Arquivo da categoria: Ditos Populares

A sabedoria popular está presente em todas as línguas, sendo expressa através de várias maneiras: provérbios, adágios, sentenças, aforismos, parêmias, apotegmas, anexins, rifões, ditos e ditados populares.

POMO DA DISCÓRDIA

Autoria de Lu Dias Carvalho

pomo

O meu amigo Alfredo Domingos é um grande amante das expressões idiomáticas e dos ditos populares, assim como eu. Nós gostamos de embrenhar-nos pelos vieses de nossa bela Língua Portuguesa em busca de suas mais pitorescas expressões. Num dia desses, num artigo publicado aqui no blogue, ele escreveu acerca do pomo da discórdia que tem sua origem na mitologia grega, ocasião em que nos brindou com uma bela e didática explicação. Vejamos abaixo.

“O motivo de uma briga ou de um incômodo, quando é constante, não contornado, acaba sendo um grande obstáculo entre as pessoas. Tudo que é demais atrapalha e irrita. Pode ser perturbação entre marido e mulher, patrão e empregado, amigos, vizinhos, e por aí vai. Se houver um ponto fraco na convivência, aquilo vira elemento eterno de discussão. Pode ocorrer de isso ser um objeto, não uma ideia”.

Ele engata uma explicação para um melhor entendimento.

“Minha prima Romilda, por exemplo, colocou na entrada do seu quarto uma estante de quina saliente, bem na altura da nossa cabeça. Em resumo, ao entrar no cômodo, todos batem no bico da estante. Sem dúvida, ali existe uma amofinação instalada. Para o termo ‘discórdia’ estamos praticamente resolvidos. Porém, é necessário tratarmos de ‘pomo’, o que é mais complicado. Pomo é qualquer fruto carnudo e de forma quase esférica como a maçã, a pera ou o pêssego.”

O meu amigo continuou a explicar os detalhes sobre o surgimento de tal expressão:

“A origem da expressão pomo da discórdia está na mitologia grega (junção de lendas e lições oriundas da Grécia antiga), que reuniu numa desarmonia Éris – a deusa da discórdia – a única não convidada para o casamento entre Tétis e Peleu – e, ainda, Hera, Atena e Afrodite, essas reclamantes do título de a dona da beleza. Aconteceu que Éris, raivosa, largou sobre a mesa da cerimônia do tal casamento uma maçã de ouro, tendo gravada a mensagem provocativa: À mais bela. Foi dessa forma que o caldo entornou, dando um tremendo quiproquó na cena, pois as mulheres envolvidas reclamaram, cada uma de per si, a condição de serem beldades.

Coube a Páris decidir a quem declarar a mais bela. E por artimanhas diversas, praticadas já naquela época, a escolhida foi Afrodite. Em contrapartida, Helena, mulher de outro, foi oferecida a Páris. Assim, por caminhos tortuosos, relacionados à traição e ao poder, vejam bem, tudo resultou na famosa Guerra de Troia, mas aí deixemos pra lá, pois terei que me alongar, entrar em outra seara.”

Ele fecha, enriquecendo ainda mais as suas explicações:

“Fiquemos contentes por atingir a questão essencial, a do pomo da discórdia. A maçã, em especial, transformou-se no agente principal toda vez que queremos indicar que algo emperrou e trouxe desconforto, gerando belicosidade. Não estranhem, contudo, se alguém equiparar esta expressão a outra que significa, no fundo, a mesma coisa: calcanhar de aquiles (serve pra igual efeito). Existe também a expressão pomo de adão ligada à proeminência laríngea (gogó). A origem de tal expressão é curiosa. Ela está relacionada a uma lenda bíblica. Pela lenda, Adão teria tomado de Eva a fruta proibida. E, depois de mordê-la, um pedaço da maçã teria ficado preso em sua garganta, a partir daí todos os homens nasceram com essa projeção”.

