vivas (roupas de cama vermelhas e as vestes da mulher em verde e azul) em contraste com cores escuras. Este quadro surgiu num inventário, cem anos depois de ser pintado pelo artista.

Denotam a riqueza do casal:

  • laranjas caras e importadas;
  • tapete anatoliano luxuoso ao lado da cama;
  • opulência da mobília;
  • uso de joias;
  • roupas caras feitas de bons tecidos.

Obs.: Complete o estudo desta obra acessando: Van Eyke – O ESPELHO E AS CONTRADIÇÕES

Ficha técnica:
Artista: Jan van Eyke
Ano: 1434
Dimensões: 82 x 60 cm
Material: Óleo sobre tábua de carvalho
Localização: National Gallery, Londres

Fontes de pesquisa:
– Os pintores mais influentes…/ Editora Girassol
– História da Arte/ E.H. Gombrich
– Tudo sobre a Arte/ Editora Sextante
– 1000 obras primas…/ Könemann
– Arte em detalhes/ Publifolha
– Los secretos de las obras de arte/ Taschen

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Mestres da Pintura – JAN VAN EYCK

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O melhor que eu puder. (Jan van Eyck)

Jan van Eyck realizou a ilusão da natureza mediante a paciente adição do detalhe após detalhe, até que a totalidade da sua pintura se convertesse num espelho do mundo visível. (E. H. Gombrich)

O artista holandês Jan van Eick (1385/1390–1441) é considerado  um dos mais importantes pintores de sua época e é tido como um dos criadores da Escola Holandesa de Pintura, um representante da realidade artística do Norte. Era também irmão do pintor Hubert van Eyke. Esteve ligado à corte dos duques de Borgonha, mas trabalhou muito na região dos países baixos (hoje Bélgica). Ele atingiu o ápice do talento sobretudo na criação de retratos.

Jan van Eyck começou sua formação artística como iluminador de manuscritos, vindo pouco tempo depois a pintar painéis, fazendo uso de um estilo extremamente minucioso e elaborado, representando o mundo natural com riquíssimo detalhamento. Suas obras tinham como tema principalmente o Menino Jesus e a Virgem Maria. Ele também pintou vários retratos nos quais impressionava todos com a sua capacidade de apreender a beleza translúcida da luz e a viveza da cor. O rico simbolismo empregado em sua arte levava a presumir a acuidade de seu intelecto.

Desde os seus primeiros trabalhos Jan van Eyck mostrava algo inteiramente novo com as suas primeiras descobertas. Fazia pinturas sobre velino (pergaminho fino, preparado com a pele de animais recém-nascidos ou natimortos) ou pergaminho, que tinham por finalidade a decoração de livros. Seu trabalho variava entre iniciais e desenhos de contornos simples até imagens complexas de página inteira, folheadas a ouro. O artista recebeu a influência da Arte Gótica. Ele não idealizava a figura humana. Seus personagens eram honestamente retratados, sendo seus desenhos muito convincentes. Era também muito paciente ao pintar a natureza, reproduzindo pacientemente cada detalhe com a maior exatidão possível.

É importante lembrar que os mestres florentinos ligados ao círculo de Brunelleschi criaram um método através do qual representavam a natureza com exatidão científica. Usavam uma estrutura de linhas em perspectiva, sendo que o corpo humano era criado de acordo com os conhecimentos de anatomia que detinham e das leis da perspectiva. Van Eyck, contudo, criou a ilusão da natureza usando sua paciente adição de detalhes, o que convertia sua obra num espelho do mundo visível. Isso foi uma grande diferença entre a arte nórdica e a italiana, tendo existido por muito tempo.

Segundo o Professor E. H. Gombrich, Jan van Eyckrealizou uma receita para a preparação de tintas”, sendo a sua descoberta tão importante como a da perspectiva, constituindo algo inteiramente novo. Sua receita tratava-se da preparação de tintas, antes de elas serem espalhadas pelo painel, abrindo mão da têmpera. Ele passou a usar óleo em vez de ovo que era de secagem muito rápida, podendo assim trabalhar bem mais lentamente, o que lhe possibilitava mais tempo para os detalhes. Foram tantos os “milagres” feitos com a nova tinta que o óleo tornou-se aceito como o veículo pictórico mais adequado na pintura.

O estilo do artista apresentava uma nova concepção sobre a pintura. A figura humana passou a ser representada como um corpo existente num espaço plano e a natureza a ser criada com muita exatidão, o que acabou influenciando grandemente a arte europeia, sendo as obras de Jan van Eyck muito bem conceituadas na Itália renascentista.

Características do estilo do pintor:

  • observação minuciosa da natureza;
  • uso de detalhes meticulosos;
  • apresentação de objetos que descrevem o esplendor da corte de Borgonha no final da Idade Média;
  • uso de forte realismo;
  • reprodução fiel de roupas e interiores, criando um valioso registro de sua época;
  • uso da tinta a óleo.

