Arquivo da categoria: Crônicas

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VOCÊ SABE O QUE É “BLACK FRIDAY”?

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Black Friday Brasil: tudo pela metade do dobro! (mensagem de uma consumidora revoltada, ao constatar que fora enganada em suas compras).

É engraçado como o comércio brasileiro vem imitando o dos Estados Unidos, mas, é bom que se diga, somente naquilo que lhe interessa, ou que acha mais glamouroso, sem levar em conta a queda real dos preços. Hoje, por exemplo, não temos mais “liquidação”, mas “sale”. Coisa de complexo de “terceiro mundo”. Foi também criado o “dia das bruxas” (festa estadunidense) com a venda massiva de burundangas, quando as nossas raízes estão amarradas ao Saci-Pererê, ao Curupira, ao Boitatá, à Iara, ao Lobisomem e muitos outros mitos de nosso folclore. E seguindo esta corrente, o “Black Friday” entrou no esquema do país, com muita gente sem entender bulhufas do que se trata.

Uma das associações que se faz à denominação desse tão propagado dia de “liquidação” nos Estados Unidos é a de que apareceu em 2005, na Filadélfia, quando a polícia apelidava de “Black Friday” (sexta-feira negra) o dia seguinte, logo após o feriado de Ação de Graças, por ser extremamente agitado, com as pessoas nas ruas ocasionando muitos congestionamentos em razão de ser a abertura do período de compras natalinas. É o dia em que as lojas abrem bem cedo nesse país, já com filas quilométricas nas calçadas, oferecendo seus produtos por preços mínimos de verdade e não “um faz de conta” como acontece por aqui.  Os preços são tão bons que muitos trabalhadores ganham o dia de folga para participarem das compras. E não se trata de uma maquiagem como acontece no nosso país, num faz de conta vergonhoso que tem por intuito enganar o consumidor.

O Brasil adotou a ideia de criar o “Black Friday” em 2010, embora totalmente online (virtual), mas as lojas físicas acabaram por fazer o mesmo. Atenção! Eu disse “ideia”, pois a prática de abaixar os preços ainda não entrou na mente avara da imensa maioria dos comerciantes brasileiros. A prova disso é o trabalho que o PROCON vem tendo para notificar as empresas embusteiras que aumentam os seus preços na semana anterior, para retirar a diferença no dia do “Black Friday”. E para nossa tristeza são grandes lojas que atuam no mercado brasileiro a darem o mau exemplo, maquiando seus produtos com descontos fictícios. As denúncias têm sido levadas pelos  consumidores ao órgão de defesa do consumidor, no que fazem muito bem, pois respeito é bom e a gente gosta. Isso também está acontecendo com o comércio virtual.

A postura da maioria dos comerciantes é tão  vergonhosa que não temos mais apenas um dia de “descontos”, mas uma semana e, agora, um mês. Tudo no faz de conta ou no me engana que eu gosto. E viva a pátria tão lesada e envergonhada!

Nota: o Black Friday brasileiro acontece anualmente na quarta sexta-feira de novembro. Portanto,  é sempre  bom olhar, uma semana antes, o preço daquilo que se ambiciona comprar e comparar com o do dia do tal “Black Friday” (ou Black Fraude, conforme pensa a maioria dos brasileiros) para não ser enganado. Não quebre o porquinho à toa. Olho vivo, pois nossos comerciantes encontram-se entre os mais mesquinhos do mundo!

Nota: Imagem copiada de http://www.gizmodo.com.br/como-aproveitar-a-black-friday

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O ANTIGO AMOR AOS ANIMAIS

Autoria de Marguerite Yourcenar

Durante milênios o homem tem considerado o animal como propriedade sua, só que subsistia um estreito contato entre ambos.

