Arquivo da categoria: Notícias do Reino

Textos humorísticos, mas reais, sobre o dia a dia do Brasil, enriquecidos com locuções e expressões da língua portuguesa.

O REINO DESPIROCADO E O PÉ DE GOIABA

Autoria de Lu Dias Carvalho

O reino anda cada vez mais despirocado. Seus súditos dividem-se em inusitados segmentos: os que negam terminantemente o iminente dilúvio; aqueles que, como o incrédulo São Tomé, só acreditam se botarem a mão na ferida; os que espumam de raiva ao ver tanta danação, mas tocam o barco para frente; e aqueles que, cansados de tanta desgraça, querem mesmo é que a vaca vá para o brejo de uma vez por todas, pois não veem nenhuma folhinha verde no bico da pomba. No meio desta chinfrinada toda, desta lambança incontida e deste flagelo aterrador, resta aos crédulos (não aos falsos profetas que trazem um olho na Bíblia e outro na bufunfa e no poder) pedir ao Todo Poderoso que tenha piedade deste reino abilolado que caminha vorazmente para o buraco negro – não o de Powehi*. Nem mesmo os 207 pesquisadores ao redor do mundo – num hercúleo esforço científico – serão capazes de conter a sucção destas terras pelo caos, se nada for feito urgentemente.

Apenas para que o leitor de outros reinos tenha um faniquito de noção do nonsense que por estas bandas ocorre, a “piroca” – que no dicionário reinante significa “pênis” – comanda as manchetes da mídia nacional há um bom tempo. Como se isso só não bastasse, até o Nhonho (personagem mexicano) entrou na mangoça para jogar pimenta na esculhambação. Contudo, não se pode negar o vasto conhecimento de anatomia do guru do reino  (responsável pela escolha de nomes para o “alto” escalão que na verdade é mais rasteiro do que maxixe em solo arenoso) ao articular “cu + piroca”, tendo como cenário uma mesa da Câmara Federal daquelas terras. Maroto como é, o tal guru/filósofo tratou logo de tirar o seu da reta. No dos vassalos, sim, mas no seu – alto lá! – sujeito algum iria colocar a “piroca”, ainda que fosse a de um figurão. Indaga-se o porquê de ele estar tão preocupado com as “pirolas” reinantes, uma vez que vive nas terras do Tio Sam, onde essas parecem mais reservadas – presas com  zíperes e botões.

Embora os crédulos clamem pela ajuda divina, uma dama duplamente ministerial jura por todos os profetas idos e vindos que viu o Mestre Jesus debaixo de um pé de goiabeira. Presume-se que em razão do status da digníssima senhora seja lhe permitida tal deferência que, se relatada pelos mortais comuns, seria tida como alucinação, desvairamento ou até mesmo como infâmia ou torpeza pelo uso do nome do Senhor em vão, a fim de obter ganhos pessoais, pois assim diz o livro dos cristãos: “Não tomarás em vão o nome do Senhor teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão.” Êxodo 20:7.  O fato é que, como neste reino tudo pode suceder, uma grande parte dos súditos dá o dito por desdito, fazendo ouvidos moucos, enquanto a outra prefere testemunhar como verossímil tal proeza divina. Mas no fundo todos os tupiniquins – com goiabeira ou não – continuam mais assustados do que cachorro viajando em canoa.

O palanfrório de outra ministra do reino é tão destrambelhado quanto a logorreia do rei. Segundo a distinta, os vassalos não passam fome “porque nós temos mangas na cidade”. Até parece que este reino prospera em meio a um mangueiral da moléstia, bastando baixar o traseiro debaixo de uma mangueira para matar a esgana. O que os súditos esfaimados querem mesmo é saber em que reino essa “otoridade” mora, pois sabem que as poucas mangueiras que nas ruas floram, nem mesmo chegam à adolescência, morrendo ainda bebês, tanto são as pedradas e cutucadas que recebem, a fim de matar a fome dos molecotes que vivem ao deus dará. Há muita manga, sim, dona ministra, mas nos supermercados e a um preço abusivo. A senhora anda escorregando na casca da manga do bom senso, enquanto a barriga de grande parte dos súditos deste reino ronca faminta.

*Nome dado ao buraco negro descoberto por uma equipe de astrônomos. Significa na língua havaiana “bela fonte escura de criação interminável”.

