Autoria de Hila Flávia
Brilhou na árvore um vagalume. Não estava preso nos galhos. Apenasmente se encostou um pouco para iluminar. Depois veio outro; e depois outro; e mais um. Num instante mágico, pequenas luzes piscavam, de alto a baixo.
E o menino sorriu. Um sorriso de puro encantamento.
Afinal era seu aniversário. Não sabia bem porque era ainda um menino, já que, para usar de franqueza, ele fazia mais de dois milênios. A única diferença que tinha dos bebês era que sabia sorrir. Um sorriso consciente por algo. Os pequeninos até sorriem, mas o motivo é uma barriguinha cheia ou um ataque de extremo bem-estar.
O menino, não. Sorria e sabia por que sorria. Sabia sorrir.
E eu via aquele menino sorrindo. Não queria ter a presunção tamanha de dizer que ele sorriu para mim. Poderia ter sorrido de mim. Os meninos sempre riem de mim, ou para mim, sei lá. Mas, pensando bem, vou ser presunçosa e afirmar que o menino sorriu para mim.
Então fiquei pensando: como é difícil viver um dia de aniversário em que o aniversariante adota como tema a singeleza. É a mesma coisa de um adulto que tem loucura por um dia de sol e detesta se deitar tarde e os amigos lhe oferecem uma noite inteira da maior barulheira.
Dá vontade de gritar!
Só quem não quer ver e não quer ouvir e não quer perceber é que não vê, não ouve e não percebe que ele quer paz. E o que lhe oferecem?
Algazarra, loucuras, comilança, bebedeira, obrigações cumpridas de procurar parentes que não se procura o ano inteiro, votos formais, presentes acima das posses e abaixo das expectativas, confusão, correria, mau-humor, brigas, descontentamentos, desilusões, violências de toda ordem, enfim, uma festa de aniversário tendo por base um enorme fingimento, uma incomensurável hipocrisia.
Menino, perdão!
A experiência de vida vai dando à gente noção exata das coisas e a medida certa das ações. E sabemos, com o tempo, que o vazio que sente o ser humano, após uma busca frenética, vem do simples fato de que não foi preenchido o que ele tem de mais sublime, de mais doce, de mais delicado: o afeto.
Percebemos que cada pessoa do mundo é um mundo inteiro. E em cada coração cabe todo o universo e toda a solidão. E também todo o amor. E toda a esperança. É sozinho que o ser humano resolve ser ou não feliz. É decisão dele, pessoal, intransferível. Ninguém pode decidir por outro a felicidade e ninguém tem, realmente, o poder de tirá-la de ninguém, se a pessoa não quer perdê-la.
No seu aniversário, menino, compreendo, todo ano, porque você não fica velho: porque a esperança é eterna. É tão nova que renasce a cada dia, não somente a cada ano. Esse simbolismo de ano novo é só um lembrete; é só uma comemoração. O que realmente se comemora é o nascer de cada dia, é a estrela luminosa, é a lua, é o sol, são as águas, os pássaros, as cores e os sons. O que realmente se comemora é o amor, é a vida.
Quer presente melhor?
Ofereço-lhe, menino, de presente, a minha vida, a minha alegria, meu trabalho, minha lida. Meu imenso amor por você. E não faço isto por bondade não. Ofereço-lhe o que recebi de graça.
E foi me sentindo assim, tão pequena e tão grande, tão cheia de ternura no coração, que me tornei um vagalume e me encostei também na árvore que sombreava o lugar do menino. Brilhei, pisquei, voei, dei cambalhotas, fui para lá e para cá, fiz estripulias.
E ele sorriu para mim. Desta vez, vi mesmo!
Nota: Natividade, obra de Sandro Botticelli
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Hila,
que encanto de encanto! Ternura é pequena, não a vemos, mas quando a sentimos faz-se gigante. Explode o coração de sentimentos bons!
Ler seu texto fez-me sentir ternura por aquele “pedacinho” tomando forma, enchendo a vida de um doce sentimento. O menino sempre sorri! Sorri porque sabe sorrir e sabe porque deverá sorrir sempre. Veio para dar vida, nem foi como uma outra vida, simplesmente! Entendo quando se transformou num vagalume, deu as suas piruetas, fez estripulias. Brincou com o Menino, deu-lhe como presente a cor que não se acha por ai, não se compra, não é miscível.O vagalume brilha e o brilho merecidamente teria que ser singelo para agradar ao que o Menino transmite, busca e nos traz!
Uno-me ao seu pedido de desculpas: Natalício – Menino, perdão! Você nos dá tanto e exageramos ao comemorar nossas necessidades, não o Seu Propósito! Parabéns aos dois! Um que veio, jamais envelhecerá e outra, com um coração de melodia, porque sabe que a Ele não há porque dar a festa. Ele é a festa eterna!
Um beijo em sua ternura!
É maravilhoso o texto de Hila. Diz verdades, máxime quando se refere ao materialismo, o consumismo em que se transformou a festa de Natal. E ainda nos mostra que o verdadeiro Natal, o que deveria ser comemorado, quando diz:
“O que realmente se comemora é o nascer de cada dia, é a estrela luminosa, é a lua, é o sol, são as águas, os pássaros, as cores e os sons. O que realmente se comemora é o amor, é a vida.”
E deixa claro o presente que devemos dar, não aos nossos parentes e amigos, mas sobretudo ao menino Jesus:
“Ofereço-lhe, menino, de presente, a minha vida, a minha alegria, meu trabalho, minha lida. Meu imenso amor por você. E não faço isto por bondade não. Ofereço-lhe o que recebi de graça”
E fecha maravilhosamente o escrito que me emociona, mostrando a humildade e amor, transformando-se em um vagalume, ao querer enfeitar e participar da árvore de Natal, para que o menino Jesus sorrisse para ela:
“E foi me sentindo assim, tão pequena e tão grande, tão cheia de ternura no coração que me tornei um vagalume e me encostei também na árvore que sombreava o lugar do menino. Brilhei, pisquei, voei, dei cambalhotas, fui para lá e para cá, fiz estripulias. E ele sorriu para mim. Desta vez, vi mesmo!”
Esse texto traz um grande ensinamento. Obrigado, Hila, por este maravilhoso presente que nos deste. Obrigado, Lu, pela publicação!
Ed
O texto da Hila é realmente maravilhoso!
Abraços,
Lu