Autoria de Lu Dias Carvalho
Hoje os dois mascarados/ Procuram os seus namorados/ Perguntando assim. (Chico Buarque)
Era noite de carnaval. O moço mostrava-se ainda mais amarguroso do que antes. Doía nele a lembrança de que sua faceira morena largara-o em troca de um branquelo vindo das estranjas. Mas ficar em casa só faria aumentar o seu acabrunhamento. E foi por isso que decidiu vestir sua fantasia de pierrô e dirigir-se para o clube local, ainda que ali fosse permanecer apenas mirando o aprazimento dos foliões na Noite dos Mascarados.
O desalentado rapaz adentrou-se no salão, levando seu pesado fardo de dissabor debaixo da máscara de pierrô. Enfiou-se num cantinho, como se estivesse envergonhado de carregar tanto entristecimento numa noite daquelas. Quanto mais prazenteiros mostravam-se os foliões, mais tristonho tornava-se seu coração. Ele nem mesmo percebeu quando uma colombina puxou-o pelo braço. Pego de surpresa, deixou-se levar por entre os cordões de serpentina e corpos suados. Curioso, quis logo saber quem seria aquela mascarada, que parecia tão sozinha quanto ele: “Quem é você?/ Quem é você, diga logo/ Que eu quero morrer no seu bloco”.
A colombina, ao ver uma pinga de água escorrendo pela face do pierrô, deduziu que se tratava de dor de amor mal resolvido. Para desenlutá-lo, optou por entrar no jogo. Ela replicou: “Advinhe, se gosta de mim/ Que eu quero saber o seu jogo/ Que eu quero me arder no seu fogo”. O pierrô melancólico respondeu-lhe: “Eu sou seresteiro/ Poeta e cantor/ Eu tenho um pandeiro/ Eu nado em dinheiro/ Eu, modéstia à parte/ Nasci pra sambar/ Meu tempo passou/ Eu sou Pierrot”.
Fascinada com seu poeta e cantor amarguroso que, mesmo tendo nascido para sambar, encontrava-se ensimesmado num cantinho do salão, a colombina prometeu a si mesma que haveria de tirá-lo daquele amarguramento. E se explicou: “O meu tempo inteiro/ Só zombo do amor/ Só quero um violão/ Não tenho um tostão/ Fui porta-estandarte/ Não sei mais dançar/ Eu sou tão menina/ Eu sou Colombina”.
Pierrot e Colombina chegaram à conclusão de que era preciso curtir intensamente aquela noite. Não seria necessário que nenhum soubesse nada sobre o outro, pois no dia seguinte a vida voltaria ao normal. Ali, cada um seria apenas aquilo que o outro quisesse, satisfazendo-se mutuamente. Eles, então, cantaram em uníssono: “Deixe a festa acabar/ Deixe o barco correr/ Deixe o dia raiar/ Seja você quem for/ Seja o que Deus quiser”.
Alguns dos foliões, que conheceram o par mais feliz daquela noite, perguntam-me se houve depois a continuação do caso de amor entre a Colombina e o Pierrot. Eu digo que não sei, pois o poeta não falou sobre isso em sua canção. Ele apenas preocupou-se com o fato de que os dois personagens fossem felizes naquela Noite dos Mascarados. Mesmo que só isso tenha acontecido, valeu a pena. E como valeu!
Obs.: ouçam Noite dos Mascarados
Nota: pintura de Pablo Picasso denominada Pierrot e Colombina