Nota: imagem copiada de Epoch Times

O REI TUPINIQUIM, SEU GURU E O GRUPO “C”

Autoria de LuDiasBH

O reino anda cada vez mais de joelhos, principalmente após a ida do rei ao império do Tio Sam. O soberano babou tanto na gravata do poderoso magnata das bandas de lá que seus súditos acharam que ele colocou seu próprio reino na bacia das almas. Mesmo os conterrâneos afixados naquelas terras – e também responsáveis por levar o rei ao poder – sentiram-se muito ofendidos com as bravatas de seu monarca e com o asco que mostrou sentir por seus vassalos que ali ralam até 15 horas diárias para ganhar o pão que o diabo amassou. O acompanhante e príncipe real – num ataque de grandeza e prepotência -, excessivamente embevecido com o fato de desfilar ao lado do pai pelo tapete vermelho do salão do poderoso rei topetudo, chamou seus compatriotas – ali residentes – de “vergonha”, deixando-os em maus lencóis. O moçoilo encontrava-se literalmente deslumbrado, arrebatado, encachaçado pela riqueza e poder daquele reino. Melhor faria por sua gente se tivesse botado a boca no saco.

Deixando de lado os salamaleques e rapapés do rei, príncipe e staff para com o soberano topetudo das bandas de lá – sem falar na entrega de riquezas – o que fez mesmo com que as gentes de cá botassem a mão na cabeça foi o chamego do rei tupiniquim com o seu astrólogo e mentor que há muito vem caindo de pau nos dirigentes militares do reino subdesenvolvido – certo grupo “C”, segundo ele. Se o desmiolado já não tinha papas na língua, o contato com seu rei deu-lhe garantias para destravá-la por inteiro, botando fogo na canjica. Assim, o aluado senhor dos astros chamou o general – segunda autoridade do reino – de “cara de idiota”, deixando seus conterrâneos pasmos com sua audácia. O cabeça de arroz – imbuído de ares de embaixador – julgava-se um verdadeiro Barão do Rio Branco, principalmente depois de ficar a tiracolo de seu rei – a quem jurava ter colocado no trono – nas terras do Tio Sam. Chegou até mesmo a receber um brinde de seu monarca tupiniquim que lhe encheu a bola – “… ao líder da revolução liberal no Brasil!”. Que cagada federal!

Os vassalos do reino tupiniquim acompanhavam cabisbaixos e nauseabundos a submissão de seu rei ao monarca topetudo. Matutavam um velho ditado muito conhecido em suas terras que ensinava que “Quem muito se abaixa, mostra a bunda”. Era exatamente isso o que acontecia. O rei não estava sem roupa – ao contrário, encontrava-se finamente vestido -, como conta uma antiga história, mas mostrava a bunda para o topetudo e seu staff – ainda que não literalmente. Aquilo fazia até lagosta corar de vergonha. Será que os dirigentes do reino tupiniquim não tinham um pingo de vergonha na cara? A bem da verdade, não! Estavam por demais enfeitiçados, babosos, coiós e embeiçados com o reino visitado. O vexame era constrangedor! As manchetes da mídia nacional e estrangeira estampavam a falta de decoro e amor próprio. Enquanto isso, o monarca topetudo cantava de sereia, a fim de retirar do reino “sem colhão” a última gota de sêmem, digo, vergonha. Nesse casamento de ocasião, a noiva tupiniquim não ganhou dote algum. Voltou desvirginada, com uma mão na frente e outra atrás – para vergonha de todos e pobreza do reino.

E o grupo “C”? Eis um questionamento que esta repórter também se faz. Através de sua capacidade observativa, ela conclui que existe algo escondido atrás da aparente calma da segunda autoridade real, diante daquilo que faria qualquer ser humano escumar de raiva. Por se tratar de uma pessoa circunspeta e respeitável aos olhos do reino, sua aparente indiferença esconde algo prestes a vir à tona. Ninguém em sã consciência – e muito menos uma autoridade pública – aceita tanta zombaria e esculacho, ainda que vindos de alguém tão patético, mas que não deixa de ser uma cascavel de vereda, sem nenhum compromisso com a ética, a respeitabilidade e o bom senso. O seu contato íntimo com o rei que não o chama à responsabilidade – ainda que tal sujeito meta o pau no segundo homem de seu reino – somente avoluma o seu desregramento, como se aureolado se encontrasse, acima do bem e do mal. Se esta minha conclusão for vã, não estando o general nem aí para as malquerências do desmiolado e seus seguidores, vendo-o apenas como um “desequilibrado”, devo dizer que o reino encontra-se destrambelhado – com um cego guiando outro cego – enquanto o povo chama urubu de meu louro e cospe marimbondo, só lhe restando clamar aos céus para que envie o dilúvio o mais rápido possível.

