Géricault – A JANGADA DA MEDUSA

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Autoria de Lu Dias Carvalho

(Clique na foto para vê-la mais próxima e maior)

A pintura atinge e atrai todos os olhos. (Le Journal de Paris).

Nem a poesia nem a pintura conseguirão um dia transmitir o horror e a angústia dos homens na jangada. (Théodore Géricault)

Esta pintura de Géricault abriu novos caminhos, levando a arte ao controvertido domínio do protesto político. (Robert Cumming)

A composição A Jangada da Medusa, também conhecida como A Balsa da Medusa, é uma obra-prima do sensível pintor francês Théodore Géricault, um dos mais famosos artistas do estilo romântico em seu início, na França. Foi inspirada num fato real que diz respeito à fragata Medusa que, em 1816, soçobrou na costa da África Ocidental, quando se dirigia ao Senegal. Levava cerca de 400 passageiros a bordo, mas os botes salva-vidas só podiam resgatar 250. Assim, 150 pessoas foram jogadas numa jangada feita às pressas. Dessas, apenas 10 sobreviveram depois de 13 dias perdidas no mar. Vitimados pela fome e sede, dizimaram-se uns aos outros. O fato tornou-se um acontecimento escandaloso, cuja responsabilidade caiu sobre o comandante, um homem arrogante, protegido pelo regime Bourbon.

Géricault  fez inúmeros desenhos e esboços a fim de captar melhor aquilo que queria externar. Escolheu para pintar o momento em que os sobreviventes do naufrágio avistam ao longe o pequeno navio mercante Argus, responsável por salvá-los. Para criar sua obra de tom heroico, contatou dois sobreviventes (o médico Savigny e o cartógrafo Corréad) da tragédia, além de ler o livro escrito por ambos. Fez uma maquete de uma jangada em tamanho real  a fim melhor representá-la, dispondo figuras de cera sobre ela. Fez esboços de feridos, moribundos e cadáveres na tentativa de ser fiel à realidade. O artista chegou a visitar um hospital  para compreender melhor os detalhes anatômicos humanos, levando uma cabeça cortada e membros do corpo, colhidos num necrotério, para seu atelier. Também fez uso de modelos vivos. A obra tornou-se tão real que é possível ao observador imaginar-se entrando na jangada que ocupa o primeiro plano da tela. A parte dedicada ao mar ganhou pouco destaque.

A obra – pintada quando o artista tinha apenas 27 anos – apresenta um grupo desesperado de pessoas sobre uma jangada feita dos escombros (tábuas, cordas, partes do mastro, etc.) da fragata Medusa, à deriva no mar, em meio a ondas bravias, aguardando socorro. Muitos dos náufragos já se encontram mortos. Apesar da tristeza e do desespero reinante é possível captar o intenso alívio e a emoção do pequeno grupo, à direita, à vista de socorro, o que imbui a obra de grande dramaticidade. O grupo forma uma pirâmide menor. Vale lembrar que os sobreviventes já se encontravam quase mortos e enlouquecidos, mas, ainda assim, foram pintados como jovens fortes e musculosos.

Corpos sem vida espalham-se por toda a jangada. Um deles, em primeiro plano, tem a cabeça na água. À esquerda, um pai, com um pano vermelho nas costas, lamenta a morte do filho, segurando seu corpo nu sobre a perna esquerda, sem mostrar interesse algum pela possibilidade de resgate. Atrás dele, mais ao fundo, um homem segura a cabeça com as mãos, lamentado a própria sorte. O restante dos sobreviventes traz os olhos voltados para a embarcação, ainda minúscula, ao longe, num ato de desespero e esperança, pois eles poderiam não ser vistos. Um homem, sobre um caixote, tenta levantar o mais alto possível a bandeira, sendo seguro por outro. Abaixo, recostado a um barril, outro homem ergue um pano branco. Outro se volta para trás, para anunciar aos companheiros o que acabara de ver, apontando para o horizonte distante.

À direita, um vagalhão em forma de pirâmide ameaça a jangada, contrapondo-se à vela. A natureza mostra sua força através da vela inflada pelo vento e pelos movimentos tempestuosos do mar. Ainda assim, raios de luz entrecortam as nuvens, como se trouxessem um vestígio de esperança. A presença de um machado com sangue na cena, em primeiro plano, é uma referência ao canibalismo relatado pelos sobreviventes. A presença de uma figura em silhueta, com o braço em perspectiva, eleva os olhos do observador da parte baixa da embarcação para o topo dramático formado pelo pequeno grupo que tenta chamar a atenção do Argus.