Nota: O Homem com Turbante Vermelho, Jan van Eick
Esta pintura é tida por muitos com um autorretrato do artista. Não encontrei dados técnicos sobre a pintura

Fontes de Pesquisa:
– Os pintores mais influentes…/ Editora Girassol
– História da Arte/ E.H. Gombrich
– Tudo sobre a Arte/ Editora Sextante
– 1000 obras primas…/ Könemann

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Mestres da Pintura – GIOTTO DI BONDONE

Autoria de Lu Dias Carvalho

Giotto tinha uma mente tão excelente que, entre todas as coisas que a mãe natureza criou sob o reino dos céus, não havia uma que ele não tivesse reproduzido com a sua pena e estilete, e cujo trabalho não se parecesse com a aparência da coisa, mas com a própria coisa. Assim, acontecia com frequência que o sentido da visão das pessoas falhava quando era confrontado com o seu trabalho, tomando por verdadeiro o que era apenas pintado. (Giovanni Baccaccio)

A humanidade da mensagem de Giotto, a grandeza de sua visão, a convicção de suas crenças e a confiança em seu talento exibidas na Capela Arena apontaram o caminho para o futuro da pintura ocidental. (David Gariff)

O pintor e arquiteto florentino Giotto di Bondone (1267 – 1337) é tido como um dos mais importantes precursores da pintura ocidental, sendo o primeiro pintor importante a desligar-se das convenções da arte bizantina, trazendo para a arte um novo sentido de realidade tridimensional. Conta a lenda que, ainda rapaz, foi descoberto por Cimabue, enquanto desenhava as ovelhas de seu pai. Não se sabe se tal fato é verdadeiro, mas se tem como certo a informação de que ele foi discípulo do mestre Cimabue, tendo trabalhado em sua oficina, ainda que de forma independente.

Em Roma Giotto recebeu um grande incentivo da escultura gótica francesa. É quando sua obra apontou para uma ruptura com a arte bidimensional da tradição bizantina. Ele se tornou responsável pela criação de uma nova linguagem formal da arte representativa dos acontecimentos sagrados, ao mostrar suas figuras vestidas em ação, dentro de paisagens ou salas. O pintor recriou em suas obras a ilusão de profundidade em superfícies planas, como se a história sagrada estivesse acontecendo diante dos olhos do observador. A pintura sagrada deixou de ser meramente ilustrativa para trazer a sensação de realidade. As cenas passaram a enfocar o aspecto humano.

À época, os frades em seus sermões persuadiam os cristãos a visualizar a história sagrada, sempre que lessem a Bíblia. E assim também fez Giotto em sua arte, ao tentar retratar a reação dos personagens pintados de acordo com a cena religiosa em que se encontravam inseridos, como se tratasse de um quadro vivo, ou seja, ele procurava contar histórias através de suas obras e, para isso, introduzia emoção nas cenas, dando vida própria aos personagens.

Na Idade Média, a arte italiana ainda se encontrava sob o domínio da influência bizantina, com suas figuras planas (bidimensionais) e inalteráveis que seguiam rígidos padrões. É Giotto quem começa a libertá-la de tais correntes, com suas figuras naturais, expressivas e humanas que iriam pavimentar os caminhos do Renascimento. O artista imprime na arte a preocupação com o humano.

Giotto é reconhecido como um grande mestre, responsável por liderar um verdadeiro ressurgimento das artes, sendo que a pintura ocidental moderna começou com ele. Ao se afastar da rigidez do estilo bizantino, ele trouxe grandes inovações que representaram profundas mudanças. Abandonou as fórmulas, os símbolos, as convenções e os padrões repetitivos da arte bizantina e voltou-se para a natureza.  Por ser muito famoso era convidado a trabalhar em várias cidades italianas. As suas obras propiciavam beleza e glória às cidades onde trabalhava. Foi o primeiro pintor a usar o azul ultramar na pintura europeia, cor obtida através da pedra chamada lápis-lazúli, nos seus altares,  também usada nas iluminuras de manuscritos italianos do século XIV. Essa pedra era usada, sete mil anos atrás, para ornamentar os túmulos dos soberanos sumérios de Ur e também no antigo Egito, com a finalidade de decorar os sarcófagos dos faraós.

É interessante saber que naquela época, de uma maneira geral, não havia a intenção de preservar o nome dos mestres para as gerações futuras, apesar de muitos deles serem bem conhecidos. As pessoas agiam assim como nós em relação a um bom pedreiro ou eletricista. E mesmos os artistas pouco ligavam para a notoriedade futura. Muitos deles sequer assinavam seus trabalhos, haja vista o número de obras de autores desconhecidos. Giotto era muito amado pelo povo de sua cidade, de modo que havia muito interesse sobre sua vida, tornando-o cada vez mais famoso. Neste aspecto, ele também inovou, pois a partir de então os grandes artistas passaram a ser vistos e admirados de uma nova maneira.

Uma das belas obras de Giotto é o afresco Traição de Cristo, pintado no interior da Capela Arena, em Pádua/ Itália, que mostra o encontro de Cristo com Judas, numa cena dramática e carregada de grande intensidade psicológica. Giotto serviu de inspiração para Masaccio, Piero dela Francesca, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Paul Cézanne, Diego Rivera e Fernando Botero. Em seu filme O Decameron (1971), Pier Paolo Pasolini, diretor italiano, assumiu o papel de Giotto ao recriar como um quadro vivo O Juízo Final do pintor que se encontra na Capela Arena.

Obs.: A ilustração é um possível retrato do artista.

Fontes de Pesquisa
Os pintores mais influentes…/ Editora Girassol
História da Arte/ E.H. Gombrich
Tudo sobre a Arte/ Editora Sextante
1000 obras primas…/ Könemann
Gótico/ Taschen
História da arte ocidental/ Editora Rideel
Eu fui Vermeer/ Frank Wynne

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