Autoria de Lu Dias Carvalho
Muito cuidado com Hannibal Lecter. Não lhe conte nada pessoal. Você não quer que ele entre em sua cabeça. Faça seu trabalho, mas não se esqueça do que ele é. (Jack Crawfor)
Ele é um monstro, um psicopata absoluto. Em termos de pesquisa, Lecter é nosso espécime raro. Tentamos estudá-lo, mas ele é sofisticado demais para os exames. (Dr. Chilton)
Um agente do Censo tentou me entrevistar, comi o fígado dele com favas portuguesas e um bom Chanti. (Hannibal Lecter)
Ele não é um verdadeiro transexual, mas acha que é, ele tenta ser. Billy odeia a própria identidade e acha que isso faz dele um transexual. Mas sua patologia é mil vezes mais selvagem e mais aterrorizante. (Lecter sobre Bill)
O Silêncio dos Inocentes é um filme assustador, envolvente e perturbador. Ele não começa com um canibal, mas vai chegando até ele pelos olhos de uma jovem mulher. (Roger Ebert)
Para quem gosta de suspense, o filme O Silêncio dos Inocentes (1991), dirigido pelo norte-americano Jonathan Demme, é simplesmente imperdível. Tanto é que se encontra entre os mais premiados da história do cinema. Só para se ter uma ideia de seu sucesso, ele ganhou 44 prêmios, incluindo 5 Oscar nas principais categorias. Foi o primeiro filme de terror a receber a maior distinção honrosa da Academia de Hollywood.
O agente especial da Unidade de Ciência Comportamental Jack Crawford (Scott Glenn) convoca a jovem agente do FBI Clarice Starling (Jodie Foster) que, embora ainda se encontre em treinamento, é considerada a aluna mais brilhante e talentosa da turma de novos agentes. Ela recebe a incumbência de entrevistar Hannibal Lecter (Anthony Hopkins), psicopata conhecido por praticar atos de canibalismo e que já se encontra preso há oito anos. Jack Crawford tem como objetivo estudar o comportamento do criminoso.
Hannibal Lecter é um ex-psiquiatra forense, possuidor de uma inteligência rara, que precisa ser vigiado com rigor. É dono de uma lógica fora do comum, mas é extremamente árido de sensibilidade. Portanto, encontra-se trancafiado num manicômio de segurança máxima, numa prisão subterrânea, juntamente com outros prisioneiros de alta periculosidade. Mas, ao contrário desses, presos em celas com grades, Lecter está retido numa cela de vidro, sem janelas. Embora possa observar e ser observado, ouvir e ser ouvido, não pode tocar nas pessoas e tampouco ser tocado. É preciso uma série de providências para vigiar um ser tão perverso e ardiloso, capaz de manobrar mentes. Sempre que sai da cela, é obrigado a usar uma máscara de hóquei, para impedi-lo de abocanhar as pessoas. É o personagem mais inteligente da trama.
Antes de se encontrar com Hannibal, Clarice Starling recebe as seguintes ordens:
• não tocar ou se aproximar do vidro da cela;
• não lhe passar nada além de papel (desacompanhado de lápis, canetas, grampos ou clipes de papel);
• usar apenas o passa-prato e nada mais;
• não aceitar nada que ele lhe passe.
No seu primeiro encontro com Hannibal Lecter, a agente Starling, embora apreensiva, procura se mostrar o mais calma possível. Tudo em Lecter é amedrontador: os olhos arregalados e penetrantes, os gestos rápidos, a voz firme e instigante, carregada de uma mordaz ironia. Ele está preso sob rigorosa vigilância, mas nas ruas um outro monstro amedronta pessoas e põe em alerta o FBI. Trata-se do serial killer Buffalo Bill (Ted Levine), apelido dado pelos jornalistas, que sequestra suas vítimas, todas elas mulheres, mantém-nas em cativeiro por um período de três dias e as mata e as esfola.
Búffalo Bill está em guerra com a sua própria identidade, vivendo um terrível conflito. Ele se vê como um transexual, infeliz com a sua forma física, que busca se libertar de sua condição de homem. Sua voz ora soa máscula, ora efeminada. Busca fazer para si uma segunda pele, é por isso que esfola suas vítimas. Uma das cenas mais bizarras é aquela em que ele, vestindo uma capa de seda e todo maquiado, com o pênis disfarçado entre as pernas, baila em frente a uma câmara de vidro, imitando uma mariposa. Casulos da espécie Acherontia styx são encontrados no interior dos corpos de suas vítimas.
A sexta vítima de Buffalo Bill é a filha de uma importante senadora. E Hannibal Lecter, no seu primeiro encontro com Starling, demonstra conhecer a psique do assassino, podendo ajudar a capturá-lo. Ao ser questionado sobre o assunto, informa à agente que, para lhe passar informações, exige duas condições:
• quer a sua transferência para uma sala com janelas;
• seus encontros com ela devem ser na base do “toma lá, dá cá”, ou seja, a cada informação dada, em contrapartida, ela lhe contará algo pessoal.
