Autoria do Prof. Hermógenes
O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental. Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ensina-nos como pairar acima dos acontecimentos, mas sem jamais ser omissos.
Um dos meios de pairar acima dos acontecimentos é a posição difícil de espectador vigilante, mas distanciado. Quando você pratica a purgação mental está exercitando sakshi (traduz-se por testemunha silente). Está desenvolvendo esta capacidade de não se deixar contaminar pelo que acontece. É como ficar sentado na margem para assistir ao livre fluir da corrente.
A desidentificação só é acessível aos que são capazes de se manterem imunes, sem renunciar ao mundo ou dele fugir, mas, ao contrário, nele viver ativa e produtivamente. Os incapazes de praticar sakshi diluem-se dentro do processo mundanal. Perdendo a consciência do que são e sem poder salvar um pouco de autenticidade para si mesmos. O homem vulgar é comumente um diluído dentro do ambiente em que se encontra. O mundano contamina-o, fascina, absorve e consome. Dele pouco sobra verídico e imune.
É visando a evitar o contato e a defender sua mente, seu caráter e suas virtudes que alguns místicos se fazem eremitas e fogem para o ermo. Quem desenvolve esta sadia atitude espiritual e psicológica chamada sakshi, realizando a isenção, não obstante vivendo em contiguidade física com o mundano, fica espiritualmente à parte. Não se perde. Não se confunde. Não se identifica. Não se corrompe. Sri Ramakrishna compara a personalidade fraca que se dilui no mundo com o leite que se mistura com a água, depois do que, impossível é separar. Aquele que tem maturidade espiritual, ele o compara com a manteiga, que mergulhada na água não se mistura.
Quando a pessoa está metida num cordão de carnaval, confundida com os outros, dança, canta, pratica uma série de saracoteios que, se estivesse sóbrio, não faria. Enquanto está misturada aos foliões é apenas um deles e age como todos. Somente depois que se afasta e à distância, considera o que vê os outros fazendo e, só então, tem uma ideia do que andou também a fazer. Se você estiver metido na multidão e houver correrias e atropelos por causa de um conflito de rua, o pânico geral poderá contaminá-lo, a menos que você consiga se comportar como um “espectador silente”, observando o que se passa, exercitando sakshi.
Os acontecimentos mundiais estão, a cada dia, mais dramáticos: o choque de ideologias; os acontecimentos econômicos, políticos, sociais, realmente são assustadores pelos maus presságios. A iminência de uma guerra nuclear, os atos terroristas, as greves e as sabotagens, as injustiças sociais, os golpes de estado, mil e um acontecimentos que a voz caprichosamente emocionalizada dos locutores e os cabeçalhos da imprensa fazem ainda mais traumatizantes, estão aí para liquidar com seus nervos. Você precisa ficar imune a isto. Como? Sakshi é a resposta.
Mas seria justo ficar “sentado na margem”, assistindo silenciosamente ao drama da humanidade? Seria isto honesto? Alguém tem o direito de ficar indiferente? Quem foi que disse que para ser atuante, eficaz, fecundo na busca de uma ordem melhor para a humanidade é indispensável deixar-se conturbar, contaminar, envolver emocionalmente? Ao contrário, quem melhor ajuda é quem, acima da crise, conserva luzes e calma, perspectiva e serenidade, pois os que estão dentro dela já as perderam. Pobre do psiquiatra que, no tratamento de um paciente neurótico, comprometa-se emocionalmente. Ele tem que praticar sakshi, se não quiser perder-se e ao doente. A ninguém é lícito ficar nas arquibancadas, enquanto a humanidade, na arena, se agita e sofre, mas é imprudente deixar-se agitar e sofrer junto.
Diante de suas próprias desventuras, procure galgar um ponto em que, sereno e silente, possa observar emocionalmente isento o que está acontecendo. Quando interferir, seja para acertar. Procure ficar à distância da arrebentação da ressaca, que está abalando a humanidade que, estressada, está precisando da ajuda dos poucos isentos seres humanos sadios e sábios que ainda conservam lucidez e coerência e que, portanto, podem fazer algo por ela.
*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.
Nota: Menino, obra de Portinari.
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Ótimo texto!
José Vítor
Agradeço a sua visita e comentário. Será sempre um prazer recebê-lo aqui.
Abraços,
Lu