Autoria de Lu Dias Carvalho
Eu nasci e fui criado em um dos lugares mais belos do mundo. Era um tempo cheio de maravilhas que eu sempre lembrarei. Mas, quando a minha família resolveu transferir o zoológico para o outro lado do mundo, foi quando a minha maior jornada começou. (Pi Patel)
Tanto a zebra quanto o orangotango quebraram a perna. E a hiena matou a zebra e o orangotango. Então a hiena é o conzinheiro, a zebra é o marinheiro e o orangotango é a sua mãe. E você é o tigre. (Narrador)
A história do senhor Patel é um relato surpreendente de coragem e resistência sem paralelo na história da navegação. Muitos poucos conseguiram sobreviver por tanto tempo no mar. E nenhum deles na companhia de um tigre adulto de bengala. (Narador)
O filme estadunidense As Aventuras de Pi (Life of Pi), 2012, do diretor Ang Lee, taiwanês radicado nos Estados Unidos, foi sem dúvida uma das estrelas do Oscar 2013. Para quem não se lembra desse sensível cineasta, que transita com sensibilidade por variados gêneros, estilos e temas, basta se lembrar de O Segredo de Brokeback Mountain (2005) que lhe deu o primeiro Oscar de Melhor Diretor. Dirigiu também, entre outros, o belíssimo Razão e Sensibilidade e O Tigre e o Dragão, esse último bem no estilo asiático. As Aventuras de Pi trouxe-lhe o segundo Oscar de Melhor Diretor.
As Aventuras de Pi tem como base o romance do escritor canadense Yann Martel, de nome idêntico, escrito em 2001, que por sua vez baseou-se no livro Max e os Felinos, do escritor gaúcho, Moacyr Scliar, o que causou uma grande polêmica, pois não houve o consentimento do escritor brasileiro e tampouco foi feita qualquer menção a ele.
O filme As Aventuras de Pi chegou a receber onze indicações ao Oscar: Melhor Diretor, Melhor Trilha Sonora, Melhor Fotografia, Melhores Efeitos Visuais, Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição, Melhor Edição de Som, Melhor Mixagem de Som, Melhor Trilha Sonora e Melhor Canção Original, levando os quatro primeiros prêmios aqui citados.
A família do adolescente Pi Patel (Suraj Sharma), composta por ele, o pai, a mãe e um irmão, vivia tranquilamente na cidade indiana de Pondicherry, com seu zoológico. Após anos de trabalho, a prefeitura local retira o incentivo dado ao zoológico, obrigando-a a embarcar para o Canadá, levando junto os animais. No novo país, o pai de Pi pretende vender os animais e ali permanecer. Mas como a vida é cheia de imprevistos, durante a travessia para o novo país, o cargueiro japonês naufraga durante uma tempestade, perecendo toda a família, excetuando Pi, um tigre-de-bengala, uma zebra, um orangotango e uma hiena, sendo obrigados a dividir o mesmo bote salva-vida. Entretanto, pela ordem natural da vida na selva, os animais mais fracos vão sendo mortos, até que resta apenas o mais forte: o tigre-de-bengala, chamado de Richard Parker, em razão de um descuido no preenchimento de um formulário na alfândega indiana.
Ao ficar sozinho no bote com Richard Parker, Pi tem certeza de que sua vida corre perigo a todo instante, embora afirme ver alma nos olhos do felino. A única coisa que pode ajudá-lo, numa luta tão desigual, é o seu instinto de sobrevivência, o mesmo que também detém a fera. Vencerá o mais aguerrido. Pi e o tigre vagam pela imensidão do Oceano Pacífico durante 277 dias. O garoto tenta conviver da melhor forma possível com seu companheiro de desventura, procurando respeitar seu território dentro do bote, sem jamais menosprezar sua presença.
Não havia como As Aventuras de Pi não açambarcar o Oscar de Melhores Efeitos Visuais, pois as imagens do filme, rodadas em 3D, são belíssimas, onde coexistem realidade e fantasia, emolduradas pela vastidão do mar e do céu, que tornam o drama do jovem Pi ainda mais pungente, exaltando a pequenez humana diante da eminência do perigo, num vasto e insondável universo. É o encontro direto do homem com a natureza e consigo mesmo.
O diretor Ang Lee funde com maestria a computação gráfica com cenas reais, hipnotizando o espectador, que impregnado de emoção, muitas vezes não percebe onde começa a realidade e onde termina a fantasia. E por falar em computação gráfica, o que foi feito para impedir que o feroz Richard Parker desse fim, não à vida de Pi que é fictícia, mas à do ator Suraj Sharma? Foi feito um tigre em computador, imitando o felino real nos mínimos detalhes. Assim sendo, o ator só precisou mesmo representar, coisa que fez muito bem, vivendo os mais díspares sentimentos e repassando-os aos espectadores. Ele é responsável por tornar o filme convincente e nos levar para dentro da aventura e dela tirarmos muitos questionamentos e encontrarmos algumas respostas. Está de parabéns o jovem ator, nesse seu primeiro trabalho.
As Aventuras de Pi traz-nos certas indagações sobre a vida. Por que apesar de ter perdido a sua família e todos os seus pontos de referência com o mundo, Pi continuou lutando para sobreviver? Que ímã possui a vida a ponto de nos fazer transpor os mais árduos obstáculos para nos mantermos vivos? Por que o instinto de sobrevivência forma um escudo protetor em torno de nós, quando fora dele não enxergamos mais a esperança de dias melhores? Que crenças brotam de dentro de nós nos momentos em que a desesperança avoluma-se e por pouco não nos engole? Por que e a troco de que continuamos vivos quando o mundo não mais nos encanta? A própria sobrevivência é capaz de superar as perdas dolorosamente sofridas? Por que continuar quando todos os caminhos mostram-se obstruídos? Por que teimamos em resistir, apesar de tudo?
As Aventuras de Pi talvez queira nos mostrar que só nos tornamos realmente humanos quando nos deparamos com as dificuldades. E, se delas soubermos tirar lições, poderemos atingir o patamar de divinos. Portanto, benditos sejam todos os nossos desafios, nossos medos, nossas dúvidas, as ameaças sofridas e todas as nossas lutas, por mais árduas que sejam, ainda que percamos algumas e vençamos outras.
Parabéns ao grande cineasta Ang Lee que, com extrema sensibilidade, presenteia os cinéfilos com uma das mais emocionantes realizações da sétima arte em 2012. O filme merece ser visto e revisto.
Curiosidade:
Para criar o tigre, a equipe de efeitos digitais Rhythm & Hues modelou um animal digital como se fosse um experimento biológico:
- construiu-o a partir do esqueleto;
- colocou os músculos sobre os ossos, seguindo a anatomia real dos tigres;
- prendeu a pele aos músculos;
- e, por último, acrescentou a pelagem.
Fontes de pesquisa:
Revista Veja/ 12 de dezembro de 2012
Wikipédia
O próprio filme
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