Nota:
imagem copiada de Pinterest.

O MEC ESTÁ SUJO DE COCÔ

Autoria de Lu Dias Carvalho

Ainda que os sábios queimassem seus miolos matutando, não conseguiam entender o porquê de o rei ter repassado a pasta mais importante de seus domínios – Ministério da Educação – a um estrangeiro que ali chegara há algum tempo, pois ela dizia respeito ao presente e ao futuro de todos os nobres e vassalos. O mais triste era saber que o detentor de tão prestigioso cargo nem ao menos falava corretamente a língua local. Se um teste rudimentar fosse aplicado ao sujeito, haveria de tropeçar feio nas palavras que as crianças do reino aprendiam quando ainda balbuciavam. O tal sujeito travava uma briga de foice com as vogais abertas e fechadas – bem diferentes do “hablar” de sua língua natal.

Corria a boca pequena que o responsável por nomear o titular daquela pasta era certo astrólogo responsável por prever e proteger o dia a dia da família real. E, como é sabido, quando falta sabedoria aos governantes os astros são logo chamados para resolver suas quizilas. Portanto, na sua incapacidade de gerir o reino, o rei achou por bem atender ao pedido de seu astrólogo, pois diz o horóscopo que não se brinca com um mandachuva dos astros. Está aí a história da bela Calisto, filha de Licaon (um doidivanas convertido em lobo), transformada na Constelação da Ursa Maior, que não me deixa mentir. Já pensaram no fato de o rei ser transformado em Ogle-TR-56b, vivendo a cinco mil anos-luz de seu reino e, sobretudo, de seu adorado clã?

O monarca, portanto,  não apenas colocou o sugerido titular da Educação no posto almejado, como também os chegados ao seu mentor, pouco lhe importando a cara de poucos amigos de grande parte de seus vassalos que via naquilo um despautério. Eles que fossem pentear macacos. Melhor seria – pensou sua majestade – estar protegido por todos os agrupamentos de estrelas que voejavam em torno do mestre que o defendia com unhas e dentes, pouco lhe importando o teor de suas ações. Assim, os dois continuavam a beber no mesmo copo.

Pobre rei (embora alguns digam “Bem feito!”)! Certo de ter agradado o seu guru e, portanto, sem nada a temer quanto ao seu futuro – uma vez que todos os percalços eram retirados da frente de suas confortáveis chinelas – seguia avante, apesar dos tropeções que apenas o desequilibravam, mas sem lhe causar maiores transtornos – deixando seus opositores boquiabertos. O monarca não sabia – ou bancava o avestruz –  que seu conselheiro era um homem destrambelhado, incapaz de baixar o topete. Se alguma compostura tivesse, seria provavelmente no trato com os astros que povoavam a Via Láctea – e olhe lá!

Deixando os finalmentes de lado, vamos aos fatos. O  dito guru nem precisou de disse me disse para baixar o nível, certo que estava de encontrar-se na barra do manto do rei. Ainda que não fosse barba a barba, mandou o seu “não” mais protegido ministro enfiar o Ministério da Educação no próprio cu – não, não se trata de cu do mundo ou do cu da mãe joana, mas daquele esfíncter tão necessário ao corpo humano na  eliminação excrementos. Se tal ministério já andava sujo igual a pau de galinheiro com tanta brigalhada, transformado num perfeito balaio de gato, passou a andar todo enlameado de cocô de gente graúda. A léguas de distância era possível – ainda que o olfato não fosse perfeito – sentir o fedor!

