Autoria de Antônio Messias Costa
A ariranha (Pteronura brasiliensis), também conhecida como onça-d’água, lontra-gigante e lobo-do-rio, é um mamífero carnívoro e predominantemente aquático, que possui hábitos noturnos. Até mesmo as suas tocas não distanciam mais que 9 metros das margens dos rios e lagos. Seus pés largos possuem membranas entre os dedos, e a cauda é musculosa e achatada a partir do meio até a ponta, trabalhando como uma espécie de leme no deslocamento na água. Tais atributos são associados a um corpo de alta flexibilidade, tornando-a uma excelente nadadora e uma caçadora de alta eficiência na captura de peixes, item alimentar básico.
Esse animal vive em grupo familiar, normalmente composto por 9 indivíduos, mas, que temporariamente, em eventuais associações, pode ser composto até por 20 elementos. Trata-se de indivíduos brincalhões e barulhentos. Possuem pelagem marrom escura, que é muito sedosa, e uma mancha branca no pescoço. Embora a pele seja “menos nobre” do que a da lontra, um parente próximo bem menor, têm sido procurada pelos caçadores e empregada na indústria da moda, infelizmente.
A vida sócio-familiar desse animal é muito interessante, e pode servir de modelo para muitos humanos, exceto quanto ao item “mulher é quem manda”, pois nessa espécie funciona assim, são as fêmeas que dão as cartas. O grupo tem uma fêmea matriarca, que coordena o bando, amamenta os filhotes, cujo número pode chegar até a cinco rebentos, situação que exige a ajuda de todos, embora eles fiquem sempre sob a supervisão direta da mãe. O macho apoia e ajuda o grupo, entretanto, é subserviente à matriarca, que também o instiga e o procura para o acasalamento, o que é um prova de sua força, já que ele a morde na nuca, enquanto ela nada com ele ancorado em seu dorso.
O repertório dos sinais de vocalização da ariranha é vasto. Cada som possui um significado específico: fome, alerta, susto, chamamento, entre outros. Tais animais são solidários no ataque em defesa da área de uso e alimentação. Em certas situações, o grupo intimida até mesmo grandes felinos como a onça. Imaginem uma grande e barulhenta família, que não passam de 20 quilos cada um, vivendo entre jacarés, sucuris e competindo pelos peixes com os humanos, tendo que criar estratégias especiais de sobrevivência. Tudo isso contribui para a fantástica evolução social desses animais. A coesão do grupo também se fundamenta na necessidade de possíveis enfrentamentos com outros grupos, nas disputas por territórios de boa oferta de alimentos e abrigos.
A viabilidade das ariranhas em cativeiro tem sido preocupante, pois, atualmente, poucos exemplares existem em zoológicos, alguns deles não passando de indivíduos isolados, o que é problemático em razão da necessidade social que possuem de viver em grupos. Outro fator a considerar é o canibalismo, pois, muitos filhotes simplesmente desaparecem sem deixar vestígios. Isso em parte explica-se pelo alto investimento de energia da mãe nos cuidados com os filhotes, principalmente quanto à amamentação, ensinamentos de natação e mergulhos, exigindo um grande dispêndio de energia. Também outros fatores de estresse devem ser considerados, tais como ameaças externas, indisponibilidade de bons estoques de oferta de alimento para o grupo familiar, ataques de predadores, etc.
As ariranhas vivem em forte coesão familiar, sendo o lar sagrado, de modo que quem o invadir se dará muito mal, pois elas lutam ferozmente em sua defesa. O número de indivíduos deve corresponder ao que possa dispor para alimentação. Não há incesto na espécie. Quanto aos bebês, os primeiros cuidados ocorrem por conta da mãe, e só mais tarde os outros membros poderão ajudar. A figura do pai é secundária.
É importante compreender que a ariranha ainda é estigmatizada em face de um incidente ocorrido no Zoo de Brasília, quando uma criança caiu dentro do recinto de exposição e o militar que a salvou foi mordido pelos animais, e terminou morrendo por infecção. Imaginemos que alguém adentre pelo telhado de nossa casa, à noite, e se não teríamos uma reação de extremada defesa? O que fizeram os animais naquele recinto foi defender a sua morada de indivíduos estranhos, uma vez que não tinham por onde fugir. No entanto, quando em contato com a natureza, as ariranhas selvagens não mostram agressividade alguma em relação ao homem. A curiosidade desses bichinhos leva-os, inclusive, a aproximarem-se de embarcações.
Antes, a espécie ocupava grande área do continente sul-americano, entretanto, com a devastação e degradação crescente de seu habitat e a redução de alimentos pela competição humana, a ariranha tem sido extinta em muitas áreas antigas de ocorrência, e hoje, até mesmo na Amazônia, a espécie vem sendo ameaçada em muitas regiões.
Nota: fotos do autor
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