Autoria do Prof. Pierre Santos
Leonardo intuiu sua Santa Ceia num momento de extrema gravidade daquela reunião, quando Cristo pede silêncio e atenção para declarar, com voz entre comovida e amargurada:
“Um de vós irá trair-me”.
Faz-se o suspense e uma comoção em onda perpassa da esquerda para a direita o friso dos apóstolos, destacados em quatro grupos de três pessoas. Entre indignado e surpreso, o calmo Filipe se põe de pé e pergunta:
“Mas qual de nós, Mestre?”.
Ligeiramente na frente dele, Tiago Maior estende os braços e, categórico, afirma:
“Eu jamais faria isto!”.
Atrás dele, Tomé, o dedo em riste:
“Nem eu!”.
Mateus, Tadeu e Simão, à direita, discutem perplexos sobre a declaração de Jesus. Do outro lado, Bartolomeu e Tiago Menor fixam os olhos em Cristo, como se esperassem pela revelação do nome do traidor, enquanto André nos mostra as palmas erguidas de suas mãos e simplesmente fala:
“Não fui eu”.
Adiante dele, Pedro puxa o apóstolo João pelo ombro direito e lhe cochicha ao ouvido:
“Calma. Ele sabe quem foi”.
Bem na frente deles, Judas, segurando uma sacola com moedas, encara temeroso o Senhor, como se esperasse pelo pior. Enquanto isto, o Filho de Deus, nimbado pelo clarão da porta ao fundo, se isola no centro do quadro – ou seria no centro do mundo? – destacado por todos os elementos composicionais, que o indicam, além de ter no olho direito o ponto de fuga, para o qual todas as linhas mestras da arquitetura convergem. Indiferente ao alarido, ele se cala com uma expressão de amargura na face compassiva, o olhar perdido no nada, certamente pensando na dura provação que o aguarda para dali logo depois, como se duvidasse: “Será que vale a pena?”.
Ainda se pode ver por baixo da mesa, além dos cavaletes que sustentam o tampo, os pés de vários apóstolos enfiados em suas sandálias. E nós, postados do lado de cá, numa silenciosa reverência, só podemos testemunhar toda esta beleza emocionante, que transcorre antes nossos olhos, como num filme em câmara lenta, através dos tempos.
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