Autoria de Lu Dias Carvalho
O embeleco com a mulata prendera Joaquim mais do que o previsto. Cada vez que ele se levantava em direção à porta, um acocho gostoso comprimia-lhe o corpo, e uma quentura atravessava-o da cabeça aos pés, mas fazendo antes uma parada no meio do caminho. Com uma voz sussurrante, ele implorava dengoso: “Não posso ficar nem mais um minuto com você/ Sinto muito, amor/ Mas não pode ser? Moro em Jaçanã/ Se eu perder esse trem/ Que sai agora, às onze horas/ Só amanhã de manhã”. Mas sua nega fazia ouvidos moucos.
A mulata sabia que seu homem morava longe, lá pelas bandas da zona norte da capital paulista, e, que o próximo trem era na verdade o último a passar. Sabia também que só o veria no final da semana seguinte. A saudade já estava batendo forte. E um fogo danado queimava seu corpo, como se quisesse consumi-la nas labaredas daquele afogueamento. Mas Joaquim compreendia que não podia ceder mais, ainda que uma ardência danada continuasse fazendo o mesmo trajeto. De um pulo, alcançou a porta, e ainda afivelando o cingidouro das calças, gritou de longe: “E, além disso, mulher/ Tem outra coisa/ Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar/ Sou filho único/ Tenho a minha casa para olhar.”.
À mulata não restou outra saída senão fechar a porta do barraco e tomar um banho frio de modo a amainar aquela quentura. Enquanto isso, Joaquim consertava suas coisas, sentado no último banco de um dos vagões do trem, de modo a não chamar a atenção dos outros passageiros, ainda que a maioria deles estivesse ferrada no sono.
Obs.: Clique no link abaixo para ouvir:
O TREM DAS ONZE
Nota: Trem, obra do artista baiano Cipriano Souza.
Views: 2