Autoria de Lu Dias Carvalho
Meu melhor quadro é aquele que imaginei deitado na cama, através da fumaça do cachimbo e que nunca cheguei a pintar. (Van Gogh)
Toda a obra de Van Gogh transmite uma mensagem forte e apaixonada: a carga expressiva da sua pintura revela os estados de ânimo do artista, a sua alegria ou a própria dor. (Maria Carla Prette)
O primeiro contato de Vincent van Gogh com a arte deu-se quando trabalhou como aprendiz na filial da galeria de arte francesa em Haia, especializada na venda de gravuras. Foi o despertar de sua grande paixão pelo mundo da pintura, ao qual devotou a sua mais profunda dedicação. Com a mesma devoção com que se empenhou em ajudar os pobres mineiros e camponeses, executou o seu trabalho de pintor, pois via nele o mesmo valor de uma missão religiosa.
Van Gogh gostava de retratar as pessoas do campo, as mulheres em seus afazeres diários e a natureza. Não lhe agradava a sociedade burguesa e o seu pedantismo. O artista devotava uma grande paixão aos camponeses e trabalhadores, principalmente pelos valores morais e religiosos que carregavam. Amava-lhes a nobreza da simplicidade, mesmo diante da vida difícil que levavam. E achava que o mundo rural em que viviam era menos corrupto do que o da cidade. Preferia a essência de tal realidade para pintar seus quadros. Tanto é que uma de suas obras-primas é a tela intitulada Os Comedores de Batata, na qual expõe com destreza e alma uma complexa composição de figuras. Nela, ele domina com maestria os tons escuros e claros.
Theo, seu irmão solidário, enviava a Van Gogh figuras, principalmente do pintor Millet, por quem nutria grande admiração, para que ele as copiasse. Agradava-lhe sobretudo a pintura campesina, tema comum em sua extensa obra. O artista buscava encontrar a essência de tudo que pintava quer na forma exterior, quer no sentido interior. Chegou a recusar o trabalho com modelos em gesso, sob o argumento de que queria pintar a vida. No período em que deu aulas de pintura, levava seus alunos para o campo e os encorajava a pintar repentinamente, e pedia-lhes que não fizessem nenhum retoque. Porque assim pintava o mestre, sendo a rapidez uma de suas características. A paisagem foi sempre o seu tema predileto.
Ao conhecer as xilogravuras japonesas, Van Gogh caiu de amores por elas e passou a colecioná-las, principalmente as de Hiroshige. Ele não apenas tinha as gravuras em sua coleção, como gostava de refazê-las, reforçando os efeitos que mais o encantavam. Das estampas japonesas o pintor retirou muitas lições. A influência da arte japonesa pode ser vista nas suas últimas obras.
A partir de sua permanência em Paris Van Gogh deixou de lado a temática sombria e obscura da época em que pintava os camponeses e deu às suas obras tons mais claros.Pintou muitos quadros nos arredores de Paris. Fez muitos quadros sobre flores, iniciando a temática dos seus famosos girassóis, quando passou a usar cores vivas. Por isso, necessitava retornar ao campo, onde encontraria a luminosidade tão desejada no contato com a natureza, de modo que a exuberância que dela jorrava entrasse viva em suas telas. Pois ali se encontrava a essência e a mais profunda beleza da criação, que ele desejava repartir com a humanidade na maestria de suas telas. Natureza e cor eram, sem dúvida, os baluartes de sua fé na arte que fazia. A veemência da cor encantava o artista cada vez mais. Para dar vazão à sua inquieta existência, mergulhava no êxtase das cores fortes em dilaceradas pincelagens.
O pintor holandês assinava seus quadros usando apenas o nome próprio: Vincent, com a intenção de botar uma distância entre si e as suas origens, numa família de carreiristas “piedosos” e de pequenos burgueses. Ele se via apenas como indivíduo, sendo necessário apenas o seu nome próprio. Apenas importava-lhe a opinião de Theo sobre a sua arte, pois ele era não apenas o seu público artístico, como parte dele nos seus quadros. Assim, escreveu ao irmão em agradecimento: Sinto que os meus quadros ainda não são suficientes para compensar os benefícios que tive atrás de ti. Mas acredita em mim, se um dia forem suficientemente bons, terás sido tão criador quanto eu, porque nós dois fizemo-los juntos.
