Historiando Chico Buarque – UM CHORINHO

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Autoria de Lu Dias Carvalho

dicaval

Mas não faz mal/ E quem quiser que me compreenda/ Até que alguma luz acenda, este meu canto continua/ Junto meu canto a cada pranto, a cada choro/ Até que alguém me faça coro pra cantar na rua. (Chico Buarque)

O poeta amanheceu com o coração partido ao ver as agruras gritantes de seu povo. Ele que só sabia fazer poesia e dedilhar seu violão ou cavaquinho, achou-se pequeno diante das leviandades que via acontecer. Queria ter poder para mudar tudo, a começar pela Justiça terrena, uma vez que a divina encontrava-se muito distante. Mas era preciso ter paciência e aguardar o brotar de um novo tempo, em que os poderes constituídos cumprissem seu real dever, pensando na gente do país, e não apenas guiados pela bandeira da pecúnia e do mal. E pensando assim, tomou nas mãos seu cavaquinho e foi sentar-se sozinho num cantinho da pequena praça, para lamentar a sua dor.

O poeta chorou e chorou por um longo tempo. Mas depois pensou em transformar seu choro num chorinho, perpetuando aquele momento de desencanto. Era preciso transformar em versos a desilusão, dar-lhe vida, para que ela passasse a fazer parte dos anais da história de seu povo, e não acontecesse nunca mais. Ele chamou sua morena, que também andava desiludida, para que o ouvisse, e assim cantou: “Ai, o meu amor, a sua dor, a nossa vida/ Já não cabem na batida/ Do meu pobre cavaquinho/ Quem me dera/ Pelo menos um momento/ Juntar todo o sofrimento/ Pra botar nesse chorinho”.

Dos olhos acastanhados da morena desciam grossos pingos de água salobra, filtrados no âmago de seu  ser. Doía-lhe ver seu homem assim tão desalentado, sem que nada  pudesse fazer para diluir sua amargura. Ela só podia escutar seu pranto no canto que ele transformava em chorinho, doído, como se tocado pelas cordas do coração. E ele continuou: “Ai, quem me dera ter um choro de alto porte/ E anunciar a luz do dia/ Mas quem sou eu/ Pra cantar alto assim na praça/ Se vem dia, dia passa/ E a praça fica mais vazia”.

A dor do poeta era tamanha, que ele temeu que sua morena deixasse-o sozinho, entregue à  própria angústia. Queria-a bem agarradinha ao seu coração, de modo que ela pudesse lhe soprar um alento de vida. A mulher compreendeu sua desolação e envolveu-o com força. E o poeta murmurou: “Vem, morena/ Não me despreza mais, não/ Meu choro é coisa pequena/ Mas roubado a duras penas/ Do coração”. Ela beijou-lhe os cabelos, os olhos e as mãos, enquanto ele completava: “Meu chorinho/ Não é uma solução/ Enquanto eu cantar sozinho/ Quem cruzar o meu caminho, não para não”.

Acalentado pelo amor de sua musa, o poeta foi-se enchendo de garra e compreendeu que seu talento não lhe fora dado em vão. Seus versos musicados poderiam ecoar de norte a sul e de leste a oeste de seu país. A ele cabia a missão de botar o seu dom a serviço de sua nação. Ele então cantou forte e alto, para que nas casas em derredor, todos pudessem ouvir: “Mas não faz mal/ E quem quiser que me compreenda/ Até que alguma luz acenda este meu canto continua/ Junto meu canto a cada pranto, a cada choro,/ Até que alguém me faça coro pra cantar na rua”.

Após ouvir o chorinho do poeta, que ainda dedilhava seu cavaquinho, as pessoas foram deixando suas casas, algumas delas levando instrumentos musicais, outras flores, e até mesmo vinho para o cantador mais compassivo da cidade. A praça encheu-se de uma vigorosa força. O poeta e sua mulher sentiram que não mais estavam sós, pois o povo era o dono de tudo e toda a força emanava dele.

Obs.: ouçam a música –  UM CHORINHO

Nota: a ilustração é uma obra de Di Cavalcanti, denominada Baile Popular.

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6 comentaram em “Historiando Chico Buarque – UM CHORINHO

  1. Chico Frois

    Lu, lindo chorinho. Fiz o comentário foi no link. Estava com muito sono, nem percebi. Seu historiando está divino.

    Beijos. Chico

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Chico

      Deixa-me muito feliz a sua presença e comentário no blog. Na arte a gente tem sempre que reinventar, ainda mais em se tratando de nosso ídolo.
      E vem muito mais.

      Beijos,

      Lu

      Responder
  2. Leila Gomes

    Oi, Lu

    Emoção com arte exerce uma soberania visceral sobre nós. Qualquer sentimento embainhado com música, poesia, pintura, se transforma numa profusão de sentidos em nosso âmago.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Leila

      Encanta-me essa sua inteligência e sensibilidade, capaz de captar a essência da arte, onde quer que ela apareça. Obrigada, minha querida!

      Abraços,

      Lu

      Responder
      1. Leila Gomes

        Obrigada, Lu

        Arte é sensibilidade a olho nu e de você com maestria emana essa percepção.

        Grande abraço.

        Saudades de vocês.

        Responder
        1. LuDiasBH Autor do post

          Leila

          A riqueza da composição do Chico Buarque pode levar-nos a dela extrair uma inesgotável fonte de trabalho com a sensibilidade. Também irei historiar outros mestres da música.

          Beijos,

          Lu

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