E dizer que o amor aos animais é tão antigo quanto a raça humana. Milhares de testemunhos escritos ou falados, de obras de arte e de gestos visíveis dão prova disso. O campo­nês marroquino, que acaba de saber seu asno condenado à morte, certamente amava sua alimária, pois havia, durante semanas inteiras, derramado óleo de automóvel em suas longas orelhas cobertas de chagas, por julgá-lo mais eficaz, porquanto mais caro, que o óleo de oliva existente em abundância em sua pequena propriedade. A horrível necrose das orelhas apo­drecera aos poucos todo o pobre animal, que já não tinha muito tempo de vida, mas que continuaria sua tarefa até o fim, pois o homem era pobre demais para admitir sacrificá-lo.

Também amava seu cavalo aquele rico avarento que levava a uma consulta grátis com famoso veterinário europeu o belo corcel de pelo grisalho, orgulho de seus dias de fausto, cujo mal se resumia enfim a uma alimentação inadequada. Amava seu cão o rústico português que levava nos braços todas as manhãs seu pastor alemão que partira a anca, para fazer-lhe companhia durante seu longo dia de jardinagem e que ele alimentava com restos de comida.

Amam os pássaros os ve­lhos que vemos nos parques parisienses, alimentando pombos, e a quem criticamos sem razão, pois é graças a esse farfalhar de asas ao seu redor q amava os animais o autor do Eclesiastes, ao perguntar para onde ia a alma dos bichos; 1 Leonardo, libertando os pássaros prisioneiros num mercado de Florença, ou ainda a chinesa que há mil anos, encontrando num canto do pátio uma gaiola enor­me com centenas de pardais (seu médico recomendara comer todos os dias miolos da ave ainda mornos), abre as grandes portas do viveiro, dizendo: “Quem sou eu para me preferir a esses bichinhos?” As opções que temos de tomar a cada ins­tante, outros já tomaram antes de nós.

Nota: texto extraído do livro “O Tempo, Esse Grande Escultor”/ Edit. Nova Fronteira

Imagem copiada de http://renatomanasses.com.br/

 

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OS ANIMAIS E A CRUELDADE HUMANA

Autoria de Marguerite Yourcenar

Quem sabe se o sopro de vida dos filhos dos homens se eleva para o alto, e o sopro de vida dos brutos desce para a terra? (Eclesiastes, III, 21)

Narra um conto das Mil e Uma Noites que a Terra e os animais tremeram no dia em que Deus criou o homem. Esta visão admirável de poeta adquire um significado total para nós, que sabemos, bem melhor que o contista árabe da Idade Mé­dia, quanto a Terra e os animais tinham razão em tremer.

Quando deparo um rebanho ou alimárias no campo, belo es­petáculo que em todos os tempos os pintores e poetas cultiva­ram como “idílio”, cada vez mais raro, infelizmente, em nosso mundo ocidental; quando me ocorre mesmo ver galinhas cis­cando ainda em liberdade num terreiro de fazenda, vem-me logo o pensamento de que esses animais, sacrificados ao ape­tite do homem ou usados a seu serviço, irão morrer um dia “de mala morte”: sangrados, abatidos, esganados, ou, segundo antigo costume, quando se trata de cavalos que não se enviam às boucheries chevalines*, sacrificados a tiros no mais das ve­zes imprecisos, que quase nunca significam um verdadeiro “golpe de misericórdia”; ou abandonados nas solidões da ser­ra, como é costume até hoje entre os agricultores da Madeira; ou ainda (em que país foi que me contaram este fato?) força­dos à ponta de aguilhão a se precipitarem nos abismos onde morrerão reduzidos a frangalhos.

 Ocorre-me pensar também nesse momento, que talvez du­rante meses ou anos ainda, esses animais irão viver ao ar livre, em pleno sol ou em plena noite, não raro maltratados, mas bem tratados, às vezes perfazendo normalmente os ciclos de sua existência animal, tal como nos resignamos a cumprir os ciclos de nossa própria vida.