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SANTO DO PAU OCO

Autoria de Lu Dias Carvalhosant

Quem não conhece aquele indivíduo fingido, enganador, dissimulado que aparenta exatamente aquilo que não é? Pois esse é o chamado “santo do pau oco”. Quem não conhece o sujeito, compra-o por um bom dinheiro, pois é a falsidade em pessoa. Eles se encontram, sobretudo, no mundo político e religioso.

Na época em que o Brasil vivia sob a tutela de Portugal – Brasil Colônia – suas riquezas, principalmente o ouro e as pedras preciosas, eram levadas para fora do país em direção à metrópole portuguesa. Contrariados com a cobrança do famoso “Quinto”, cobrado em cima de todos os metais preciosos garimpados no seu país, os brasileiros começaram a enganar a fiscalização da Coroa Portuguesa, usando santos ocos de madeira, pois sentiam que estavam sendo roubados pelo governo português.

Os benditos santos eram cheios, sorrateiramente, com ouro ou diamantes, não tendo seu dono que prestar contas às casas de fundição que ficavam sob a fiscalização da gulosa Coroa. Até os escravos, embora fortemente vigiados, burlavam o fisco português, assim como governadores, funcionários brasileiros e clérigos. As imagens dos santos do pau oco eram bem rústicas, esculpidas em madeira e o que ali era guardado permanecia como se fosse um cofre móvel, bem distante do rigor da Coroa Portuguesa que sempre buscava arrancar o couro do povo de sua colônia em benefício da governança portuguesa. Assim, enquanto a santidade era exteriorizada e, com certeza aplaudida pelo governo português, o furto era perpetrado silenciosamente.

Dizem que a expressão santo de pau oco nasceu nas Minas Gerais, celeiro do ouro e das pedras preciosas. E, segundo contam, as imagens eram transportadas em procissões religiosas, no maior fervor, sem que os portugueses desconfiassem de nada. Por muito tempo foi possível encontrar imagens escondidas, cheias de ouro ou diamantes em cidades mineiras como Diamantina, Sabará, Tiradentes, por exemplo, quando velhos casarões eram derrubados. Muitas delas encontravam-se escondidas dentro das paredes, assoalhos ou forros ou nos caibros dos telhados.

Há também uma versão que explica que tal dito diz respeito às imagens de santos que vinham de Portugal, abarrotadas de dinheiro falso, para circular no Brasil. E eu, particularmente, acredito que as duas explicações são verdadeiras.

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QUEM NÃO QUER BUIA, NÃO AJUNTA CUIA

Autoria de Lu Dias Carvalho

cuias

É muito comum a omissão do dígrafo “lh” em relação à língua portuguesa no falar das gentes mais simples (moia, foia, muié, moio, paia, toaia, etc.). Assim sendo, para decifrar o provérbio sertanejo em questão faz-se necessário trocar “buia” por “bulha” que dentre os muitos sinônimos pode significar “barulho”, “gritaria”, “altercação”, “ruído” e “azáfama”. Enquanto a palavra “cuia” diz respeito ao fruto da cuieira que, depois de maduro, tem o seu miolo esvaziado, transformando-se numa grande variedade de recipientes – até mesmo em instrumentos musicais – usados principalmente na zona rural e nas cidades interioranas.

A cuia é também conhecida em algumas regiões brasileiras pelo nome de cuitê ou cuité, cabaça-amargosa, cabeça-de-romeiro, cabaça-purunga, cabaço-amargoso, cocombro e taquera. Por ser um objeto leve e sonoro, muitas cuias juntas – umas batendo contra as outras – produzem uma confusão de sons. E se alguém não gosta de barulho, deve evitar ajuntar tais objetos, pois são capazes de fazer doer os ouvidos.

Tal provérbio ensina-nos que somos muitas vezes responsáveis por aquilo que nos acontece de ruim, porque não evitamos os caminhos que nos levam ao agente provocativo de nossos problemas. Sendo os nossos aborrecimentos frutos de nossos atos inconsequentes. Aquele que não age de acordo com o bom senso, estará, portanto, buscando sarna para coçar. É sabido que quem não quer buia, não deve ajuntar cuia! Não quer confusão, permaneça no seu quadrado.

