CAPO DI NOLI (Aula nº 88 A)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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Libertemo-nos! Nosso objetivo deve ser o de criar harmonias belas. (Paul Signac)

O pintor neoimpressionista francês Paul Signac (1863–1935) era filho único de um comerciante. Teve grande importância na criação da técnica de pintura denominada Pontilhismo. Junto ao seu amigo Georges Seurat, a quem ensinou tal técnica, fundou a Sociedade dos Artistas Independentes. Eles são tidos como os dois grandes nomes do chamado Movimento do Divisionismo, também conhecido como Pontilhismo ou Neoimpressionismo e ainda Pintura dos Pontos. Gostava de pintar principalmente paisagens. Exerceu influência sobre o Fauvismo e o Cubismo. O artista era um autodidata. Aprendeu sobre o Impressionismo apenas observando suas obras.

O Pontilhismo (do francês pointillisme) é uma técnica de desenho e pintura, na qual o artista usa pequenas manchas e pontos para formar as imagens. É um estudo científico da cor e da divisão sistemática do tom, antes praticado instintivamente pelos artistas impressionistas. Parte do princípio de que a linha não tem nenhuma razão para existir, como forma de delimitação da natureza retratada. Os artistas que utilizavam esta técnica davam maior importância ao uso “matemático” das cores, dispostas na obra em justaposição e não através de mesclagens. Ao contrário das técnicas clássicas de pintura, o artista, ao optar pelo Pontilhismo, não faz a mistura das cores primárias para criar novas tonalidades e tampouco o uso de linhas para formar os traços dos desenhos.

A composição intitulada Capo di Noli (nome de uma cidade italiana próxima de Gênova) é uma obra harmoniosa do artista, na qual ele obtém uma extrema policromia ao usar cores intensas e luminosas, fazendo uso de pinceladas horizontais e verticais. Enquanto os penhascos, à esquerda, e a vegetação, à direita, recebem pinceladas verticais, o caminho e o mar tranquilo são criados com pinceladas horizontais. Também existem pequenas manchas (céu próximo ao horizonte) e pinceladas diagonais que se cruzam (próximo ao primeiro plano). Este tipo de aplicação da cor pura foi responsável por influenciar os pintores do início do século XX – fauves na França e expressionistas na Alemanha.

A pintura representa uma região mediterrânea com rochedos brancos e vermelhos à esquerda, árvores verdejantes à direita, um horizonte violeta claro ao fundo, céu e mar azuis e sombras com pingos dourados pela luz do sol. Duas figuras humanas, um homem e uma mulher, estão presentes na cena. Nove barcos a vela estão ancorados no mar. Ramalhetes de folhas e flores estão embutidos nos rochedos brancos.

Nesta paisagem o que importa ao artista é a textura de cor, diferentemente dos impressionistas que buscavam a impressão de uma cena natural. O arranjo de toques de cores, como se elas formassem um mosaico, quando olhado à distância cria na retina do observador a visão de uma paisagem ensolarada e atemporal.

Ficha técnica
Ano: 1898
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 91,5 x 73 cm
Localização: Wallraf-Richartz-Museum, Fundação Corboud, Alemanha

Fontes de Pesquisa:
Impressionismo/ Editora Taschen
https://www.wallraf.museum/en/collections/19th-century/masterpieces/paul-signac-
https://es.wikipedia.org/wiki/Capo_di_Noli,_cerca_de_Génova

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O APRENDIZ DE FEITICEIRO

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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A expressão aprendiz de feiticeiro refere-se a uma pessoa que desencadeia forças e depois se vê incapaz de controlá-las, ou seja, não dá conta do recado. Tal expressão nasceu de uma fábula do escritor alemão Goethe, uma das mais brilhantes figuras da literatura alemã e do Romantismo francês, que conta o seguinte:

O mestre em feitiçaria ensinou a um novo aluno algumas palavras cabalísticas secretas, mas o pupilo, sem a presença do professor, resolveu testá-las por conta própria, de modo que ordenou a um cabo de vassoura que fosse ao rio buscar um balde de água para ele tomar um banho. E prontamente foi obedecido, só que não conseguia fazer parar o cabo de vassoura que parecia estar com todo o gás. Ele ia ao rio e voltava trazendo água. Se fosse gente poderia ser dito que estava com fogo no rabo ou com o diabo no corpo. Gente ou não o fato é que o cabo de vassoura parecia fora de si.

