Autoria de Lu Dias Carvalho
É o fim da picada o que corre dentro do despirocado reino – não a boca pequena, mas a boca escancarada. Os vassalos mais crédulos dizem estar assistindo ao fim do mundo, enquanto aqueles que trazem o pé no chão espalham aos quatro ventos que há muito sujeito afoito – com fogo no rabo ou com o diabo no corpo – imaginando estar com a corda toda, só porque é amigo do rei. Malungo ou não, um dos vice-líderes do reino no Congresso – certo pastor de pinimba – quer se ver livre do vice-rei que é ninguém mais ou ninguém menos que um general das espadas com quepe e tudo.
O que se sabe é que o tal mancebo – arvorado no seu repentino poderio e munido de grande vaidade e bajulismo – empinou o nariz, levantou o topete, coçou a barbicha rala e afagou o bigodinho miúdo para esculachar o general estrelado, usando como fundamento sua velha e costumeira verborrogia e moral duvidosa, para dizer que o vice-rei é portador de “conduta indecorosa, desonrosa e indigna” e conspira contra o rei. Como se sua parolagem fosse café pequeno, o louvaminheiro real ainda teve a fidúcia de protocolar junto ao Congresso do reino o pedido de afastamento do homem de farda, sem ter a mínima noção de que é a espada que protege o rei e não vice-versa.
O mais abilolado neste quelelê é que o simulado “homem de pulso” está sendo manejado pelo guru/filósofo do reino (que jamais engoliu o general), o que o leva a sentir-se duplamente acobertado pelos governantes reais (sua alteza real e seu guru), a ponto de querer botar o vice-rei de escanteio, ou seja, para cantar em outra freguesia. Em seu palanfrório, o adulão registrou: “A nação não pode ficar à mercê dos maus governantes, da vaidade e do despreparo emocional daqueles que alçados a cargos de relevo se deslumbram com o poder”. Palavrório que cai sobre ele como uma luva – uma descrição exata de si mesmo. Pelo visto, o espírito de porco encontra-se quase solitário nesta quizila, pois seus companheiros de partido já deixaram claro que não têm nada a ver com essa rixa, não almejando ficar com a espada na cabeça.
O presidente da Câmara real – macaco velho que não mete a mão em cumbuca – jamais levará avante o estapafúrdio pedido dessa ovelha insensata – mas com complexo de lobo –, pois sabe muito bem que o buraco é mais embaixo. Se a coisa ficar mais ruça do que está, não haverá “grande mestre” que socorra o atrevido. Em assim sendo, almeja apenas que a peçonha do cortesão desbocado seja destilada só no papel que descansará “ad aeternum” num canto de sua mesa. Ele é que não irá atravessar o Rubicão, bastando-lhe tão somente fazer ouvidos moucos, pois não é ferreiro para ficar entre o martelo e a bigorna, obedecendo à imposição de um espírito de porco que está bulindo com um enxame de marimbondos.
Possivelmente, ao sentir que deu um passo maior do que as pernas no seu conluio com o astrólogo real, o lacaio do rei dá mostras de que não quer entrar sozinho na fogueira, ao escancarar aos quatro ventos o apoio de sua viga-mestra: “Faça o que for possível para blindar o ‘rei’. Ele não está conseguindo governar”. E mais para frente, a fim de botar água na fervura de sua língua destrambelhada, temendo que seu tiro tenha saído pela culatra, remendou: “Não é um tiro para matar. É um tiro para o alto”. Para matar quem, cara pálida? Só se for para botar limites na sua petulância e desaforamento. Acabará ficando sozinho nesta tramoia!
A pergunta que os vassalos do reino fazem a si mesmos é até quando o vice-rei continuará fazendo ouvidos de mercador à cretinice e à insolência de sujeitos como o guru/astrólogo e o pastor de rapapé que nunca primaram pelo bom senso, mas que insurgem contra os estrelados. Ao que parece, o general está tentando levar os desacatos recebidos na ironia. Acontece, porém, meu caro diplomata, que há limites para tudo. Chega um momento em que é preciso abaixar a crista dos bufões, caso não queira ficar no mesmo balaio que eles, servindo apenas para alegrar a corte. Isso diz respeito a salvaguardar o amor-próprio e a dignidade diante de um reino extremamente caótico. O que se tem visto é um vice-rei que se transformou num saco de pancadas, sem que em seu auxílio o rei dê um pitaco. Os súditos assistem a tudo boquiabertos – temendo que o caos se instale por completo.
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Lu
A história poderia ser repetida: O rei seria Luis XVI, o filho mais novo do despirocado rei seria Maria Antonieta. Robespierre seria o vice-rei e Danton o presidente da câmara do reino. Lavoisier seria o guru. Quem poderia ser Joseph Guillotin – que aperfeiçoou o instrumento cortante – a esquerda? O importante é não sobrar os amigos do rei, isto é, do clã. Se com a faca não se fere com a guilhotina, com certeza, será ferido.
Abraço,
Devas
Devas
Você está escrevendo a história do reino à “la francesa”… risos. Haja imaginação! Mas tudo calha como uma luva. Como vê, a história se repete, ainda que seja em outro reino.
Abraços,
Lu
Lu
Se o Manoel Antonio de Almeida escritor do livro “Memórias de um Sargento de Milícias” estivesse vivo, com certeza trocaria o título para “Memórias de um Capitão de Mílicias”. Parece que este reino é uma ficção, pois tem guru, rei, vice-rei, lunáticos, capangas, pastores, nhonhos, xerifes,ator pornô, plagiadores…
Vale ressaltar que uma grande parte dos súditos vive no obscurantismo e acreditam que o rei bufão é um mito! Espero que a luz da verdade chegue o mais breve possível para iluminar a mente dos desprovidos de visão, antes que esses inimigos do reino destruam todas as conquistas feitas outrora.
Um grande abraço,
Hernando
Hernando
Achei a sua menção ao livro de Manoel Antônio de Almeida brilhante. Você é capaz de fazer a gente rir, ainda que o buraco negro esteja a engolir tudo. O mito – que não pertence à mitologia grega ou à romana – desintegra-se a cada dia. Olhe a lei do retorno, meu amigo!
Abraços,
Lu
Muito bom, lúcido e oportuno o seu comentário.
Um grande abraço.
Ramon
Ramon
Muito obrigada pela sua participação.
Abraços,
Lu
Lu
Deu a louca geral neste reino. Só falta uma Maria Antonieta.
Muito bom seu texto!
Abraços,
Luiz Cruz
Luiz
Existem muitas delas só que travestidas de “otoridades”. A loucura corre solta.
Abraços,
Lu
Lu
Minha curiosidade é saber até quando vai durar este reino. Quem vai levar vantagens: o rei, o vice-rei, o pastor, o guru ou todos vão cair na guilhotina? Uma coisa é certa: todo o reino vai levar chumbo, inclusive seus súditos, aliás, já está levando.
Abraço,
Devas
Devas
Você é ótimo… sempre atinge a mosca. HAHAHAHAHHA!
Abraços,
Lu
Lu
Perfeito. Retrato fiel da nossa república hoje.
Socorro! Estamos numa enrascada.
Abraço,
Terezinha
TT
Pare este país que eu quero descer!
Abraços,
Lu