Autoria de Lu Dias Carvalho
Vimos no texto anterior que o Major era um grande idealista que conclamava seus companheiros a lutarem contra a escravidão imposta pelo Homem aos animais, ainda que a liberdade durasse um século para chegar. Mas, para infelicidade de todos os bichos da Granja do Solar, o velho sábio morreu dormindo, três dias depois da convocação. Contudo, deixara plantada no coração de cada um a semente da liberdade.
A maioria dos animais concluiu que não poderia deixar o ideal de uma nova perspectiva de vida, tão ardorosamente defendida pelo velho mestre, morrer. Eu digo “a maioria”, porque sempre existem aqueles indivíduos omissos que, ou esperam que os outros façam a parte deles, ou põem água na fervura, tentando justificar a vida que levam, passando-se por vítimas, quando não se posicionam ao lado daqueles que os escravizam. São os tipos mesquinhos encontrados por todos os cantos deste planeta, e não é de se surpreender que também existissem na Granja do Solar. Conheça o leitor algumas das desculpas esfarrapadas apresentadas pelos tais:
- Se seu Jones nos deixar, estaremos fadados a morrer de fome.
- Continuará existindo açúcar depois da revolução?
- Já que a liberdade poderá levar até um século para chegar, o que nos importa lutar por ela, se só vai acontecer após nossa partida deste mundo? Não ganharemos nada com isso.
- Se essa revolução vai acontecer de qualquer jeito, tanto faz fazermos parte dela ou não.
Apesar da presença de uns poucos negligentes, caiu sobre os porcos, tidos como os mais preparados e inteligentes dentre os animais, a tarefa de dar continuidade aos planos da revolução. Dentre eles, estavam dois varrões, os únicos que não foram castrados: Bola de Neve e Napoleão. Enquanto o primeiro gozava de bom conceito entre os companheiros, apesar se sua aparência amedrontadora, o segundo não era visto com bons olhos, pois achavam que lhe faltava caráter. Também não posso me esquecer de Garganta, um porquinho gorducho e serelepe, que manejava a palavra com maestria e, era tão convincente, capaz de fazer acreditar que o preto era branco.
Os três personagens acima foram os responsáveis por organizar os ensinamentos deixados pelo Major, cujo conjunto veio a receber o nome de Animalismo. As reuniões continuavam a todo vapor, mal o granjeiro Jones caía no sono. Bola de Neve até se aproveitou de uma conversa com Mimosa, a égua fútil e vaidosa, para ensinar ao grupo como a escravidão pode imperar sem que percebamos, quando ela lhe questionou:
– Depois da revolução eu poderei usar meus laços de fita? – indagou Mimosa.
– Camarada Mimosa, os laços de fita que tanto lhe agradam, nada mais são do que as marcas de sua escravidão. A liberdade é muito mais importante do que um laço de fita – rematou Bola de Neve.
Palavras sábias do novo líder, pois foi ganhando espelhos e outros penduricalhos que os índios das Américas deixaram-se escravizar pelos invasores, embora muitas tribos tenham combatido até o último suspiro. E é também com salários de fome e a destruição de suas riquezas naturais, que trabalhadores de países pobres enriquecem os industriais do chamado Primeiro Mundo. Mas, quando se tem a noção de que se é escravizado e nada se faz, toma corpo a omissão, o pior de todos os males, porque embota a razão e faz cruzar os braços, tornando o escravocrata ainda mais forte. Vemos isso no mundo de hoje, em que se busca o lucro a qualquer preço e os valores éticos são tidos como ultrapassados.
Perdoem-me o hiato, mas é que fiquei tocada com as palavras de Bola de Neve. E, como se não tivesse nada mais a ser resolvido entre os animais, de modo que todos empunhassem a mesma bandeira, Moisés, o corvo de estimação da família do senhor Jones, espião e bajulador hábil, não querendo perder as benesses que recebia, caso mudassem as regras, achou por bem espalhar uma mentira. Mas isso veremos no próximo capítulo.
Fonte de pesquisa:
A Revolução dos Bichos/ George Orwell
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Beto
Quantos mensalões existiram ao longo de nossa chamada República?
Certamente não apenas os dois últimos, envolvendo o partido que esteve no poder antes do atual, inclusive envolvendo um ex-governador do meu Estado, e o que ora se encontra no comando.
É tão triste tudo isso.
Dá uma dor danada no coração da gente, saber que os nossos representantes estão sempre na contramão da história.
Quanto a Kafka, poderá aguardar, embora eu tenha alguns outros na frente.
O meu predileto é Metamorfose.
Abraços,
Lu
Neste capítulo, o que mais me chamou a atenção foi a frase da Mimosa:
“Depois da revolução eu poderei usar meus laços de fita?”
Ontem, li no site Carta Maior(sem tentar aqui trazer política) que um presidente, recém eleito, foi entrevistado por uma grande emissora de televisão, que lhe perguntava sobre “as cotações das bolsas de valores, do dólar e do real e sobre a agitação e calmaria dos “mercados”, e ele, risonho, com tranquilidade, voltou aos entrevistadores e lhes disse: “Vocês não têm outros assuntos? Cadê a fome, o desemprego, a miséria, a desigualdade social?” (expressão mencionada, em artigo, pela filósofa, Marilena Chauí, no site Carta Maior).