O aluno curioso passou a ficar desesperado, sem saber que medida tomar para conter tanta água. Então, partiu o cabo de vassoura ao meio, pensando quebrar as pernas do eficiente operário, mas o tiro acabou saindo pela culatra. Em vez de um cabo de vassoura, agora eram dois a  trazerem-lhe água. Desesperado, o aluno começou a cortar os cabos, pensando estar a cortar-lhes as pernas. Quanto mais os dividia em pedaços, mais os ajudantes multiplicavam-se. O aprendiz já estava se afogando debaixo daquele mundaréu de água, quando foi salvo pelo gongo com a chegada do feiticeiro que botou um fim naquela bizarra situação.

Na vida real existem muitos aprendizes de feiticeiro que não entendem de determinados assuntos, mas botam o nariz em tudo, na maioria das vezes sem serem chamados. E acabam dando com os burros n’água, pois não é mais possível voltar atrás.

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SALVO PELO GONGO

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Autoria de Lu Dias Carvalhotina1

Conta-se que antigamente na Europa, por causa do pouco espaço para enterrar os mortos, abriam-se os caixões e retiravam os ossos que eram depositados em ossuários, ficando o túmulo para o próximo defunto, fato que também vem acontecendo nos dias de hoje em razão do aumento da população e da escassez de espaço para os cemitérios, contudo não há o perigo que rondava as pessoas naqueles tempos.

Naquela época, a medicina nem mesmo engatinhava, talvez balbuciasse, o que levava ao túmulo muitos vivos com catalepsia, mas tido como mortos. De modo que, ao se abrir o caixão para a retirada dos ossos, a tampa encontrava-se toda arranhada pelo lado de dentro, o que indicava que aquela pobre vítima fora enterrada viva e que tentara se livrar inutilmente dos obstáculos que a impediam de voltar ao mundo dos vivos. E para matar no ninho o problema, uma atitude foi tomada. Nasceu a ideia de socorrer os mortos/vivos, pois ninguém queria carregar nas costas o peso de enterrar alguém vivinho da silva. E a coisa estava ficando feia com o aumento das vítimas.

Uma ideia foi posta em prática. Ao se fechar o caixão, uma tira de pano ou uma corda era amarrada ao pulso do falecido, passada através de um buraco feito no ataúde e atada a um sino que ficava do lado de fora da cova. Após o enterro uma pessoa ficava postada ao lado do túmulo, mantendo guarda durante dias de modo que, caso o suposto morto viesse a acordar, os gestos agoniados de seu braço badalariam o sino e ele seria retirado do local. Não é de se estranhar que a vítima caísse dura no chão, ao ver o buraco em que literalmente se metera, sem a sua vontade. Quando acontecia de alguém tocar o sino, dizia-se que foi “Saved by bell”, o que na tradução para o português ficou como “Salvo pelo gongo”.

Ainda bem que nos dias de hoje ser “Salvo pelo gongo” não mais alude a tal fato, mas a ser tirado de uma enrascada em que se estava prestes a cair. Mas posso imaginar que nos rincões que ainda carecem de médicos, tal situação ainda possa acontecer, pois não é fácil diagnosticar a catalepsia. Existe outra explicação para o surgimento da expressão “Salvo pelo gongo” que alguns acham ter nascido no século 17, em Londres, Inglaterra, quando um guarda do palácio de Windsor foi pego dormindo em serviço.  Ele se defendeu dizendo que até ouvira o sino da igreja bater 13 vezes durante a noite, sendo portanto, “save by the bell” (salvo pelo gongo). Escolha a que achar melhor.

 

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BIPOLARIDADE – SOU UMA MULHER BIPOLAR

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Autoria de Maria Amália Silva

Fui diagnosticada com bipolaridade aos 26 anos de idade, tenho agora 38. Sempre tive um comportamento incomum. A minha mãe correu vários médicos, psicólogos, terapeutas, mas nada que levasse a algum lado. Fui mãe a primeira vez aos 19 anos, fruto de um planejamento mal feito. Nunca quis ter filhos, mas o “grande amor” que vivia naquela altura queria por tudo ser pai. Eu nem me lembro de pensar nos riscos. Fui e concretizei o sonho dele. Que grande loucura, vi depois, quando me abandonou grávida de oito meses. Foi muito difícil, mesmo, mas tive a ajuda da família. Levei dois meses chorando, desejando morrer e pensando em como o faria, mas consegui me recuperar, mas não totalmente.

