O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental. Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos fala sobre a posição de jogador e a de torcedor:
Nos esportes prefira, se puder, o papel de jogador ao de torcedor. Pratique as formas que:
– empreguem racionalmente os músculos;
– estimulem a circulação; deem prazer;
– eduquem o espírito;
– treinem a coragem;
– não sejam interessantes somente pela índole competitiva;
– levem-no ao ar livre, à luz do sol, finalmente à utilização inteligente de suas energias; – contribuam para aliviar tensões e inibições; ensinem a controlar a agressividade com o respeito às regras convencionadas;
– não concorra para gerar ansiedade, ultrapassar-se a si mesmo;
– não lhe esgotem os nervos e descontrolem o coração e a respiração; não transformem você num bruto;
– não lhe acentuem o sentido de rivalidade;
– não o deprimam nas chamadas “derrotas”, nem lhe alimentem orgulho e a vaidade nas chamadas “vitórias”;
– não lhe absorvam tanto a ponto de desequilibrar o emprego do tempo que a família e a profissão esperam de você.
Agora vamos considerar o esporte como fonte de emoção para quem está de fora. O torcedor é aquele sujeito encarapitado na arquibancada ou pregado junto ao transmissor (rádio ou televisão) a acompanhar os lances de seu time ou de seu competidor preferido. Identifica-se inteiramente com um ou outro e goza ou sofre intensamente com o que se passa. Já alguém disse que a competição desportiva é uma guerra “de faz de conta”, envolvendo milhões de seres humanos, não somente os contendores na área de luta.
O torcedor é um combatente que, empenhado na conquista da vitória, deixa-se tomar de profunda ansiedade e, na perspectiva da derrota, cai presa de raiva, ansiedade ou medo. Ansiedade, prazer, medo e desgosto se sucedem no psiquismo e nas vísceras de quem, como torcedor, assiste a uma partida. Enquanto os contendores, travando o combate na cancha ou no ringue, expressam-se fisicamente e exercitam-se no plano muscular, o infeliz do torcedor age somente com os nervos e glândulas. Sua condição é deplorável: exercício físico – nenhum; desgaste nervoso – tremendo. Imagine o que resulta daí…
Em muitos casos, até a morte por um ataque das coronárias tem acontecido. Milhares de pessoas perdem a calma, o gosto pela vida e até o autocontrole, pois tem havido casos de assassinatos por torcedores em pleno “sofrimento” da derrota de seu quadro. É de supor que milhares de úlceras tenham origem nos “sofrimentos” dos torcedores esportivos. O futebol já desencadeou uma guerra internacional.
Há uma infinidade de razões para que se desenvolvam as competições esportivas. Elas são eminentemente humanas. Os homens primitivos competiam. Os gregos criaram as olimpíadas. As disputas internacionais, se bem que acentuem sentimentos nacionalistas às vezes desmedidos, estabelecem vínculos de convivência, unindo os homens de todas as nações.
As lutas futebolísticas no Brasil, por exemplo, preenchem relevante papel social. O homem pobre que passa a semana num trabalho monótono e mal remunerado, cheio de problemas e dificuldades várias, na partida de domingo esquece as mágoas e descarrega algumas preocupações. No entanto, as pessoas excitadas, os ansiosos, os chamados nervosos agitados, os muito sensíveis, aqueles portadores de síndromes psicossomáticas, os que já tiveram infartes do miocárdio, os de fígado sensível, devem evitar as emoções do torcedor. Devem ficar à margem das lides desportivas.
Aos candidatos às vivências mais profundas e compensadoras do Yoga, a emocionalização industrializada é nociva. O praticante de Yoga tem a seu alcance emoções de alta sublimidade, onde o gozo é sereno e confortante. Não resta dúvida que os tipos portadores de monoideísmo e introspecção patológicos, isto é, as pessoas centradas em si mesmas, autistas, doentiamente ensimesmadas, lucrariam se comparecessem a tais espetáculos e se integrassem na atmosfera competitiva, se saíssem de si mesmas e compartilhassem do entusiasmo dos outros. Tais tipos, no entanto, são raros e recalcitrantes.
A maioria dos que lotam as arquibancadas no dia de jogo e, ainda nos dias subsequentes, desgastam-se em discussões iracundas, improdutivas e ruidosas, é constituída de pessoas a quem esta excitação ainda mais desarranja os nervos e agrava a ansiedade. A esta maioria, em nome de sua tranquilidade e consequente libertação de fenômenos psicossomáticos, eu diria que evitassem se apaixonar na torcida esportiva e que a substituíssem por divertimentos menos dopantes.
*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.
Nota:
Nota: O Futebol, obra de José Ramón
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