Autoria de Lu Dias Carvalho
Estão todos gordos/ Sempre cem por cento cegos/ Cem por cento surdos-mudos/ Cem por cento sem perceber/ A agonia/ Da Luz/ do Dia. (Chico Buarque)
O povo do reino dividiu-se confuso quanto às profecias do oráculo. Elas alardeavam que apocalípticos dias estavam para chegar, se toda a gente não permanecesse em vigília. Diziam também que os céus iriam se rasgar e o inferno subiria à superfície do solo, em labaredas de fogo que tragariam os mais fracos, incapazes de safarem-se da estupidez da tormenta que se avizinhava, pois não teriam mais nada em que se amparar. E disse mais: a maldade, a prepotência, a mentira e a estupidez encontravam-se a caminho, travestidas com uma roupagem roubada do bem, bordada em letras garrafais as suas diferentes siglas. O tempo era escasso e urgia que atitudes fossem tomadas.
Indiferentes, os fortes, querendo manter seus servos no eito e totalmente atracados à índole avara, clamavam por mais poder, mesmo à custa da derrocada do reino. Eles estamparam nas telas e jornais a seus serviços, que os augúrios eram inverdades. Espalharam pelas fábricas, bancos, construções, hospitais e escolas que tudo aquilo era uma genuína fantasia dos artistas e intelectuais, gente que não queria ver o reino na opulência, que somente eles poderiam proporcionar. Disseram-lhes para ficar tranquilos, pois doravante todo o reino gozaria de uma prosperidade jamais vista, e que eles, os trabalhadores, nada tinham com que se preocupar.
Uma parte dos camponeses ouviu o apelo, enquanto a outra fez ouvidos moucos aos presságios do oráculo. Um grupo de pessoas corajosas alertava para o flagelo a caminho, que estava a fazer ninho justamente nos galhos da ignorância e da descrença do povo. Até mesmo profecias sobre a catástrofe anunciada, vindas das mais distantes regiões da Terra, àquele reino chegavam. E mesmo assim nem todos os fracos importaram-se. Uns até falavam com a ironia e o deboche dos fortes: “Ninguém sabe de nada/ Ninguém viu nada”. Achavam que tudo era invencionice de quem os queria enganar, não passando de uma mentira fajuta e deslavada. Melhor seria fazer ouvidos de mercador, pois o reino livre de maus augúrios encontrava-se.
Muito contristado e aborrecido, o oráculo chamou os incrédulos de “tolos”. E previu que logo estariam a reclamar da sorte, dizendo que “Ninguém fez nada/ Ninguém é culpado”. Disse também que melhor seria falar aos “Bichos de estimação/ Nesse jardim”. E dirigindo-se ao reino, o oráculo fez sua última previsão: “Você/ Seu ventre inchado/ Ainda vai gerar/ Um fruto errado/ Um bonequinho/ Um macaquinho de marfim/ Castrado”. E desapareceu, deixando atrás de si apenas o campo aberto para o caos anunciado.
As predições aconteceram tal e qual a vaticinação do oráculo. Durante muito tempo só se viu “A Agonia/ Da luz/ Do dia” e o soluçar dos camponeses, pois tudo lhes foi tirado. O reino, antes admirado, virou piada em todo o mundo, depois de totalmente estilhaçado. Os grandes, em luta, digladiaram-se pelo poder, até que caíram os corruptos, traidores e safados, um após o outro. A “Justiça” virou letra morta. Mas uma nova civilização começou a brotar, depois do banho de sangue com que o solo do reino fora lavado. E livres da opressão dos fortes veio um governo do povo, para o povo e pelo povo. E foi assim que nasceu um mundo novo num reino chamado Brasil!
E Calabar? – perguntaram alguns.
O oráculo reapareceu para responder:
– Está no lugar que lhe foi reservado – o dos traidores da pátria!
Nota: Letra de uma canção de Chico Buarque, canção essa que foi censurada pela ditadura.
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Lu Dias
Tenho absoluta certeza que Chico Buarque leu Maquiavel!
Mário Mendonça
Mário
Chico Buarque, para mim, é o maior nome deste país. Trata-se de um homem com H maiúsculo, um ser humano da maior grandeza.
Beijos,
Lu