Dois anos depois, fui confrontada com o suicídio do meu pai. Sabendo o que sei hoje, concluo que também era bipolar, mas sem diagnóstico. Foi tão surreal! Peguei as rédeas da situação e tratei da família, de tudo. Nunca senti necessidade de fazer luto, acho que sempre o entendi. Fui tendo altos, baixo, mas nada que fosse alarmante. Era solteira, quase tudo era normal.

Quando tinha 26 anos, tive o meu primeiro surto de euforia. Sexualmente muito ativa, tudo era festa, não havia hora de comer e nunca tinha sono, nem precisava dormir. Dava conta de tudo. Do trabalho, da filha, das saídas. Sempre no mais alto de mim. O que me levou a procurar ajuda foi ter ficado paranoica por não dormir. Cheguei a estar nove dias sem uma hora de sono. Aí já tudo me irritava, já estava a ficar deprimida, zangada e com desinteresse por tudo. Tantas horas no vazio levava a minha mente a todo lado. Comecei em sofrimento. Sentia-me só e não via sentido na vida. Pensei muitas vezes em suicídio. Uma das vezes não conseguia dormir e tomei a caixa toda de sedativos. Fui encontrada pela minha irmã que me levou à urgência médica. Fui medicada. Finalmente consegui dormir e me levantar um pouco do buraco em que tinha entrado. A medicação foi longe demais e houve a elevação de humor novamente. Outro tratamento. Parecia agora equilibrada.

Quando conheci o meu ex-marido, estava a recuperar da minha primeira grande crise de euforia e medicada havia quatro meses. Ele não acreditava em desiquilíbrio da química da mente. Convenceu-me de que não precisava de medicação e eu deixei os remédios. Pareceu-me que ele estava certo e que estaria sempre ali para me ajudar, como foi acontecendo. Estivemos juntos ao todo quase 11 anos, oito de casados. Tive vários episódios, incluindo mais ou menos um ano em que estive em crise depressiva. Lembro-me de me deitar todos os dias a pensar que não queria acordar no dia seguinte, e ficava triste por acordar.

Alguns picos de elevação de humor, mas que serenaram sem grandes problemas envolvidos. Chegamos a estar um mês separados. Mas ele dizia que me amava e ia tomar conta de mim. Eu o amava e estava disposta a perder os medos e traumas e arriscar realizar o seu sonho de ser pai. Lutei vários anos com esse assunto, mas o meu amor por ele levou a melhor. Há quatro anos fiquei grávida, correu bem, mas nos últimos dois meses não consegui dormir. Eu culpava a barriga, o calor, o desconforto, tudo. Não podia mostrar que estava em pânico com o facto de ir passar novamente pela experiência de ser mãe, pois comprometi-me com este sonho.

Dediquei-me inteiramente às milhas filhas e marido. Nunca cuidei de mim, nem da minha saúde mental. Fiquei em casa a cuidar da mais nova. Eu vivia todos os dias em pânico, temendo que algo acontecesse, sempre assustada, sempre tomando conta de tudo. Comentava por vezes com o meu marido. Mas nunca foi dada importância. Ao fim de dois anos e meio eu estava completamente esgotada, deprimida, só chorava. Novamente a minha mente deu uma reviravolta. A euforia instalou-se. Afastei o meu marido, pedi a separação, fiz de tudo para ele se afastar. Mas nunca deixei de amar aquele homem. Não tenho muita noção de todos os acontecimentos. Quando caí em mim, pedi ajuda médica, estou medicada até agora. Com a medicação a funcionar fui ganhando noção de alguns acontecimentos. Sinto muita falta do meu marido, quero-o de volta, mas ele já tem outra pessoa neste momento.

