Autoria de Lu Dias Carvalho
É uma história brutal, mas retrato uma brutalidade que pode acontecer não só nos ringues comas também em qualquer lugar: um quarto ou em um escritório. (Martin Scorsese)
Touro Indomável não é um filme sobre boxe, mas sobre um homem com um ciúme paralisante e insegurança sexual, que quem ser castigado sobre o ringue serve como punição, penitência e remissão. Para Jake LaMotta, o que ocorre durante uma luta não é controlado por táticas, mas pelos seus medos e impulsos. (Roger Ebert)
Touro Indomável (1980), em preto e branco, obra do cineasta estadunidense Martin Scorsese, faz parte da listagem dos filmes imperdíveis, sendo também responsável por dar a seu ator principal, Robert De Niro, o Oscar de melhor ator.
O filme inicia-se com uma cena passada em 1964. Jake LaMotta (Robert De Niro), um ex-pugilista, prepara um número de comédia minutos antes de entrar em cena. Nesse instante, porém, uma imagem em flashback leva-o de volta para 1941, 23 anos antes, quando se passa a história narrada. O espectador então é introduzido na história de vida do verdadeiro Jake LaMotta, um ex-boxeador norte-americano, cujo verdadeiro nome era Giacobe LaMotta.
A carreira de Jake é cada vez mais promissora. Seu irmão e companheiro de treinos, Joey (Joe Pescil), é seu agente. Embora muito unidos, Jake evita o contato com os seus amigos da máfia. Salvy (Frank Vincente), um deles, deseja que Jake aceite a tutela do seu chefe mafioso Tommy Como (Nicholas Colasanto), alegando que sua carreira daria um grande salto.
Jake vive com sua mulher no Bronx, em Nova York. Os dois discutem agressivamente e são apartados por Joey, que leva o irmão pugilista até uma piscina pública do bairro onde vivem. No local, Jake fica conhecendo uma garota de 15 anos, Vicki (Cathy Moriarty), com quem fica tão deslumbrado, a ponto de convencer seu irmão a armar um encontro entre eles.
Em um espaço de dois anos, Jake luta duas vezes com o famoso Sugar Ray Robinson, ganhando a primeira luta e perdendo a segunda, em mais um resultado questionável.
Para mostrar a passagem do tempo na vida de Jake, num período que vai de 1944 a 1947, o direto Martin Scorsese lança mão de filmes caseiros, únicas imagens coloridas do filme: a separação de Jake de sua primeira mulher, seu casamento com Vicki e as muitas vitórias conquistadas no ringue. Paralelamente aos acontecimentos, a máfia continua assediando Jake para dirigir sua carreira.
A próxima luta será com Tony Janiro, mas Vicki desperta a ira de Jake ao elogiar, ingenuamente, a beleza de seu adversário. O elogio da mulher traz consequências para a luta, pois Jake é um homem inseguro e hostil, dono de um ciúme paranoico e autodestrutivo, que tenta resolver no ringue todas as suas turbulências pessoais. O fato é que, num ímpeto de violência, como se quisesse vingar o elogio de Vicki, Jake esmaga o rosto de Tony Janiro. Depois de transformar o rosto do adversário numa massa sanguinolenta, Jake não olha para seu adversário, mas para os olhos de Vicki, como uma mensagem direta do que é capaz de fazer, caso ela o traia. É quando passa a ser chamado pela mídia de Touro Indomável.
Fica claro para o espectador que o que estimula Jake LaMotta não é o boxe, que serve apenas de catalizador, mas o ciúme doentio que tem pela mulher e seu horror à sexualidade. É possível ver, durante o transcorrer do filme, como ele se tortura só de imaginar que Vicki possa traí-lo. Tudo o que ela diz ou faz é analisado minuciosamente pelo marido obcecado. Embora ela nunca tenha sido pega numa traição, ele a agride fisicamente, como se suas suspeitas lhe dessem o aval para a violência.