O mal cheiroso Ministério da Educação não causou nadica de nada de contragosto aos súditos do reino. Ao contrário, eles acharam que eram justamente ali que deveria estar seu titular estrangeiro que havia baixado a ripa neles, chamando-os de “ladrões vorazes, canibais que tudo roubam, desde assentos salva-vidas dos aviões ao que mais possam levar”. Depois dessa infame aula educacional de “moral e cívica”, esperava os vassalos do reino que o verborrágico palrador fosse penalizado com a exoneração, ou seja, fosse cantar em outra freguesia. Os sábios  chegaram a dizer que o ministro não tardaria uma hora a mais no cargo após gravíssima ofensa à gente daquelas terras, se o rei e seu staff tivessem preocupação com seus governados, pois o respeito ao povo é o pressuposto do agir de um mandatário. Mas tudo ficou como dantes no quartel de Abrantes, gozando o truculento ministro dos agrados da corte e de seus apaniguados.

O fato é que o mentor destrambelhado balançou o coreto ao ordenar que o arrogante e maledicente detentor da pasta educacional (MEC) enfiasse a infeliz no seu esfíncter anal (com rima e tudo). E é lá que a sofredora continua, pois a educação no reino anda mais suja do que a infinidade de pés dos pedintes que por ele perambulam. O ministro estrangeiro falastrão irá precisar de muito cristel no fiofó para permanecer no cargo. E assim – quem diria? – o guru raivoso vingou os súditos do reino, ainda que os puxa-sacos tenham jogado um balde água fria no furdunço, deixando a bandeira do desbocado a meio-pau.

A VINGANÇA DO DIABO CONTRA O REINO

Autoria de Lu Dias Carvalho

Aquele era um reino exuberante, cortado pelos Trópicos de Câncer e de Capricórnio, deitado indolentemente no meio da placa tectônica sul-americana. Sua privilegiada posição apenas o balançava – leve e imperceptivelmente – em seu extenso berço, protegendo-o contra os ciclones, terremotos e vulcões que afetavam os reinos vizinhos. Vez ou outra a Mãe Natureza descarregava – num ou noutro lugar – chuvas torrenciais, mas apenas para mostrar àquela gente que ela se encontrava sob seu comando. Porém, passados os temporais, tudo brotava como se fosse o Jardim do Édem – uma recompensa da generosa mãe pelos dissabores impingidos aos filhos.

Nem mesmo todos os sábios presentes no Universo seriam capazes de enumerar as riquezas minerais e vegetais daquele reino. Somente a título de exemplo, ali se encontravam o bioma mais importante do mundo e os dois maiores aquíferos da Terra. Escassez de água, portanto, não seria uma preocupação para suas futuras gerações. Assim, as ameaças ao futuro da humanidade no que diz respeito à falta do líquido da vida – até mesmo ocasionando guerras – não afetavam as pessoas do lugar que em razão de tamanha dadivosidade acabavam descambando para o desperdício. Quanto aos súditos, ainda que não primassem por uma educação de boa qualidade, não se podia dizer que não tivessem boa índole.

O fato é que toda essa generosidade do Criador em relação àquele reino despertou a ira dos outros reinos. Uma delegação foi encaminhada ao Céu com o objetivo de reivindicar mais benesses para os domínios reclamantes. Explicações foram dadas pelo Todo Poderoso e a delegação despachada de volta à Terra. Contudo, insatisfeitos com o parecer divino, os poderosos reais resolveram apelar para os poderes do Diabo. Falaram-lhe daquele reino X, privilegiado em todos os quesitos pela Mãe Natureza (assessora do Criador), como se o Paraíso fosse. Se nada mudasse,  eles – os revoltosos –  seriam capazes de destruir o planeta, pois armas para isso é que não lhes faltavam.

O Diabo – achando uma besteira das grossas aquela intenção de mandar a Terra em cacos pelos ares – achou que deveria intervir – não por bondade, é claro –, pois corria o risco de ficar vagando feito planeta fora de órbita, sem ter o que fazer, caso todos os humanos fossem transformados em pó. Explicou Satã aos prepotentes reclamantes que ele não poderia fazer nada no que diz respeito àquilo que o reino tinha recebido do Criador – pois, apesar de ser seu inimigo mor, não tinha poderes para tanto. Contudo, poderia manipular a bel-prazer os dirigentes daquele reino – pertencentes a qualquer que fosse o Poder.  Em consequência acabaria destruindo a paz de seus súditos, jogando tudo na bancarrota, mas primando pelo enriquecimento dos peixes graúdos – os seus cúmplices. E assim aconteceu!

