VIDA DE UM LIBERTINO (Aula nº 75 A)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

   
           (Cliquem nas imagens para ampliá-las.)

 O pintor e gravador inglês William Hogarth (1697-1764), chateado com a situação de ser recusado em seu país, compreendeu que, para atrair os puritanos ingleses, a arte deveria trazer uma finalidade clara. Não achava justo que ele, assim como muitos de seus conterrâneos, tão bons quanto os estrangeiros que tinham as suas obras encomendadas por preços exorbitantes pelos ricos ingleses, fossem preteridos. Baseando-se em tal premissa, passou a criar quadros que mostrassem as recompensas da virtude e os castigos advindos do pecado, para atrair seus compatriotas moralistas. A sua conclusão era a de que as pessoas criadas na tradição puritana estavam sempre preocupadas em saber qual era a utilidade de uma pintura, e seria esse a série de quadros que deveria criar para chamar-lhes a atenção.

Uma de suas séries, “As Quatro Fases da Crueldade” apresenta a vida de um libertino. Inicia apresentando a sua ociosidade e a devassidão até chegar ao crime e à morte. A série de quadros levaria o observador a acompanhar os passos da história e tomar para si seus ensinamentos. Segundo Hogarth, seria como a arte de um dramaturgo e de um diretor teatral. Todos os seus personagens ali se apresentam por um objetivo que é esclarecida através de gestos e do uso de atributos cênicos. Esse tipo de arte, contudo, não era tão novo como pensava o artista. Já o vimos na Idade Medieval, quando imagens eram usadas para transmitir lições cristãs. Mas, ao contrário dos artistas medievais, Hogarth era um artista estudioso na busca por efeitos pictóricos, pintando suas sequências de ensinamentos (sermões) com precisão.

O quadro acima, intitulado Vida de um Libertino: o Libertino em Bedlam, apresenta o personagem já no final de seus dias, no hospício de Bedlam. Ele se mostra desvairado em meio a outros pacientes com variados tipos de loucura:

  1. Na primeira cela está o religioso fanático, o que podemos deduzir através da cruz desenhada na parede e de seu gesto piedosamente exagerado. Ele se contorce em seu catre de palha alheio à realidade do mundo.
  2. Na cela seguinte, mais ao centro, está o megalomaníaco usando uma coroa real e segurando um cetro.
  3. Um insano rabisca na parede um quadro, pensando representar o mundo.
  4. Um cego é visto empunhando um telescópio de papel.
  5. Um anão ocupa o centro da composição como se estivesse a zombar dos dramas que ali se sucedem.
  6. Um trio esquisito, formado por um sorridente violinista, um cantor estranho com um livro sobre a cabeça e a figura de um homem apático e de olhar perdido, reúne-se em torno da escada.

Em primeiro plano está o libertino agonizante no chão, pálido, seminu, pranteado apenas pela criada que ele havia abandonado outrora. O homem de pé próximo a ele pode ser um parente. O seu braço esquerdo e perna direita estão amarrados por uma corrente. Um homem à sua direita retira-as, pois agora, enfraquecido, não mais necessita de tal aparato. Um grotesco anão zomba de tudo à volta. Duas refinadas visitantes ali presentes são antigas conhecidas do libertino, quando ele se encontrava em seus dias de grande opulência. Uma delas segreda algo no ouvido da outra.

O artista compôs o grupo com a mesma precisão das pinturas italianas de tradição clássica. Apesar de não ter se transformado no pintor que almejava, escolhido por seus compatriotas, Hogarth, ganhou dinheiro e fama com suas séries pictóricas, uma vez que angariou um público muito receptivo a elas, principalmente no que diz respeito às reproduções em gravuras (ver segunda ilustração), enquanto os nobres continuavam a dar suas encomendas aos famosos artistas estrangeiros.

Ficha técnica
Ano: 1735
Dimensões: 62,5 cm x 75 cm
Técnica: óleo sobre tela
Localização: Sir John Soane’s Museum, Londres, Grã-Bretanha

Fonte de pesquisa
A História da Arte / E. H. Gombrich

6 comentaram em “VIDA DE UM LIBERTINO (Aula nº 75 A)

  1. Marinalva

    Lu
    Muito interessante o pintor William Hogarth ter usado esse tema, 1735 , para seu quadro em óleo sobre tela . Dá-nos a impressão de ver alguém esparramado no chão, não há muita claridade ao redor, apenas as pessoas e, em destaque, a que está no chão. O pintor nos repassa exatamente alguém que vive uma vida libertina, o que para muitos significa ultrapassar os limites, extrapolar a liberdade, praticar coisas fora dos padrões convencionais impostos à sociedade. O artista conseguiu repassar tudo isso nos mínimos detalhes.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Marinalva

      Na impossibilidade de ser contratado para fazer retratos para os ricaços, William Hogarth encontrou uma solução ao criar composições parecidas com as da Idade Média, no limiar da religião cristã. Ele vendia muito, principalmente as gravuras com tal temática.

      Abraços,

      Lu

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  2. Hernando Martins

    Lu

    O pintor William Hogart teve que se curvar ao puritanismo inglês, utilizado pelos nobres e burgueses, para maquiar suas obras pictóricas, mostrando a hipocrisia de uma sociedade doentia, com valores mesquinhos. Interessante notar que tudo isso até hoje se repete na sociedade, principalmente onde a religiosidade prepondera. Mais uma vez a arte imitando a vida.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Hernando

      Era realmente uma sociedade hipócrita. Basta revermos a história daquela época para ver como os valores cultivados não condiziam com o puritanismo manifesto. Realmente a mesma coisa acontece em nossos dias. Haja hipocrisia!

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  3. Adevaldo R. de Souza

    Lu
    Parece que o artista William Hogarth era protestante ou escolheu o tema pata agradar essa classe religiosa. Até apresentou um religioso fanático que parece um padre e não um pastor, pela existência de uma cruz em sua cela. Vejo na composição uma hipocrisia: duas distintas senhoras (representando a virtude) debocham do libertino (representando o vício), como se estivessem em um plano superior. Analogia: os protestantes se consideram superiores e salvos em relação às pessoas de outras religiões.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Adevaldo

      A Inglaterra protestante judiou muito de seus artistas. As classes ricas, que podiam pagar somas astronômicas pelos retratos, escolhiam artistas de fora. William Hogarth achou uma saída para tal situação, criando esse tipo de série de pinturas, o que se tornou bem popular. As duas distintas damas parecem mesmo debochar da situação do infeliz. Gostei da analogia.

      Abraços,

      Lu

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