Ainda tenho muitas questões na minha mente, gostaria de obter respostas, gostaria de voltar a tê-lo ou conseguir esquecê-lo, pois este assunto está a mexer muito comigo, a fazer-me sofrer muito. Não quero cair novamente. Quero arranjar explicação sem me vitimizar, mas não consigo entender que a culpa seja minha realmente, pois simplesmente desconectei da realidade e deixei de ter noção. O que não ajuda em nada para arrumar o assunto e seguir em frente, seja em que sentido for.

Ilustração: Noite de Verão, 1889, Edvard Munch

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TARDE DE DOM. NA GRANDE JATTE (Aula nº 88)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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Eu pintei assim, porque queria obter algo novo – um tipo de pintura que fosse só meu. (Georges Seurat)

A composição denominada Tarde de Domingo na Grande Jatte é uma obra-prima do neo-impressionista francês Georges Seurat que à época estava com 30 anos, portanto, no auge de sua maturidade. Trata-se de uma pintura monumental, tendo o pintor levado dois anos para concluí-la. Até então, o artista fazia parte do grupo de impressionistas, embora não tivesse abraçado o estilo totalmente. Quando sua pintura foi apresentada numa exposição em 1886, no Salão dos Independentes, ela causou um grande escândalo e serviu de zombaria para os críticos, além de despertar o riso do público.

Uma obra como esta era inédita na arte. O pintor usou as árvores e as figuras humanas de pé para criar linhas verticais. O mesmo rigor matemático é visto nas horizontais. A mulher segurando uma sombrinha vermelha e uma garota com roupa branca formam o centro calculado da tela. O artista abriu mão de cores vivas e permitiu mínimos movimentos em seu quadro. Tudo nele é diferente, quer pelo tema incomum, com elementos poéticos e simbólicos, quer pela técnica usada, até então desconhecida, na qual busca a percepção da luz.

O artista apresenta um grupo de parisienses à margem do rio Sena, durante uma tarde de domingo. Ali estão presentes oito figuras humanas, três cachorros, um macaco e oito barcos. Muitas das figuras estão debaixo das árvores ou de sombrinhas. São pessoas das mais diferentes classes sociais, como é possível identificar através das roupas. A impressão que se tem é que o pintor pediu que as pessoas ficassem estáticas para serem fotografadas, embora certas cenas esbocem um pouco de movimento, como a garota correndo, borboletas voando e o cãozinho com laço no pescoço, também correndo, situado em primeiro plano.

No canto direito inferior, em primeiro plano, um casal vestido de acordo com a moda dos anos de 1880, visto de perfil, observa o cenário. A mulher segura pela correia um macaco-prego, atado pela cintura. Uma outra correia supostamente pertence ao cãozinho com um laço no pescoço que é deixado livre para brincar. Sua dona veste um corpete de espartilho e saia com anquinhas e traz uma sombrinha aberta, enquanto o homem segura uma bengala debaixo do braço e traz na mão um cigarro. A presença do macaco chama a atenção, porque foi adicionado bem depois da obra pronta, embora o pintor tivesse tal animal sempre presente em seus trabalhos. O macaco era associado à prostituição, sendo a mulher que o conduz, tida como um tipo bem coquete. O fato é que não se conhece a explicação real para a presença do bichinho no quadro. Qual teria sido a intenção do artista?

No canto inferior, à esquerda, estão um remador com o corpo reclinado, fumando seu cachimbo; uma dama de classe média com o leque no gramado, fazendo tricô, e um homem bem vestido, usando cartola e segurando uma bengala. Também se encontram no quadro um homem tocando trompete, dois soldados vigiando o local, remadores, mulheres pescando ou sentadas sobre o gramado, crianças, um casal abraçado, outro casal andando, etc.

Para fazer esta tela, Georges Seurat fez inúmeras visitas à Grande Jatte – ilha localizada no rio Sena – aonde as pessoas iam aos domingos para divertir-se. O local não era visto com bons olhos, pois prostitutas vendiam sexo nas suas margens, fingindo que estavam pescando, para que os policiais não as reconhecessem, pois a prostituição era proibida. Alguns críticos de arte têm como prostitutas algumas mulheres presentes neste quadro.