Não se pode dizer que o diabo não tenha trabalhado sério, cumprindo a promessa feita aos ambiciosos. A vida no reino transformou-se numa desgraça ambulante e o povão em bobos da corte. Tudo passou a andar de cabeça para baixo. A Esperança evaporou-se, deixando à vista um desespero cruel. A Credibilidade pegou sua trouxa e partiu para um lugar desconhecido, ficando a Mentira a alastrar-se como erva-daninha. A Ética bateu as botas, deixando o campo aberto para a Anarquia. O Nacionalismo – sempre muito frágil – foi para o CTI e lá permanece em agonia, enquanto o Entreguismo segue a todo vapor, esquartejando e distribuindo as riquezas do reino a outros reinos mais vorazes.

O infeliz reino desmorona a olhos nus. Ainda que boi manso, aperreado, arremeta, os vassalos só fazem ficar com a bola murcha, quando o que se precisa é botar a casa abaixo. Continuam submetidos à vontade dos poderosos, sempre reverentes e subservientes… Comendo o pão que o Diabo mandou os graúdos amassar para eles…

O BRASIL E SEUS FALSOS HERÓIS

Adevaldo Rodrigues de Souza

Aquele homem era um depósito de calma, generosidade e compaixão, entretanto, teve uma noite tumultuada em que o desgosto varria tudo. O relógio de parede – herança de várias gerações – marcava o compasso de seus pensamentos, sempre voltados para os noticiários da mídia nacional. Bebeu um copo de água e tentou dormir, mas não conseguia adormecer. Sua mente permanecia ligada àquela cena marcante: um famoso político morto dentro de um caixão, sendo levado pelo carro do Corpo de Bombeiros, aplaudido por uma multidão, como se fosse um herói nacional. Para compor e impactar o espetáculo, certa rede de televisão adicionou uma música do cantor Milton Nascimento, como se a vida fosse uma peça de teatro que permitisse ensaios após a morte. A encenação cruel e demagógica da mídia levou à comoção toda uma nação despreparada e ingênua.

Aquele homem teve uma noite mal dormida em meio a sobressaltos e pesadelos. Levantou-se cedo, tomou um banho quente e, após o desjejum, deitou-se na velha rede armada na varanda de sua casa.  Queria parar de pensar e mergulhar-se no mais profundo silêncio, mas não conseguia. Os passos firmes e apressados de um vizinho chamou-lhe a atenção. O homem cumprimentou-o com um sorriso acanhado e disse-lhe: “Viu o noticiário de ontem, ‘fulano’ mereceu aquela homenagem, ele foi um herói, e isso faz a gente ficar satisfeita e trabalhar com mais entusiasmo.” O  pensador sentiu-se ainda mais entristecido.

 No fundo da mente do homem reflexivo descortinou-se a verdade: a cenografia montada estava materializando-se no imaginário popular, levando o povo a sofrer com aquela representação grotesca. A “encenação” da mídia tinha um motivo lógico: criar um herói, mesmo que fosse uma figura ilusória. O Brasil necessitava de um mito para conservar o poder dominante naquele momento. Se fosse criado um personagem, ainda que mitológico, esse iria satisfazer as nostalgias secretas dos cidadãos diante das agruras sofridas. Poria um fim – ainda que ilusoriamente – ao sofrimento, ao medo, ao desemprego, à fome e à violência, dentre outros problemas vigentes no país. Para os criadores de heróis, a vida seria um teatro, mesmo que sem roteiro, onde as pessoas entram e saem de cena usando o mesmo figurino, maquiagem e sonoplastia. A peça é sempre a mesma, pois a mentira, o engodo e a corrupção continuam empobrecendo o país e seus filhos mais carentes, enquanto enriquece os “afortunados” pelo poder político, os agraciados pela política e pela mídia.

O homem lembrou-se de outros fatos da história de seu país, como a construção de seus heróis, assim como o ostracismo relegado àqueles que realmente trabalharam em prol de sua grandeza. Um deles foi o título ofertado ao pseudo herói Duque de Caxias, considerado um sanguinário na Guerra do Paraguai, mas que voltou como um mito nacional. Por outro lado, a importância dada ao grande estadista Teófilo Benedito Otoni na história oficial do país – com seu espírito pioneiro e ideias liberais democráticas – foi praticamente nula. Seu nome nem mesmo frequenta as páginas dos livros da história da nação.

