Autoria de Lu Dias Carvalho
A Morte da Virgem é o maior quadro de altar pintado por Caravaggio e também o que lhe trouxe maiores problemas. A obra foi encomendada por Laerzio Alberti Cherubini, advogado do papa, para sua capela na igreja das Carmelitas de Santa Maria della Scala em Roma. Foi recusada por parte do clero que alegou se tratar de uma obra ofensiva à Igreja, totalmente desprovida de santidade. A pintura recusada foi adquirida pelo duque de Mântua que posteriormente teve que atender o pedido de vários pintores de Roma que desejavam conhecer e estudar a tela antes de sua ida para Mântua — tamanha era a fama que a obra adquirira.
Algumas fontes justificam a recusa pelo fato de Caravaggio ter retratado uma cortesã como modelo para a Virgem, enquanto outras alegam que se deveu ao fato de ele ter pintado a Madona inchada e com as pernas descobertas. Outras ainda dizem que o pintor havia composto a Virgem usando como modelo o cadáver inchado de uma mulher que morrera afogada. Mas a maioria insiste em dizer que o desagrado do clero com o quadro deveu-se sobretudo ao fato de o corpo da Virgem ter sido retratado com indecorosidade.
Os apóstolos são retratados como pessoas comuns que se encontram numa sala, onde exprimem o pesar que sentem pela morte da Madona. Estão pouco reconhecíveis, com o rosto envolto em sombra ou escondido pelas mãos, visivelmente abalados, sob uma imenso dossel vermelho. O homem idoso à esquerda poderá ser São Pedro e o ajoelhado ao seu lado é provavelmente São João. Ali também se encontra Maria Madalena — única mulher presente na cena. Ela se posiciona à esquerda da Virgem, sentada numa cadeira, encontrando-se humildemente vestida, com os cabelos desgrenhados e com o rosto oculto, enquanto chora.
Embora emudecido, o grupo mostra-se unido pela dor num sofrimento silencioso. As figuras são quase em tamanho natural. A única marca da presença divina é o halo sobre a cabeça da Virgem, embora seja mostrada como uma mulher do povo que acaba de morrer, pois se vê que ainda não está preparada para ser colocada no túmulo.
Como é do estilo de Caravaggio, ele retrata na cena apenas o essencialmente necessário. O ambiente é simples, sendo a presença do dossel vermelho, pendurado num teto quase invisível e sob o qual se agrupam os apóstolos, o único objeto de destaque. A Madona está deitada sobre uma mesa, com o corpo coberto por um vestido vermelho, mas com os pés descobertos e o braço esquerdo inclinado para baixo. A seus pés, no chão, está uma bacia de cobre com um preparado com vinagre para lavar seu corpo.
A cena divide-se em três partes principais:
- uma cortina vermelha que dá teatralidade à obra;
- no centro, foco principal, as figuras dos discípulos e o corpo da virgem;
- Maria Madalena na parte inferior à esquerda.
A composição é comovente e o uso da luz acentua a sua dramaticidade. Caravaggio humaniza a cena ao apresentar a dor que sentem aqueles que perdem um ente querido. As cores são muito escuras, contendo poucos toques luminosos.
A dinâmica da tela é organizada em torno da Virgem que é o tema central da pintura. A massa compacta da reunião e a postura das figuras guiam o olhar do observador para o corpo estendido sobre a mesa. A cortina aumenta o efeito dramático da cena. O pintor faz uso das nuances de luz e sombra para modelar os volumes dos objetos, figuras e vestuário, mas, acima de tudo, reforça, através deste processo, a presença física da Virgem, atingida por uma luz forte. O artista cria a ilusão de profundidade através de uma série de áreas mais claras: na parte de trás do pescoço de Maria Madalena, em primeiro plano; o olho penetra ainda mais na pintura, passando do rosto de Maria para as mãos e cabeças dos apóstolos.
Caravaggio optou por traduzir a realidade das pessoas e suas emoções sem se preocupar com as convenções que normatizavam na época a representação do sagrado. Seu impacto sobre a evolução das concepções pictóricas do século 17 foi considerável.
Ficha técnica:
Artista: Caravaggio
Ano: 1604-1606
Tipo: óleo sobre tela
Dimensões: 369 cm × 245 cm
Localização: Museu do Louvre, Paris, França
Fontes de Pesquisa:
Grandes mestres da pintura/ Coleção Folha
Grandes mestres/ Abril Coleções
A história da arte/ E. H. Gombrich
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Bela tela. Não menos brilhante sua análise, Lu!
Beijo
Marco
Marcos
Eu sou uma grande fá de Caravaggio, principalmente pela coragem que teve, naquela época, de escolher seus modelos entre o povo. Apesar da vida conturbada, foi um gênio.
Convido-o a ler um texto engraçado que acabei de postar, sobre a história do banho através dos tempos.
Obrigada pela visita,