A Granja do Solar parece que quer ficar de pé, mesmo com o Jones indo para o seu destino final.
Realmente, esta história de George Orwell começa a fazer, para mim, grande sentido. E pensar que foi escrita em 1945!
Ed
Mimosa é aquilo que chamamos hoje em dia: “inocente útil”.
Marilena Chauí é uma grande socióloga de nosso país.
Realmente, ninguém parece se importar com o zé povinho, pois, as “bolsas” realmente beneficiam as grandes empresas, dentre elas os bancos privados, que deixam de ganhar mais do que querem, inda que continuem a ganhar muito.
Os artigos da Carta Maior são muito bons.
Abraços,
Lu
Queridos amigos Edward e Lu,
A Dra. Marilena Chaui deve ter a sua opinião respeitada. Entretanto, ela ainda acredita em luta entre classe sociais, num mundo totalmente conectado pelas redes sociais, bem diferente daquela época em que George Orwell editou a A Revolução dos Bichos.
Entrei no site Carta Total, descrito pelo Gutie. Estranhei muito um artigo da Filosofa Chaui intitulado Crônicas Paulistanas. Para ser sincero, lembrei-me do livro A Metamorfose de Franz Kafka e das alucinações desse grande escritor. A professora Marilena menciona um fato de má educação de alguns motoristas como um fato corriqueiro dos integrantes da “Classe Média Alta” tentando “esmagar” a Classe dos Trabalhadores. Ela menciona um fato ocorrido no estacionamento de um banco onde iria sacar dinheiro (provavelmente de Classe Média Alta – SIC!) , onde um automóvel Mercedes bloqueava a entrada, mal estacionado por uma jovem que ela enquadrou socialmente só observando como ela estava vestida e pela bolsa que usava! Impressionante! Em seguida,ela fala da estação do Metrô no bairro de Higienópolis – para quem não conhece, este bairro é tradicional de S..Paulo que apresenta prédios com arquitetura europeia, vários moradores da colônia israelita – que tanto tem contribuído para o progresso de São Paulo e do Brasil, principalmente na medicina de padrão internacional, comercio, etc.
Não entendo o porquê de tanto ódio desta senhora pela Classe Média e pelo que ela denomina Neoliberalismo (eu nem sei o que é isso!) . O fato citado na crônica também ocorre em outros bairros mais pobres da Grande São Paulo. Quanto às roupas e bolsas de “grife” podem ser cópias “xinglings” compradas bem baratas no Centro de São Paulo por qualquer pessoa.
Não sei, sinceramente, em que classe posso ser enquadrado atualmente. Acredito que, quando moleque ( e o Gutie é testemunha ocular deste fato ) pertencia aos desclassificados. Também não estou interessado em saber a que classe social pertencem os leitores e colaboradores deste blog. Prefiro seguir o sábio conselho dos jovens manifestantes que gritavam um basta nas ruas. Também estou farto dos políticos e partidos que ai estão. Eles, em absoluto, não me representam. Espero que este blog continue não apresentando textos ou opiniões abordando a questão política, ideológica ou de partidos. O novo Brasil vivido está no video emocionante do link abaixo no Metrô de S. Paulo, um contraponto à ideologia anacrônica e kafkiana da Prof. Marilena.
http://www.youtube.com/watch?v=lUmEUwQLdtw
Abraços,
Beto
Beto
São tantos os pensamentos contraditórios, partindo daqui e dali, que nem mais me aborreço.
Conhece a história do “Homem, a mulinha e o menino”?
Pois é assim que sinto o mundo.
É impossível conter todas as ideias, por mais inverossímeis que nos possam parecer.
O que sei, meu amigo, que a luta é feroz pelo poder, onde quer que ele se encontre e qualquer que seja ele.
Sempre foi assim, e sempre será, pois, a ambição está entranhada nas vísceras humanas desde que o homem teve noção de que era possível diferenciar-se dos demais.
E pior, assim como tudo na vida, o poder é rotativo.
Quem não o tinha ontem, mas o tem hoje, não mais abre mão dele.
E isso vemos na família, na política, na religião, no esporte…
É por isso que sempre fui uma grande admiradora de George Orwell.
Na sua fábula, A Revolução dos Bichos, ele mostra como o homem vai se transformando, à medida que se torna mais poderoso.
Sua ética, seus preceitos morais rodopiam na bacia dos interesses escusos, como bem mostra a classe política, em quase todos os lugares do mundo.
São pouquíssimos os que escapam da vilanagem.
A Metamorfose, de Franz Kafka, é outro livro que pretendo trazer para o blog, fazendo uma releitura.
É um dos meus prediletos.
Grande abraço,
Lu
Lu,
A sua resposta é simplesmente brilhante! É evidente que no cerne da questão está a luta pelo poder. Já o poder absoluto – quer usurpado pela força ou pelo aparelhamento do Estado – corrompe absolutamente. O mensalão e os seus aterrorizantes desdobramentos, estão aí para provar este ponto que nós dois concordamos. Ainda bem que o clamor do povo honesto e decente nas ruas desmanchou esse processo deletério que estava em curso.
Aguardo os seus textos sobre Kafka. Este escritor foi muito importante para a minha formação, nos bons tempos em que a Filosofia era disciplina obrigatório no Curso Médio. Sugiro começar pela Muralha da China.
Um grande abraço,
Pimentel