Essa relativa “normalidade” já não é tão comum entre nós, onde uma pavorosa superprodução (que ao fim também avilta e mata o homem) faz dos animais produtos fabricados em série, que vivem sua pobre e curta existência (é preciso que os granjeiros recuperem seus gastos o mais cedo possível) no insuportável clarão das lâmpadas elé­tricas, atulhados de hormônios cujos perigos sua carne nos irá transmitir, pondo ovos e “sujando em cima deles” (como diziam antigamente as enfermeiras e as amas-de-leite), privados, no caso das aves confinadas, até dos bicos e das garras que, nessa horrível vida de pacotes, fariam voltar contra suas companhei­ras de miséria; ou ainda, como ocorre com os bons cavalos da Guarda Republicana, velhos e cansados, condenados a ago­nizar, às vezes durante dois anos, num estábulo do Instituto Pasteur, tendo por única distração serem sangrados todos os dias, para afinal sucumbirem exangues, andrajos equestres vítimas dos nossos progressos imunológicos, enquanto os próprios soldados da Guarda se mortificam: “Preferíamos que fossem mandados de vez ao matadouro!”

 É certo que quase todos nós já fizemos uso de vacinas, sonhando com essa época em que tais progressos médicos pas­sarão de moda, como já passaram tantos outros; a maior parte das pessoas come carne, mas algumas se recusam a isto, e pen­sam, com leve ironia, em todas as adversidades do pavor e da agonia, em todas as células gastas de um ciclo nutritivo que chega a seu fim nas mandíbulas desses devoradores de bifes.

* Açougues onde se vende carne de cavalo na França. (N. do T.)

Nota: texto extraído do livro “O Tempo, Esse Grande Escultor”/ Edit. Nova Fronteira

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O MAL FEITO AOS ANIMAIS RETORNA AOS HOMENS

Autoria de Marguerite Yourcenar


Vivemos num grande ecossistema que é o planeta Terra, onde os reinos animais e vegetais convivem numa fantástica simbiose. O homem é o único ser no planeta que é capaz de alterar toda a diversidade, destruindo seu habitat como se não fizesse parte desta teia da vida. (Hernando Martins)

Uma teoria diferente viria pôr-se a serviço daqueles para quem o animal não merece qualquer auxílio e encontra-se destituído da dignidade que, em princípio, pelo menos, e no papel, concedemos a todos os homens. Na França e nos países influenciados pela cultura francesa, o animal-má­quina de Descartes tornou-se artigo de fé tanto mais fácil de ser aceito quanto favorecia a exploração e a indiferença. Também aqui podemos perguntar se a asserção de Descartes não terá sido aceita em seu nível mais baixo.

O animal-máquina, de acordo, mas em pé de igualdade com o próprio homem que não passa também de máquina, destinada a produzir e a ordenar ações, pulsões e reações que constituem as sensações de calor e frio, fome e satisfação digestiva, os impulsos sexuais, bem como a dor, o cansaço, o terror, que os animais experimentam da mesma forma como nós. O animal é máquina; homem também, e foi sem dúvida o temor de blasfemar contra a alma imortal que impediu Descartes de ir abertamente longe nessa hipótese, quando teria estabelecido as bases de uma fisiologia e de uma zoologia autênticas. Leonardo da Vinci, se Des­cartes tivesse podido conhecer seus Cadernos, ter-lhe-ia segredado que, em última análise, o próprio Deus é o “primeiro motor”.

Evoquei um tanto longamente o drama do animal e suas causas primeiras. No estado atual da questão, numa época em que nossos abusos se agravam nesse ponto como em tantos outros, podemo-nos perguntar se uma Declaração dos Direitos do Animal iria ser útil. Acolho-a de bom grado, mas já ouço algu­mas boas almas que murmuram: “Há quase duzentos anos foi proclamada a Declaração dos Direitos do Homem, e o que resul­tou daí?

