Autoria do Prof. Pierre Santos
E outro anjo seguiu, dizendo: Caiu, caiu Babilônia, aquela grande cidade, que a todas as nações deu a beber do vinho da ira de sua prostituição (São João, Apocalipse, 14:8)
A propalada catástrofe do Apocalipse já aconteceu. Senão, vejamos. São João nutria uma verdadeira ojeriza, ódio mesmo, do Império Romano, que tantas atrocidades fazia contra os cristãos. Em tudo quanto escreveu, sempre denominando, simbolicamente, Roma de Babilônia, profetizava a catastrófica derrocada daquele Império, algo, aliás, previsível, embora naquele tempo ele fosse extenso e firme; mas nada há que dure para sempre, mormente um sistema político. Hoje em dia é quase unânime a concordância dos especialistas, considerando que a queda do Império Romano, o maior de todos os tempos, significou o cumprimento das profecias do apóstolo.
Todavia, a este respeito, há algumas observações a serem postas. Considere-se, antes de tudo, a visão de mundo que o apóstolo tinha, do qual apenas um quarto era conhecido e, dessa parte, João conheceu tão somente pequena parcela circunscrita num perímetro de mil quilômetros, se tanto, estendido do Oriente Médio à Ásia Menor (fora desse arco, apenas chegou até o leste do Egeu, na Ilha de Patmos), percurso esse que se fazia a pé ou em lombo de burro, por caminhos mal construídos, na maioria das vezes meras trilhas. Assim, para ele, previsão a surtir efeitos quase dois mil anos depois seria algo temerário, vago e inócuo, além do que era impensável.
Embora tenhamos várias referências de como era o mundo naquele tempo, é-nos quase impossível imaginarmos como teria sido então a vida do homem comum. No mínimo, bastante insípida. O indivíduo não tinha absolutamente nada à sua disposição. Não tinha rádio, jornal, televisão, celular, caneta ou lápis e papel para escrever (São João, como foi referido, escrevia seus textos em pergaminho, com materiais próprios, hoje fora de uso, o que lhe impunha a necessidade da síntese, como severamente sintéticos são eles). Diversões só havia para os abastados, assim mesmo bastante primárias. As moradias eram toscas, de móveis toscos e de toscas instalações, como eram as fossas mal cheirosas em ‘casinhas’ no quintal. Não havia eletricidade: o escurecer do princípio da noite era iluminado por velas ou lâmpadas de azeite, pois nem lampião de camisa de vidro existia ainda, pois este só seria inventado muitos séculos depois.
Para melhor compreendermos o que é o nosso tempo, em matéria de evolução, permito-me citar aqui um trecho do livro Arte e Comunicação, publicado em 1973, autoria de Jacob Klintowitz, um dos mais importantes críticos de arte das Américas, atuante em São Paulo, sendo este o seu livro de estreia. Diz ele à pág. 21: “Se os últimos 50 mil anos da existência do homem fossem divididos em períodos de vida de 65 anos cada, haveria 800 períodos. Desses, 650 foram passados nas cavernas. Somente nos últimos 70 períodos foi possível haver uma efetiva comunicação entre um período e outro, com o surgimento da escrita. Apenas nos últimos seis períodos viu o homem sua palavra impressa. Só nos últimos quatro pode-se medir o tempo com precisão. Nos dois últimos, alguém usou um motor elétrico pela primeira vez. E a maioria dos bens materiais, usados na rotina diária, foi desenvolvida no último período. Neste, alterou-se a relação dos homens com os recursos. No campo econômico isso pode ser verificado com facilidade. Nos últimos 65 anos a agricultura, base original de todas as civilizações, perdeu seu domínio em todas as nações desenvolvidas; nas outras, o esforço é no mesmo sentido. E mesmo a sociedade industrial que substituiu a agrícola, começa a perder-se no tempo. Num único período”.
Se naquele momento, quando Klintowitz escreveu o texto acima transcrito, a sua conclusão (quanto ao último período dentre os 800 nos quais dividiu os últimos 50 mil anos da existência humana) já era impactante, deixando-nos boquiabertos – que espécie de impacto causa em nós hoje o fato de que, só nos quase 40 anos passados desde a publicação de seu notável livro, portanto um tempo menor do que um período de 65 anos, o homem já fez muito mais, mas muito mais mesmo, do que pôde fazer da pré-história até o ano de 1973?! Aí, fico pensando o seguinte: se os grandes inventores desde o século XVIII – Samuel Morse, do telégrafo, em 1837; Graham Bell, do telefone, em 1876; Thomas Edison, da lâmpada elétrica, em 1879; os irmãos Lumière, do cinematógrafo, em 1895; Gugliermo Marconi, do rádio, em 1901; e Santos Dumont, do aeroplano, em 1906, entre outros, como os ligados à computação – levantassem da sepultura e viessem ver em que resultaram suas invenções, iriam ficar estupefatos, talvez chocados, com o que veriam.
Voltemos agora ao nosso São João. O mundo em seu tempo de vida era tão atrasado com relação ao nosso, que ele nem de longe poderia intuir, sequer fazer uma vaga ideia do que é nossa realidade – e nem estava preocupado com isto, pois o total de suas preocupações centrava-se no Império Romano e todas as suas previsões a ele se dirigiam e não demoraria o seu cumprimento. São João tinha plena consciência de suas limitações temporais, pois várias vezes frisou que tudo, quanto previa, não demoraria a acontecer.
Nota: Os Cavaleiros do Apocalipse, det. do mural Guerra e Paz, de Cândido Portinari, exposto na Onu, USA.
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