Os fatos repassavam na mente do homem pensativo como se fora um filme, uns se antepondo aos outros. E já cansado de tanto vislumbrar mazelas, ele foi sentindo que seu pensamento adormecia lentamente. E sonhou. Sonhou que a peça grotesca daquele teatro bizarro tinha acabado. A cortina fechara-se sem nenhum aplauso, pois a plateia era inteligente e não se deixava mais se manipular. Os diretores foram obrigados a rasgar aquele roteiro nefasto e reescrever uma nova história que revelasse a verdade com maestria e arte. Um novo horizonte abria-se para seu país… E ele continuou a dormir em paz.

O homem acordou-se bem-humorado e com esperança renovada… Mas não demorou a descobrir que a vida no Brasil continuava a mesma. A peça imoral ainda se encontrava em cartaz. Ele então chorou amargamente… Talvez seus netos pudessem – num futuro longínquo – mudar o roteiro. A ele só restava a vã esperança, a mesma que habita o coração dos retirantes.

Nota: Retirantes, obra de Candido Portinari

EU NÃO POSSO DESISTIR DO BRASIL

Autoria de Carlos Alberto Pimentel

Após viajar por este imenso país nos últimos 20 anos, de norte a sul e de leste a oeste, por mar, ar e terra, descobri o quanto eu amo a terra em que nasci. Só não conheço ainda o Amapá e o Tocantins. Conheci gente sofrida, mas hospitaleira e trabalhadora. Comi vatapá na Bahia e pato no tucupi no Pará. Churrasco na campanha Gaúcha e o tambaqui grelhado no restaurante da Bia, às margens do Rio Negro, em Manaus. Naveguei pelo Rio Negro, encantado com o boto cor de rosa e sentindo-me pequeno frente à imensa e bela Floresta Amazônica.

Já estive em 14 países e já trabalhei em dois, mas como seria se eu desistisse do Brasil? Como seria não ouvir o gorjeio das nossas aves, ver de perto a beleza das nossas matas e seus bichos, como o canto melancólico do sabiá? Deixar os meus amigos? Perder todos os vínculos de quase sete décadas de vida.

Algum leitor desatento, talvez, poderia entender esse meu lamento como uma patriotada. Não me importo. Descobri que, com raízes muito profundas fincadas aqui, não posso desistir do Brasil. Descobri que não posso desistir de minha pátria principalmente depois de uma experiência em viagem recente à terra dos pais da minha avó paterna: a Suíça.

Uma comerciante de Zurique, ao perceber o meu sotaque, quis saber de onde eu vinha. Ao saber, fez alguns comentários sobre o que lera nos jornais locais que me atingiram em cheio. Um dardo no coração! Imediatamente comecei a defender o meu Brasil – embora, infelizmente, muito do que ouvia era a mais pura verdade. Até aquele momento, pensava que o meu DNA fosse uma mistura: 50 % helvético e 50 % lusitano. Estava totalmente errado! Meu DNA é 100% brasileiro! Mais uma razão pela qual não consigo desistir do Brasil.

Apesar de ser bombardeado diariamente pela mídia com más notícias: corrupção, doentes em corredores de hospitais sofrendo, criminalidade crescente, governantes ladrões, etc., não posso desistir do Brasil. Já vivi no exterior por meses sem falar o Português – a sensação foi como comer todos os dias uma comida sem tempero! Que língua maravilhosa a nossa! Leva tanto sentimento. Saudade! O vínculo de gratidão ao outro ao dizer obrigado! Ela nos une nos quatro cantos desse imenso país, com regionalismos deliciosos. Meus amigos lá de fora ficam encantados quando a ouvem.

Muitos compatriotas mais jovens e qualificados estão desistindo do Brasil. Indo embora. Não os culpo. Eles têm razão de sobra. Foram os que mais sofreram com as canalhices dos maus políticos e maus empresários. Psicopatas e canalhas. Entretanto, as minhas raízes são muito profundas e, mesmo se quisesse, não poderia deixar o Brasil. Assim, só me resta lutar para mudar o meu país e, um dia, nele morrer. Não podemos mais deixar o Brasil ser estraçalhado nas mãos desses canalhas e psicopatas.