Fouquet – O DÍPTICO DE MELUN

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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Há um sabor de ousadia blasfema sobre o todo, insuperável por qualquer artista do Renascimento. (Johan Huizinga)

 A Virgem de Melun — também conhecida como Virgem com o Menino e Anjos ou Mandona e o Menino — é a parte complementar de um díptico que tem hoje suas duas partes separadas, encontrando-se localizadas em duas diferentes cidades: a parte localizada à esquerda está em Berlim e à direita em Antuérpia. A Virgem com o Menino ao colo é um tema constante na arte sacra ocidental.

Acima vemos o Díptico de Melun em sua forma original (gravura menor). O painel que compõe a sua parte direita é denominado Madona e o Menino, tendo sido encomendado ao pintor Jean Fouquet pelo tesoureiro do rei Carlos VII de França — Etienne Chevalier. Já o painel do lado esquerdo retrata seu doador, ajoelhado em oração — sendo encomendado à Virgem por Santo Estêvão, de pé ao seu lado. As figuras parecem ter sido modeladas.

Embora se trate de um tema sacro, com a presença de anjos, o modo como o pintor representou a Virgem está carregado de erotismo, ou seja,  a representação translada do divino para a esfera do profano. A Madona tem os seios bem modelados, sendo que um encontra-se à vista e sua visão nada tem a ver com o tema, pois o Menino não se encontra amamentando. O seio foi sempre visto como uma imagem erótica por si só. Contudo, alguns críticos têm para o peito nu uma explicação teológica: Maria mostra o seio aos homens em referência a seu papel de Mãe e de intercessora.

A Virgem é uma mulher belíssima, esbelta e elegante, de pele marmórea e perfeita. Ela usa um vestido de seda cinza azulado, entrelaçado de fita no decote e que deixa o ombro e o peito esquerdos a descoberto. Ela tem a testa protuberante e raspada à navalha — moda usada à época do pintor. Tem na cabeça uma larga coroa de ouro com pérolas e pedrarias e segura um luxuoso manto forrado de arminho.

A Virgem encontra-se num trono suntuosamente decorado com ouro, pedras preciosas e pérolas, transportado por um grupo de anjos azuis e vermelhos que preenchem o restante da composição. Ela sustenta no joelho esquerdo o Menino Jesus nu e com o mesmo tom de pele da mãe. Ele aponta para o doador com o dedinho da mão direita,  gesto que significa que as preces do tesoureiro foram ouvidas e que ele pode esperar a misericórdia divina.

O tesoureiro usa um rico traje de festa na cor vermelha, todo forrado de pele, com duas grandes ombreiras e muitas dobras — vestimenta própria dos nobres da época. O lugar com paredes e piso de mármore, onde se encontra ajoelhado, deve fazer parte de um palácio. É interessante notar o contraste irreal que o artista conseguiu ao usar o azul e o vermelho na feitura dos anjos. Todas as cores usadas são fortes e contrastantes e não existe lógica espacial na composição. Contudo, os detalhes ornamentais usados na coroa e no trono demonstram extrema sensibilidade.

Santo Estêvão é reconhecido pelos atributos que lhe são próprios: o Livro dos Evangelhos e sobre ele se encontra uma das pedras com que foi martirizado. Sua presença ali, ao lado do doador, confere-lhe o dever de interceder junto à Virgem pelo tesoureiro real. O livro que ele carrega está encadernado em couro vermelho, com bordas douradas e um ponto de leitura. Provavelmente deve ter pertencido à biblioteca do tesoureiro. É importante notar o interesse do artista pela textura e pela a superfície das coisas, como observamos na pele dos personagens, na pedra, no pano e no mármore.

Eu sempre me encantei com esta pintura desde que a vi pela primeira vez. O mais interessante nela é que Jean Fouquet previu o uso do silicone nas cirurgias de mama, conforme nos mostra sua Virgem moderníssima. Perdoem-me a brincadeira, mas o seio da Madona está bem de acordo com os dias de hoje, ou seja, todo siliconado.

Curiosidades:

  • Díptico — nome dado a qualquer objeto que tenha duas placas planas ligadas entre si através de uma dobradiça.
  • Agnès Sorel — amante do rei Carlos VII — é tida como a modelo utilizada nesta composição de Jean Fouquet, pintor da corte e do rei.
  • Agnès Sorel era uma mulher belíssima, tendo aparecido na corte com apenas 20 anos. O rei tinha o dobro de sua idade — apaixonou-se por ela, segundo conta o cronista da corte de Borgonha, enquanto sua mulher estava ocupada na educação de seus 14 filhos.
  • No lado esquerdo do díptico, onde se encontra a Madona e o Menino, predominam as cores azul, branco e vermelho que eram as cores do escudo do rei Carlos VII de França.
  • As duas tábuas que compõem o Díptico de Melun apareceram no mercado de arte após a Revolução Francesa. Um prefeito de Paris, nativo de Antuérpia, adquiriu o batente direito, que desde 1840 está exposto no museu dessa cidade. O batente esquerdo foi descoberto pelo poeta alemão Clemens Brentano na casa de um comerciante em Basileia, sendo incorporado mais tarde, 1896, à Pinacoteca de Berlim.

Ficha técnica:
Data: c. 1450
Técnica: óleo sobre Madeira
Dimensões: 91 cm cm × 81 cm cm
Localização: Real Museu de Belas Artes, Antuérpia, Bélgica

Fontes de pesquisa:
Los secretos de las obras de arte/ Taschen
A história da arte/ E. H. Grombich
Gótico/ Taschen

2 comentaram em “Fouquet – O DÍPTICO DE MELUN

  1. Antônio Costa

    Lu

    A cor vermelha intensa dos anjos em contraponto com o branco marmóreo da Virgem e do Menino confirmam as intenções “profanas” de Forquet em sua bela obra. Interessante é que justificam com os argumentos que os olhos querem ver!

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Antônio

      Naquela época o vermelho não possuía a simbologia sexual que tem hoje. Era a cor que representava o divino e a vestimenta dos reis. Era a cor do manto de Cristo. Veja como a simbologia vai sendo modificada através dos tempos.

      Abraços,

      Lu

      Responder

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