Autoria de Lu Dias Carvalho
A diferença entre o julgamento que se faz do comportamento de outras pessoas e de si próprio é um exemplo clássico do viés em proveito próprio. (Steven Pinker)
Só confie numa testemunha quando ela fala de questões em que não se acham envolvidos nem o seu interesse próprio, nem as suas paixões, nem os seus preconceitos, nem o amor pelo maravilhoso. No caso de haver esse envolvimento, requeira evidência corroborativa em proporção exata à violação da probabilidade evocada pelo seu testemunho. (Thomas Huxley)
As pessoas tendem a olhar para seus próprios erros com muito mais condescendência do que olham para os dos outros, ainda que sejam os mesmíssimos. Isso porque querem ser vistas com admiração e, para tanto, tentam parecer boas. E de tanto procurar apresentar-se como “boas”, elas passam a acreditar que o são de verdade, passando o “eu” a ser, ao mesmo tempo, enganador e enganado. Isso deixa claro que os indivíduos são propensos a agir em interesse próprio, ou seja, dando sempre um jeitinho de puxar a brasa para o lado de sua sardinha.
Segundo o humanista Steven Pinker, “O impulso para apresentar a si mesmo sob uma luz positiva foi um dos maiores achados da psicologia do século XX.”. Podemos ver isso com clareza no mundo da política, principalmente, em que o erro de um, embora seja igualzinho ao de outro, na essência é visto como diferente, quando se vê em julgamento, fato que mostra o quanto somos propícios a jogar nossos erros debaixo do tapete, como se nunca tivessem acontecido.
A pergunta que a psicologia faz, em relação ao comportamento do sujeito que dá à sua incorreção, embora similar à de outrem, um julgamento diferente, mesmo que o julgador seja tido como dono de conhecimento e capacidade intelectual, é se ele acredita realmente que está agindo com justeza, rigor e ética? Ou se seria apenas o viés do interesse próprio a coagi-lo a encobrir seu desregramento, de modo a ser parcial na sua concepção dos fatos, prejudicando terceiros? Ou ainda, se seria apenas o seu inconsciente a protegê-lo, a ponto de não lhe mostrar que está cometendo uma verdadeira velhacaria? Qualquer que seja a resposta, o fato é que a verdade nua e crua encontra-se ali, aos olhos de todos, embora o árbitro em questão, como o rei nu, ache que ninguém percebe sua desonestidade gritante.
Alguns estudiosos do assunto acreditam que, em certos casos, a teoria do autoengano é verdadeira, que a pessoa é sabotada por sua própria mentira, passando o seu “eu” a ser enganado e enganador ao mesmo tempo. Em assim sendo, resta a esperança de que os indivíduos que se encontram em tal desvio de caráter ainda encontrem o caminho da ética que preconizam “para os outros”, ao julgá-los . Mas os estudiosos também alertam para o fato de que não devemos nos deixar enganar pela teoria do autoengano, pois a tendência esmagadora é a de que as pessoas possam injuriar e prevaricar no julgamento de terceiros, conscientemente, pondo de lado seus escrúpulos, indiferentes aos atos danosos similares que tenham cometido.
Outro ponto interessante levantado por Pinker é no que tange à “memória histórica”. Segundo o humanista, “As vítimas de um conflito são assíduas historiadoras e cultivadoras da memória. Os perpetradores são pragmatistas, firmemente aferrados ao presente.”. É como diz um ditado muito conhecido em nosso país: “quem bate esquece, mas quem apanha, jamais”. Enquanto as vítimas trazem vívida a memória do sofrimento, os executores da atribulação carecem de memória, diluem-na no poço do esquecimento, com a etiqueta “não se lembrar”.
Nota: ilustração copiada de m.pt.dhgate.com
Sugestões de leitura
A representação do eu na vida cotidiana/ Erving Goffman
Erros foram cometidos, mas não por mim/ Carol Trivers e Elliot Aronson
Fraude e autoengano/ Robert Tavris
Por que todos (os outros) são uns hipócritas/ Robert Kurzban
Fonte de pesquisa
Os anjos bons da natureza humana/ Steven Pinker
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