Nenhuma época tem sido mais concentracionária, mais levada às destruições maciças de vidas humanas, mais pronta a degradar, até nas próprias vítimas, a noção de humanidade. Seria o caso de se promulgar em favor do animal um outro documento desse tipo, que será – já que o homem em si mes­mo não terá mudado – tão inútil quanto a Declaração dos Direitos do Homem?” Creio que sim. Creio que sempre con­vém promulgar ou reafirmar as Leis verdadeiras que não dei­xarão por isso de ser menos infringidas, mas que provocarão por vezes no transgressor o sentimento de haver agido mal. “Não matarás.” Toda a história, de que tanto nos orgulhamos, é uma perpétua infração dessa lei.

“Não farás os animais sofrerem, ou tudo farás para que sofram o menos possível. Eles têm seus direitos e sua digni­dade como tu mesmo”, é sem dúvida uma admoestação bas­tante modesta; no estado atual dos espíritos, ela é, ai de nós, quase subversiva. Sejamos subversivos. Revoltemo-nos contra a ignorância, a indiferença, a crueldade que aliás se voltam tão frequentemente contra o homem depois de terem-nas exercido grandemente sobre os animais. Lembremo-nos, pois é necessário estarmos sempre nos chamando a atenção, que haveria menos crianças mártires se tivesse havido menos animais torturados; menos vagões lacrados levando para a morte as vítimas de uma ditadura qualquer, se não tivéssemos nos acostumado com os furgões em que os animais agonizam sem alimentação e sem água a caminho dos matadouros; menos caça humana teria sido abatida a tiros se o gosto e o hábito de matar não fosse o apanágio dos caçadores. E, na humilde medida do possível, mudemos (quer dizer, melhoremos se possível) a vida.

Nota: texto extraído do livro “O Tempo, Esse Grande Escultor”/ Edit. Nova Fronteira

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A PERVERSA MATÉRIA PRIMA ANIMAL

Autoria de Marguerite Yourcenar

A horrível matéria­ prima animal é um produto novo, como a floresta aniquilada que fornece a pasta necessária aos nossos jornais diários e hebdomadários, repletos de anúncios e de falsas notícias; como os oceanos em que os peixes são sacrificados aos petroleiros.

Durante milênios, o homem tem considerado o animal como propriedade sua, só que subsistia um estreito contato entre ambos. O cavaleiro amava, embora dela abusando, a sua mon­taria; o caçador de antigamente conhecia as condições de vida de sua caça, e “amava” à sua maneira os animais que se sen­tia glorioso em abater. Uma espécie de familiaridade se entre­meava com o horror: a vaca enviada ao matadouro depois de totalmente exaurida de seu leite, o porquinho que era sangra­do no Natal (a mulher do camponês da Idade Média sentava-se tradicionalmente sobre as patas do animal para impedi-lo de espernear), eram a princípio “os pobres animais” para os quais se ia cortar capim ou se preparava uma ração de restos.

Para muitas mulheres do campo, a vaca contra a qual se apoiavam para ordenhar era uma espécie de amiga muda. Os coelhos nas gaiolas não estavam mais que a dois passos do guarda-comida onde iriam acabar, “picadinhos como carne de pastel”, mas enquanto isso não ocorria, eram animais que gostávamos de ver remexendo as narinas róseas quando através das grades lhes estendíamos uma folha de alface.

Modificamos tudo isto: as crianças das cidades jamais vi­ram uma vaca ou uma ovelha; e não podemos amar estes seres dos quais nunca tivemos ocasião de nos aproximar ou a que jamais acariciamos. O cavalo, para um parisiense, não passa desse animal mitológico, dopado e arrastado além de suas for­ças, que nos faz ganhar algum dinheiro quando acertamos no páreo de um “grande prêmio”.

Exposta em fatias cuidadosa­mente envoltas em papel celofane num supermercado, ou con­servada em latas, a carne deixa de ser sentida como tendo sido a de um animal vivo. Ousamos mesmo dizer que nossos açou­gues, onde pendem de ganchos quartos de animais que mal se acabaram de abater, de aspecto tão atroz para quem não está acostumado a isto a ponto de certos amigos meus, estrangeiros, mudarem de calçada, em Paris, quando os percebem de longe, talvez até sejam um bem, na medida em que testemunham a violência que o homem inflige aos animais.

