Autoria do Prof. Pierre Santos
A Crucificação, obra do germânico Mathias Grünewald, é um soco na nossa cara, como se o tema do quadro estivesse nos reprovando: “Estão vendo o que vocês fizeram?”, tal a violência expressiva da linguagem de Grünewald. Aliás, são assustadoramente atuais os ‘Cristos’ deste pintor alemão. Não é sem razão, e por aí se vê, que esse artista é considerado não só o precursor do Expressionismo, mas, acima disto, o iniciador desse movimento artístico, com quase quatro séculos de antecedência, que só vingou no princípio do século XX.
Não obstante a carga emocional que passa, o quadro em si é de extrema simplicidade em seu arranjo cênico e em sua composição. Chama-nos a atenção, no primeiro plano, este abaulamento das linhas composicionais à frente do quadro: Nossa Senhora, de pé, envolta por sua dor, evita nos olhar, como se nos considerasse coniventes, corresponsáveis por aquele acontecimento – e, mesmo passados dois milênios, será que não seríamos? – O manto, que lhe cobre a cabeça, desce pelo ombro direito e vai numa curva compor-se com o cotovelo direito de Maria Madalena, orando ajoelhada aos pés da cruz; com a ponta dos pés do Crucificado, e com a dobra do panejamento da capa de São João, terminado na linha de sua face avultada contra a sombra do fundo.
Esta forma abaulada aí está para acolher, ungir e amparar o corpo do Redentor, que parece estar resvalando lentamente para baixo pela áspera face do madeiro, onde está cruelmente pregado, e tanto, que os braços da cruz vergam-se ao peso do corpo relaxado pela morte, que havia acabado de acontecer. A multidão, que estivera ali, já tinha ido embora e só restaram esses três personagens, como testemunhas que foram do martírio, minuto a minuto, ao longo de horas e mais horas.
A sombra da noite é profunda, quase tétrica, e atenua o valor das tonalidades de cores. A disposição cênica dos elementos composicionais é sumária, em decorrência do laconismo que o tema exigiu do pintor: apenas quatro pessoas; pequena elevação rochosa à esquerda, encimada por um arbusto verde musgo, com ligeiras e diminutas formas avermelhadas; um pequeno monte relvado à direita, nas costas e do mesmo tamanho de São João; e na faixa central um diminuto campo verde gramado com pequeno rochedo ao fundo. Este sustenta o plano da frente, salientando a parte vertical da cruz, que só não se confunde com o fundo azul escuro do céu, porque suas margens estão marcadas por sutis traços brancos, destacando o madeiro. Enquanto isso, a parte horizontal da cruz, lá em cima, e o Cordeiro sacrificado, que tem ali pregadas as mãos meio crispadas, mais parecem constituir um conjunto miraculoso de perdão.
Jesus Cristo, maior do que os outros personagens por exigência da própria composição, parece avançar para nós, a fim de abraçar-nos em sua infinita misericórdia. O resto é magia, tanto quanto é mágica a disposição daquela pequenina lua (ou um eclipse?), quase sumida, acima da cruz, que se compõe com o corpo meio inclinado para trás de João, que reza de pé, como as mãos postas, para neutralizar o peso da parte esquerda, acentuado pela inclinação da cabeça de Nosso Senhor, que revela ao mundo o seu sofrimento.
Ficha técnica
Ano: c. 1511/1520
Técnica: óleo em tela
Dimensões: não encontradas
Localização: National Gallery of Art, Washington, Estados Unidos
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