Seurat fez 38 esboços a óleo e 23 desenhos preparativos para esta obra, daí a razão do tempo gasto na sua feitura. O mais interessante é que esta pintura foi criada em seu ateliê e não ao ar livre, ao contrário dos trabalhos dos impressionistas. Como modelos para suas figuras, ele usou estampas de moda, retiradas de revistas. Em sua obra usou cores puras fragmentadas. Os pigmentos são misturados pela olho, quando vistos a certa distância, técnica também conhecida como pontilhismo, vindo a ser muito usada por outros artistas. Uma Tarde de Domingo na Ilha da Grande Jatte é a obra mais importante do pontilhismo. Paul Signac foi aluno de Seurat e ajudou-o a desenvolver o novo estilo.

Na confecção de sua obra, Seurat pintou-a primeiramente usando a técnica dos impressionistas. A seguir ele acrescentou uma camada de pontilhismo. É interessante notar que a menininha de branco não foi coberta pelo pontilhismo. A moldura do quadro, pintada na própria tela por Seurat, segue a mesma técnica.

Ficha técnica
Ano: 1884-1886
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 205 x 304 cm
Localização: The Arte Institute of Chicago, EUA

Fontes de pesquisa
Arte em detalhes/ Publifolha
http://obviousmag.org/archives/2012/10/uma_tarde_de_domingo_na_ilha_de_grande_jatte.html

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CONVERSA MOLE PARA BOI DORMIR

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Autoria de Lu Dias Carvalho lixo123

Meu avô Joaquim Valentim não era um homem letrado, pois pouco ou quase nada conhecia das letras, mas era extremamente sábio. Além disso, era incapaz de fazer mal a uma mosca. Era a ele que um bando de netos, curiosos e inquietos, recorria para entender melhor o mundo, já que os adultos achavam que pergunta de criança não devia ser levada em conta, sempre nos pedindo para sossegar o facho.

De uma feita, nós que só vivíamos a rodear nosso avô, captamos uma conversa sua com o seu compadre João Galocha. Ainda que estivéssemos envolvidos com nossas bolhinhas de sabão saindo dos talos de mamona e não déssemos qualquer importância à prosa dos dois, ao ouvirmos a expressão conversa mole para boi dormir, entremeada no bate-papo, a nossa bisbilhotice ganhou vida, criando as mais mirabolantes suposições. O que se deveria falar para que o boi dormisse? Será que tal fala também serviria para que cavalos, cachorros e gatos caíssem no sono?

Mal a visita saiu, pois não podíamos nos intrometer em conversa de gente grande, sob pena de ganhar um bom castigo, rodeamos apressados nosso avô em busca de uma explicação que matasse a nossa curiosidade. Queríamos saber que conversa era aquela que fazia boi dormir. Ele pegou sua caneca azul esmaltada com seu cafezinho cheiroso, assentou-se calmamente em sua cadeira de descanso, esperou que todos nós nos acomodássemos ao seu redor e pôs-se a explicar-nos, com uma paciência de Jó, como se fora ele o mais dedicado dos mestres:

– Meus filhos, sempre existiu e sempre existirá neste mundo de meu Deus gente que fala muito, mas que não se apura nada de sua prosa. Gosta de contar vantagem ou vem com desculpas esfarrapadas, ou com um lero-lero de fazer doer a cabeça, querendo engabelar as pessoas, levar vantagem em tudo. Gente assim não é verdadeira, ao contrário, é muito perigosa, pois é capaz de dar nó até em pingo d’água.

Meu primo Nandinho, querendo mais explicações, perguntou em sua candura:

Vô Valentim, por que não pode ser conversa mole para cachorro dormir?

Por que o boi, meu bom menino, foi sempre um animal muito importante na vida do homem. Por isso, ele se encontra presente em muitos expressões populares: boi de piranha; boi de presépio; boi manso, quando aperreado, remete; boi na linha; água que boi não bebe; um pé de boi – ele calmamente respondeu.

Neiva, uma das netas presentes no grupo, antes mesmo que nosso avô terminasse de dar sua resposta ao último indagador, atalhou apressada:

Por que se diz “dou um boi para entrar numa briga e uma boiada para não sair”?

Nosso avô pressentiu que aquela seria uma longa conversa em se tratando de criaturinhas tão curiosas, ávidas por conhecer os mistérios da língua popular. Respirou fundo, pediu para que alguém lhe trouxesse mais um café e continuou…

 

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