 Da mesma forma, os casacos de pele apresentados com cuidados especiais nas vitrines das grandes peleterias parecem estar a mil léguas da foca trucidada na banquisa, a golpes de matraca, ou da nútria que apanhada na armadilha rói a pata tentando recuperar a liberdade.

A bela mulher que se maquia não sabe que seus cosméticos foram testados em coelhos ou cobaias que morreram sacrificados ou cegos. A inconsciência, e consequentemente a boa consciência, do comprador ou da com­pradora é total, como é total, por ignorância do que se fala e por falta de imaginação, a inocência dos que se dão ao traba­lho de justificar os gulags* de toda espécie, ou daqueles que preconizam o emprego da arma atômica. Uma civilização que cada vez mais se distancia do real tende a fazer cada vez mais vítimas, inclusive a si própria.

*campos de trabalhos forçados.

Nota: texto extraído do livro “O Tempo, Esse Grande Escultor”/ Edit. Nova Fronteira

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A BÍBLIA E O DESAMOR PELOS ANIMAIS

Autoria de Marguerite Yourcenar

Parece-me que uma das causas mais responsáveis pelo sofrimen­to animal (bichos), pelo menos no Ocidente, deve-se à injunção bíblica que Jeová transmite a Adão no paraíso, onde, depois de mos­trar-lhe o mundo dos animais, o faz nomeá-los e declara-o mes­tre e senhor de todos eles.

Esta cena mítica sempre foi inter­pretada pelo cristão e pelo judeu ortodoxo como uma permissão para usar à vontade essas milhares de espécies que expri­mem, por suas formas diversas das nossas, a infinita variedade da vida, e por sua organização interna, por seu poder de agir, gozar ou sofrer, a evidente unidade da vida. Contudo, teria sido bastante fácil interpretar o velho mito de outra forma: Adão, ain­da isento de pecado, poderia perfeitamente sentir-se promovido à categoria de protetor, de árbitro, de moderador de toda a criação, utilizando os dons superiores que lhe foram dados por acréscimo, ou de modo diverso dos que foram outorgados aos animais, para perfazer e manter o belo equilíbrio do mundo, do qual Deus o fizera não o tirano, mas o intendente.

O cristianismo viria insistir nas lendas sublimes que unem o animal ao homem: o boi e o asno a aquecerem com seu hálito o menino Jesus; o leão enterrando piedosamente os corpos dos anacoretas, ou servindo de animal de carga e de cão de guar­da a São Jerônimo; os corvos alimentando os Padres do de­serto, e o cão de São Roque a seu dono doente; o lobo, as aves e os peixes de São Francisco; os animais da floresta bus­cando proteção junto a São Brás; a prece para os animais de São Basílio da Desareia ou o cervo trazendo a cruz que converteu Santo Huberto (uma das mais cruéis ironias do folclore religioso é ter esse santo se tornado o padroeiro dos caçadores). Ou ainda os santos da Irlanda e das Hébridas, que cuidavam de garças feridas recolhidas na praia, protegendo os cervos acuados,  ou confraternizando-se com um cavalo branco ao chegar à morte.

Havia no cristianismo todos os elementos de um folclore animal quase tão rico quanto o do budismo, mas o seco dogmatismo e a prioridade dada ao egoísmo huma­no o levaram de vencida. Parece que a esse respeito um movimento supostamente racionalista e laico, o humanismo, no sen­tido recente e abusivo da palavra, segundo o qual se pretende atribuir interesse apenas às realizações humanas, é o herdeiro direto desse cristianismo empobrecido, ao qual foram retirados o conhecimento e o amor pelo resto dos seres.

Nota: texto extraído do livro “O Tempo, Esse Grande Escultor”/ Edit. Nova Fronteira

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