Ao pintar os maravilhosos trigais de julho, o artista escreveu a seu irmão Theo: São vastas extensões de trigo sob céus tempestuosos e não tive dificuldades para expressar a tristeza e a extrema solidão.
A Vinha Vermelha foi o único quadro de Van Gogh a ser vendido num evento em Bruxelas. Embora precisasse de dinheiro para suprir suas necessidades mais prementes, ele não se importou com isso. Continuou pintando apaixonadamente e trabalhando com furor. Sobre a sua obra, assim se expressou o crítico de arte Albert Aurier: Trata-se do universal, louco e deslumbrante fulgor das coisas; trata-se da matéria, da natureza inteira retorcida freneticamente, exaltada ao extremo, elevada ao ponto mais alto da exacerbação; trata-se da forma que se converte em pesadelo, da cor que se converte em chamas, lava e pedras preciosas, da luz que se converte em incêndio, da vida, da febre alta…
É impossível não reconhecer Van Gogh em cada uma de suas obras, com seu estilo único, quer pelo seu temperamento inquieto quer pela originalidade. Suas criações – árvores, flores, céus, campos, pássaros, pessoas e tudo o mais – parecem ganhar vida própria sob o olhar hipnotizado do espectador maravilhado e, ao mesmo tempo, aterrorizado diante de tanta força de vida que dali brota. É como se a mão do artista tivesse sido levada pela impetuosidade de sua mente que seduzia a natureza, onde tudo parecia criar vida nova, contorcendo e tremulando sob o queimor das cores que saíam vivas de sua paleta. O seu estilo de pintura acompanhou a sua mudança psicológica, trocando o pontilhado por pequenas pinceladas.
Van Gogh era guiado por uma força espiritual sem limites, que lhe era totalmente incontrolável. Através dela ele expressava suas paixões e sentimentos, ao manejar seu pincel, mergulhado no mundo das cores e no contato íntimo com a natureza e seus camponeses, principalmente. Ele não era um mero observador daquilo que pintava. Ao contrário, em cada pintura sua é possível captar sua alma, pois tinha a capacidade de imprimir em suas obras todas as emoções que brotavam em seu coração, quase sempre atormentado.
O mais esdrúxulo é saber que seu estilo não só foi ignorado, como também desprezado pela maioria de seus contemporâneos, tendo ele permanecido solitário tanto na arte quanto na sua breve vida. Mas o tempo tratou de redimir, com justiça, a obra desse fantástico gênio, que hoje tem admiradores em todas as partes do mundo. Sua mensagem artística continua cada vez mais viva. Foi recebida com entusiasmo pelos novos pintores que o precederam no início do século XX. Uma prova da admiração que mesmo os leigos em arte nutrem pelo pintor é o fato de que os livros sobre Van Gogh são os mais difíceis de serem encontrados, mal chegam às livrarias já são vendidos.
Nota: Campo de Trigo com Corvos (imagem à esquerda) – é um dos últimos quadros pintados por Van Gogh. Foi interpretado como um presságio de sua morte. Ele se encontrava à época preocupado com as dificuldades de Theo. No quadro o artista expele a sua angústia e solidão pelas quais passava nos campos de trigais ermos e cheios de corvos. Mostra a sua impotência diante da vida. A Vinha Vermelha (imagem à direita) foi a única obra de Van Gogh a ser vendida, enquanto viveu.
Fontes de pesquisa:
Mestres da Pintura/ Editora Abril
Grandes Mestres da Pintura/ Coleção Folha
Para Entender a Arte/ Maria Carla Prette
Van Gogh/ Coleção Girassol
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Lu
Parabéns, belíssimo texto sobre Van Gogh. Van Gogh foi um gênio esquecido em sua época, mas depois, com muita justiça, muito valorizado. É o meu pintor predileto! Admiro-o como pintor e como pessoa humana.
Abraços
Marcos Vidinha
Marcos
Somente hoje descobri que os comentários estavam caindo na caixa de Spam. Portanto, perdoe-me a demora em responder-lhe.
A respeito de Van Gogh, também lhe tenho o maior carinho. Gostaria de ter vivido naquela época, para poder ajudá-lo. Se ele soubesse que o futuro pertencer-lhe-ia, teria sofrido menos. Bendito seja ele.
Abraços,
Lu