O artista  usou duas pirâmides para fazer sua obra. A primeira é formada pelas cordas que seguram a vela. A segunda é feita pelas figuras humanas, tendo na bandeira o ápice. Ela traz na sua base os doentes e agonizantes até chegar ao grupo que aguarda o resgate, ou seja, vai da agonia à esperança.  Uma melancólica e dramática paleta de cores, predominando os tons de carne, presentes nos corpos pálidos, postados nas mais diferentes posições. Através do claro-escuro do estilo Caravaggio, eles recebem um destaque pungente. Tons quentes contrastam com o azul escuro do oceano em fúria, debaixo de um céu de nuvens revoltas, mas bem mais claro. O tom escuro da pintura parece fortalecer a desdita tenebrosa das vítimas. Uma infinidade de influências de artistas anteriores é vista na obra.

Há no conjunto desta obra, considerada um clássico do Movimento Romântico, movida por uma brutal e intensa paixão, muitos movimentos complexos e gesticulação. Sua estrutura é piramidal e tem no mastro o seu ápice. Antes de criá-la, o artista fez cerca de cinquenta estudos. A inclusão de um negro segurando a bandeira vermelha e branca serviu de elemento polarizador, ao trazer para a discussão o movimento abolicionista, defendido pelo artista. Géricault criou esta pintura com o objetivo de repassar uma mensagem ao povo. Ainda sob o calor do terrível acontecimento, ela se tornou logo famosa, ganhando aplausos da crítica e do público. Foi mostrada no Salão de 1819, com o título “Cena de um Naufrágio”, sendo mal recebida. O júri não lhe concedeu nenhuma láurea. Em razão do boicote a seu trabalho, o artista foi a seguir para a Inglaterra, a convite, onde permaneceu dois anos. Só foi vendida após a morte prematura do artista, quando tinha 32 anos, ao amigo Dedreux-Dorcy.

A pintura, vista antes como um panfleto contra o governo, foi mudando aos poucos o seu enfoque diante do realismo e da comoção produzida, pois os fatos que se escondem por trás dela são ainda mais cruéis. A crítica política ficou em segundo plano, e o sofrimento humano, ou seja, a vida humana abandonada à própria sorte, passou a ocupar o primeiro lugar. Embora se trate de uma das primeiras pinturas do Movimento Romântico, com sua obra Géricault vislumbrou a chegada do Realismo, assim como o uso da mídia como uma ferramenta política.

Obs.: Esta pintura vem se degradando com o tempo, já tendo perdido muitas partes dos detalhes originais. O próprio pigmento (betume) utilizado pela artista tem contribuído para isso, sem possibilidade de restauração.

Ficha técnica
Ano: 1818
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 491 x 716 cm
Localização: Museu do Louvre, Paris, França

Fontes de pesquisa
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
1000 obras-primas da pintura europeia/ Könemann
Arte em Detalhes/ Robert Cumming
http://www.louvre.fr/en/oeuvre-notices/raft-medusa
http://estoriasdahistoria12.blogspot.com.br/2013/08/a-jangada-da-medusa
http://www.artble.com/artists/theodore_gericault/paintings/the_raft_of_the_medusa

2 comentaram em “Géricault – A JANGADA DA MEDUSA

  1. Rodolpho Caniato Autor do post

    Caríssima LU,

    Seu texto logo nos fez, a mim e à Abigail, sentir que se trata de uma Professora de História da Arte: uma bela aula.

    Eu não conhecia esse quadro e sorvi uma bela dose de cultura com todas as suas informações. A pintura realmente lembra Caravaggio em todos os tons claro/escuros da tragédia. Ficamos devedores de uma grande dose de cultura.

    Grande abraço.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Prof. Caniato

      Não sou professora de História da Arte, mas alguém encantado com ela. Todos os meus trabalhos são frutos de inúmeras e incansáveis pesquisas.

      É um grande prazer ter o senhor e sua esposa como leitores.

      Abraços,

      Lu

      Responder

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