Clarice Starling aceita a proposta, ignorando uma das regras recebidas para extrair do psicopata informações sobre Buffalo Bill e salvar a moça. É neste momento que acontece a parte mais excitante do filme. Um jogo de pistas e enigmas entra em cena: a agente tentando ser lúcida e objetiva e Lecter tentando penetrar em sua mente, em busca de seu passado e de seus medos.
A jovem agente passa a seguir as pistas fornecidas pelo monstruoso psiquiatra, ao contrário da polícia que se envereda por outros caminhos. Suas investigações concentram-se na primeira vítima de Buffalo Bill, crendo que a mulher que despertou sua inveja certamente deveria viver próxima a ele. Visita a casa da vítima, onde encontra pistas que a levam à residência atual de um ex-vizinho. A presença de uma “mariposa da morte” no local conduz ao desfecho da trama, com uma das cenas mais emocionantes do filme, quando Starling vê-se à procura do serial killer na escuridão do porão da casa.
É interessante notar que Clarice Starling e Hannibal Lecter possuem muita coisa em comum. Enquanto Lecter é desprezado pela espécie humana por ser um serial killer e um canibal, Clarice, por ser mulher, é esnobada na escolha de uma profissão vista como própria para homens. Ele se vê impotente, encarcerado numa prisão de segurança máxima, enquanto ela se vê cercada de homens que a querem manobrar e que, ao mesmo tempo, dirigem-lhe olhares cobiçosos. É o poder de persuasão de ambos que os ajuda a se livrar das armadilhas. Os dois também tiveram grandes frustrações na infância.
Apesar de ser mulher em meio a um universo predominantemente masculino, Clarice Starling consegue alcançar Lecter na sua prisão gótica e Buffalo Bill em seu porão aterrador. O espectador enxerga-a como uma garota solitária que dá o máximo de si para fazer jus à profissão escolhida, apesar dos inúmeros desafios. Ele torce por ela. E é por isso que, ao perceber que Hannibal Lecter gosta de Clarice Starling e que vai ajudá-la a salvar a garota sequestrada por Bill, também passa a gostar do médico psicopata. E por que Lecter gosta de Clarice? Por que ela respeita a sua inteligência, o que desperta o seu afeto.
Filme imperdível!
Curiosidades
• Para compor Hannibal Lecter, Anthony Hopkins estudou arquivos de serial killers e de criminosos violentos, visitou prisões e assistiu a audiências e julgamentos.
• Hannibal Lecter fica em cena apenas 17 minutos, tempo necessário para deixar os espectadores petrificados e seduzidos pelo facínora. Se Anthony Hopkins ficasse mais tempo no filme, poderia tê-lo desequilibrado, mas ele sai de cena no momento certo para dar lugar ao talentoso Ted Lavine como Buffalo Bill.
• A mariposa que se encontra no cartaz do filme, Acherontia styx, é também conhecida como “mariposa da morte”. Ela traz na cabeça uma mancha em forma de caveira. E se refere a Buffalo Bill, evocando a sua metamorfose.
• Hannibal (2001), dirigido por Ridley Scott é uma continuação de O Silêncio dos Inocentes.
• Thomas Harris, escritor norte-americano, é o autor de O Silêncio dos Inocentes. Ele possui cinco best-sellers adaptados para o cinema: Domingo Negro, Dragão Vermelho, O Silêncio dos Inocentes, Hannibal, Hannibal – A Origem do Mal.
• O filme ganhou o Oscar de: melhor filme, melhor atriz, melhor ator, melhor diretor e melhor roteiro adaptado.
• Consagrado como um dos mais importantes filmes do cinema da década de 1990, O Silêncio dos Inocentes foi a terceira obra a vencer as cinco principais categorias do Oscar. Os outros dois filmes que conseguiram esse feito foram Aconteceu Naquela Noite, de Frank Capra (1934) e Um Estranho no Ninho, de Milos Forman (1975).
• O diretor Jonathan Demme aparece rapidamente em cena, com um boné azul, no final do filme.
• Jonathan Demme, nos seus comentários no DVD, declara que se arrepende por não ter se aprofundado mais na história de Lecter, abordando que ele fora vítima de abuso na infância.
• Bons filmes de terror: Psicose, Nosferatu, Hallowen, A Noite do Terror, O Exorcista, etc.
Fontes de pesquisa
Cinemateca Veja/ Abril Coleções
Tudo sobre cinema/ Sextante
1001 filmes para ver antes de morrer/ Sextante
A magia do cinema/ Roger Ebert
Wikipédia
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