Autoria do Prof. Hermógenes
O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental. Neste texto, retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos fala sobre o sentimento de inutilidade e o valor do trabalho.
É doença muito triste o sentir-se inútil e incapaz para o trabalho. Desde a infância me ensinaram que a “preguiça é a mãe de todos os vícios”. Quem se sente sem o que fazer de bom e criador, usa muito facilmente o tempo disponível para pensar, sentir e agir para o mal, isto é, viver contrário à saúde e à paz. Tempo vago à disposição de mente impura é um perigo para o indivíduo e para a coletividade. Ao contrário, quem não desperdiça tempo, usando-o para pensar, sentir e fazer algo construtivo, não tem tempo para as doenças e para o tédio.
Tenho conhecimento de pessoas que, aproveitando-se de direitos à aposentadoria quando ainda moças e válidas, tornaram-se neuróticas, graças ao vazio que tomou conta de suas vidas. Verdadeiramente caíram vítimas da corrupção da mente. Neste caso, o tratamento mais adequado é a ergoterapia, isto é, tratamento pelo trabalho. Foi o que aconselhei a um amigo que, em várias oportunidades, lastimava-se dizendo que estava se aproximando o dia de aposentar-se e que se via amedrontado com a inutilidade e estagnação em que já vivia e que iriam aumentar. O tédio já era insuportável. Falou-me em suicídio.
Em resposta, disse a esse amigo que perderia o direito de fazer tantas queixas, de falar de sua angústia, se, no dia seguinte, não começasse a fazer algo. Não por si mesmo, mas pelos outros. Não com a atitude mental de quem toma uma poção amarga, mas fazer algo por alguém necessitado e fazer tudo com renúncia de qualquer remuneração e com alegria íntima, sem esperar compensação, mesmo que fosse sua melhora, sem esperar pagamento ou título de benemérito, nem da ação ou Karma Yoga, que significa união com Deus, através do trabalho no mundo. A ação só é redentora quando praticada num estado de não eu. Sem visar os resultados. Com seva, já o vimos. O Karma Yogui não se julga o autor das obras. Vive como instrumento nas mãos do verdadeiro obreiro: Deus. Para uma pessoa aposentada, com uma boa pensão e família criada, não necessitada de remuneração, o Karma Yoga não é difícil. Tal não é o caso de quem precisa ganhar subsistência.
A remuneração por serviços profissionais é direito de todos e não se pode rejeitar. Mas, mesmo os profissionais têm como, a certas horas e em certas circunstâncias, prestar serviços a Deus na pessoa do próximo. E como isto é terapêutico! Como faz bem! Os que não veem na vida outro objetivo senão o trabalhar para satisfazer sua aquisitite (doença que, obsessivamente, leva-nos a juntar sempre mais), aqueles que se matam para crescer, merecer, ganhar e mais ganhar, acabam adoecendo, não só por excesso de fadiga, mas adoecem também de traumatizante decepção, pois as riquezas, tão esforçadamente acumuladas, não o livram da decrepitude e da morte. Essas pessoas se esquecem de que mortalha não tem bolsos.
Começamos esta conversa dizendo que a vadiagem é causa de doença. Chegou a hora de dizer também que a exacerbação no trabalho profissional não o é menos. O trabalho pode preservara saúde, pode curar, mas também enfermar. Tudo depende de como e quanto se trabalha. Trabalhe muito, produza muito, mas sem se esgotar, nem comprometer o tempo destinado à família, à recreação e ao serviço de Deus. Trabalhe com persistência, gostando do que faz, sentindo a importância do que faz. (Todo trabalho é valioso e necessário.) Seja justo no preço e honesto na performance. Faça o melhor que puder, não importa que seu trabalho seja humilde. Trabalho nunca é humilhante, a não ser aos olhos do ignorante. Quem é mais credor de respeito e de gratidão: o lixeiro perfeito ou o ministro corrupto?
Nunca se desespere, se uma infeliz situação o reduzir à invalidez. Se não puder trabalhar, aproveite todas as horas de solidão e medite, ou faça seus exercícios espirituais, procurando a comunhão com o Divino, seja pela oração, seja pelo estudo. O ócio só chega a ser deletério para a alma imatura. Quem sabe da Onipresença, nunca se sente só, mesmo que se encontre paralítico num hospital e esquecido dos amigos e abandonado pelos filhos e irmãos. Na solidão, o sábio cresce em poder espiritual. No ócio, o tolo se estiola e esvazia. Mas o sábio sabe tirar do ócio a quietude e o silêncio necessários a escutar a voz de Deus. Trabalhe. Viva. Transforme-se. Enriqueça-se espiritualmente, cumprindo sua missão nesta vida. Nunca se contente com o parasitar.
*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google (ver na página 259 do livro a descrição de várias técnicas de relaxamento).
Nota: O Lavrador de Café, obra de Cândido Portinari
Views: 1