Vicki passa a ser vigiada pelo irmão do marido, enquanto ele treina para competir pelo título dos pesos médios. Joey, então, encontra-a em um clube noturno, acompanhada pelo mafioso Salvy. Ela recebe uma forte reprimenda, enquanto seu acompanhante leva uma surra. Contudo, Tommy Como, o chefão mafioso, obriga os dois rapazes a fazerem as pazes, enquanto volta a falar sobre a carreira de Jake, que não toma conhecimento da causa da briga.
Joey leva um recado ao irmão: se quiser ganhar o título almejado, precisará perder uma luta antes. Proposta aceita por Jake. Depois, revolta-se por ter aceitado a proposta dos mafiosos. Seu temperamento torna-se ainda mais agressivo e, por pouco, não é eliminado do esporte. Ao vencer Marcel Cerdan conquista o título mundial que tanto desejava.
Passados três anos, e ainda no auge da fama, Jake questiona seu irmão sobre a briga no passado com o mafioso Salvy. Joey nada lhe diz, o que deixa Jake nervoso. Ao lhe perguntar se ele havia transado com sua mulher, Joey, chateado, vira-lhe as costas e sai. Mas ao confrontar Vicki, indignada, ela confirma com sarcasmo as suspeitas do marido, sem imaginar as consequências. Jake sai em busca do irmão. Vichi tenta impedi-lo, mas é agredida. Jake ataca brutalmente o irmão, rompendo a grande amizade que os unira por tanto tempo.
Após tais acontecimentos, Jake fica depressivo e acaba perdendo o título para Sugar Ray. Fora de forma, aposenta-se dois anos depois e torna-se gerente de um clube noturno que leva o seu nome. Gordo e careca, entrega-se às farras noturnas e pede o divórcio à mulher que tanto dizia amar: Vicki. Sua situação piora quando é acusado de servir bebida alcoólica para menores e de oferecer moças a seus clientes, ao trabalhar como mestre de cerimônia num clube de “streap-tease”. É preso, pois não tem dinheiro para pagar a fiança que lhe permitiria responder em liberdade. Após ser solto, encontra seu irmão Joey na rua e tenta uma reconciliação.
A partir daí, o filme retorna à sequência inicial, quando Jake está se preparando para entrar no palco, recitando o diálogo acontecido entre Marlon Brando e o irmão no filme Sindicato de Ladrões: “Eu poderia ter sido um competidor…”.
Curiosidades sobre o filme
- Robert De Niro foi visitar Scorsese no hospital (internado em virtude das drogas) e atirou o livro autobiográfico de Jake LaMotta nele e disse: “Eu acho que temos que fazê-lo.”. O filme transformou-se na terapia e no renascimento do cineasta Martin Scorsese.
- As filmagens foram atrasadas em três meses para que Robert De Niro engordasse quase 30 quilos para enfrentar a fase decadente de Jack.
- Touro Indomável figura em inúmeras listas dos dez melhores filmes de todos os tempos.
- A crítica especializada espantou-se com a crueza das lutas e com a violência doméstica registrada por Martin Scorsese. A palavra “fuck” foi repetida 114 vezes. Algumas publicações chegaram a sugerir que a fita não fosse distribuída.
- Touro Indomável recebeu oito indicações ao Oscar.
- No final dos anos 1980, Touro Indomável já despontava como o melhor filme da década em enquetes de cineastas e críticos. Hoje é tema de estudo em qualquer universidade de cinema.
- Robert De Niro treinou boxe durante um ano com Jake LaMotta (boxeador que deu origem ao filme).
- O verdadeiro Jake LaMotta aparece como assistente do protagonista na luta final, contra Sugar Ray Robinson.
- A narração televisiva da luta final entre Jake LaMotta e Sugar Ray no filme trata-se da transmissão original em 1951.
- Scorsese e De Niro gastaram acerca de seis anos e muitas versões de roteiro até encontrar a história certa.
- De Niro não aceitou usar próteses para simular a gordura que viria a ter após entrar em decadência. Ele preferiu se transformar fisicamente, tendo a filmagem que ser interrompida durante 3 meses.
