Historiando Manacéa – QUANTAS LÁGRIMAS

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Autoria de Lu Dias Carvalho

O homem caminhava recurvado pelo peso da dor e da idade. Jamais aceitara que fosse apenas um passageiro do tempo. Nascera numa família rica. Tivera muito dinheiro e poder. Os bajuladores cercavam-no de honrarias e lisonjas. Passara pelos três poderes da República. E se sentia um dos homens mais importantes da vida pública de seu país. Conhecera a maior parte do mundo, mas nada sabia sobre a efemeridade da vida e sobre si mesmo.

O tempo foi passando e o homem nem se deu conta. Nada fez para enriquecer seu espírito, deixando-o tão desnudo quanto uma avezinha recém-nascida. Por isso, não conseguia abandonar o passado. Nele vivia dia sim e outro também, assentado na sua velha cadeira de palha, com o rosto entre as mãos, dizendo para si mesmo “Ai, quantas lágrimas/ Eu tenho derramado/ Só em saber/ Que não posso mais/ Reviver o meu passado”.

A criançada, ao voltar da escola pública ali por perto, sentava-se na sua varanda, e ficava a ouvi-lo falar sozinho: “Eu vivia cheio de esperança e de alegria/ Eu cantava, eu sorria/ Mas hoje em dia eu não tenho mais/ A alegria dos tempos atrás”. Mirava-o com visível compaixão. Os dedinhos indicadores, próximos à cabeça, davam voltas para dizer, silenciosamente, que ele sofria dos miolos, àqueles que ali iam pela primeira vez. Crianças deixavam-lhe balas e biscoitos, economizados da parca merenda. E ele, bem o sabia, nada fizera pela educação dos pobres!

De uma feita, um molequinho, nos seus 10 anos de ingenuidade, aproximou-se do homem e perguntou-lhe o porquê de ser tão triste assim. Ele levantou a cabeça e, numa doída confissão, respondeu-lhe com a voz quase sumida: “Só melancolia os meus olhos trazem/ Ai, quanta saudade a lembrança traz/ Se houvesse retrocesso na idade/ Eu não teria saudade da minha mocidade”. A criança, em sua pureza, achou que o homem estivesse referindo-se ao seu cãozinho que morrera uma semana antes. Com seu coraçãozinho partido, aproximou-se daquele farrapo humano e beijou-lhe a cabeça, deixando ao seu lado duas bananas… De sua parca merenda.

Obs.: clique no link para ouvir:
QUANTAS LÁGRIMAS

Nota: Velho Homem em sua Tristeza, obra de Van Gogh

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