- Melões e tomates sendo esmagados fizeram parte dos efeitos sonoros.
- Sons de animais (elefantes, cavalos…) foram misturados ao barulho da plateia para acentuar a selvageria das lutas.
- O raspar de gelo seco em vidro ajudou a realçar o som dos gritos da plateia.
- Esponjas escondidas dentro das luvas e minúsculos tubos nos cabelos dos boxeadores, simulam esguichar suor e sangue.
- Muitas vezes, no filme, o som é substituído pelo silêncio absoluto.
- O filme foi rodado em preto e branco para não mostrar todo aquele sangue em tecnicolor.
- Os duelos de Jake LaMotta com Sugar Ray Robinson viraram lenda nos anos de 1940.
Cenas de impacto
- A cena em que Jake ajusta a televisão e acusa seu irmão Joey de traí-lo com sua mulher.
- A esponja, banhada de sangue, que o assistente passa nas costas do lutador nos intervalos da luta.O sangue presente na corda do ringue.
- As chamas espalhadas ao redor do ringue para criar o efeito esfumaçado e trêmulo, quando Nike perde o título.
- Jake preso, em grande desespero, gritando: “Por quê? Por quê? Por quê?”
- O reencontro entre os irmãos, num estacionamento, quando Jake abraça Joey carinhosamente.
Roger Ebert, um dos mais prestigiados críticos de cinema, resume o filme numa bela análise:
Touro Indomável é o mais doloroso e angustiante retrato do ciúme no cinema – um Otelo dos nossos tempos. É o melhor filme que eu já vi sobre baixa autoestima, inadequação sexual e o medo que faz alguns homens abusarem das mulheres. O boxe é a arena, não o motivo. LaMotta ficou famoso por nunca ter sido nocauteado sobre o ringue. Há cenas em que ele está passivamente parado, as mãos para os lados, permitindo que o inimigo o golpeasse. Mas nós intuímos que ele nunca caiu. Ele se machucava demais para permitir que a dor parasse.
Fontes de pesquisa:
Cinemateca Veja/ Abril Coleções
A Magia do Cinema/ Roger Ebert
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Adorei muito esse filme, grande elenco. É interessante ver um filme que está baseado em fatos reais, acho que são as melhores histórias, porque não necessitam da ficção para fazer uma boa produção. Gostei muito de Mãos de Pedra filme, o elenco faz um ótimo trabalho, não conhecia a história e realmente gostei. Super recomendo.
Karla
Trata-se mesmo de um filmaço. Irei assistir a “Mãos de Pedra”, baseando-me na sua indicação. Agradeço a sua visita e o seu comentário. Volte mais vezes.
Abraços,
Lu
Lu,
Desta vez a crítica tem razão: é o melhor filme do gênero, que não o meu preferido. Gostei muito do filme e o assisti mais de uma vez. Ele não é só violência, tem seu lado poético e mostra o lado atrás dos ringues: a corrupção.
Abraço,
Devas
Devas
É verdade!
Em duas lutas os resultados foram tramados.
Nem o esporte consegue se ver livre da corrupção.
O filme é mesmo muito violento.
Abraços,
Lu
LuDias
Não assisti a este filme. Porém, pelo seu comentário, compreendo perfeitamente que ele nos mostra com muito sensibilidade realmente como a vida pode nos levar a agir.
O boxeador colocou no ringue seus mais profundos sentimentos, externando-os de uma forma muito pouco compreendida. E é assim que o agir de muita gente, nos ringues da vida, pode ser vista, quando buscam o sofrimento, quando aparentemente teriam muitas razões para serem felizes.
Vou tentar assistir a este filme. Mas pela leitura do texto, podemos refletir e muito sobre ele.
Ed
O filme é excelente.
Embora seja muito violento, mostra-nos como o ciúme pode tirar o bom senso das pessoas.
Não deixe de ver.
Abraços,
Lu