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POR QUE CARGAS D’ÁGUA…?

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Nada mais gostoso do que uma boa chuva que chega refrescando, lavando e dando vida a tudo. Confesso que ainda gosto de tomar banho de chuva, como fazia na minha infância, junto a um bando de primos, embora ouvíssemos sempre a costumeira admoestação de que íamos ficar doentes, coisa que entrava por um ouvido e saía pelo outro, apesar da vara de marmelo se fazer presente muitas vezes:

– Saia da chuva, cambada, vocês todos vão acabar pegando um resfriado!

Até hoje ainda não me conformei com o medo de chuva que minha amiga Marluce diz ter. De uns tempos para cá, venho “piscologiando” sobre esse seu comportamento esdrúxulo. Mal a danada levanta-se da cama, vai logo abrindo a janela para perscrutar o tempo. Se estiver caindo uns pinguinhos à toa, ela desmarca todos os compromissos assumidos, e caso se trate de chuva torrencial (cargas d’água), some durante dias a fio.  Confesso que ainda não sei por que cargas d’água ela mostra ter tanto medo de chuva.

A expressão “Por que cargas d’água…” é usada para questionar alguma coisa. Trata-se de um questionamento diante de algo sobre o qual não se tem conhecimento. O inquirido deve ficar com a orelha em pé, pois o questionador não irá aceitar qualquer resposta, pois a pergunta já vem acompanhada de certa indignação. Se chuva fina já nos impede de fazer muita coisa, imaginemos cargas d’água! É preciso dar trato à cachola para encontrar uma boa resposta, se não quiser entrar numa quizila dos diabos.

Alguns dizem que esta expressão originou-se nos fins do século XIII, quando se iniciaram as primeiras navegações portuguesas em águas do Atlântico norte. Sendo a região sujeita a súbitas tempestades, era comum que os navegantes dirigissem com suas naus para as ilhas açorianas ou de Madeira em razão das cargas d’água.

A expressão em evidência  vem sempre acompanhada de uma entonação inquisitiva e um semblante de perplexidade, significando desconhecer como algo aconteceu, podendo “cargas d’água” ser substituída por “motivo” ou “raios”.  Geralmente se utiliza a frase para questionar uma situação ou ação.

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QUANDO A ESMOLA É DEMAIS…

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Quando a esmola é demais o santo desconfia é um dos provérbios mais conhecidos em território brasileiro. Quem não conhece entre seus contatos uma pessoa que, necessitada de um favor, debulha-se em mil e um salamaleques para com o indivíduo capaz de realizar seu intento? Os tolos são presa fácil nessa teia, sentindo-se importantes com tamanha bajulação, mas os espertos não caem nesse rapapé, fazendo ouvidos de mercador, dando o dito por não dito. Existe uma fábula interessante que define muito bem este provérbio. Vamos a ela.

Certo cão levava sua vidinha rotineira, vigiando os pertences de seu dono desde o cair da noite até o alvorecer. E o fazia de bom grado, pois se tratava de um amo muito generoso que lhe permitia dormir a sono solto no dia seguinte. Durante a sua vigia, sempre passava pela calçada, onde ficava a casa de seu senhor, certo fulano assobiando, sem ao menos lhe lançar um olhar. Mas eis que um dia, já na calada da noite, lá estava o dito lançando-lhe nacos de carne, tentando acariciá-lo. Esperto que era, logo intuiu que o sujeito estava querendo seduzi-lo com o objetivo de roubar o seu dono, pois, uma vez com a boca cheia, ficava incapacitado de latir ou morder. O fiel cão então disse ao ladrão:

– Olá, se queres trancar a minha boca para eu não avisar o meu dono sobre tua presença, estás totalmente enganado, pois jamais cairei nesta tua imprevista generosidade. O melhor que tu fazes é cair fora, antes que eu lhe arranque um naco de tuas pernas finas.

Assim é a vida, meus amigos. Há muita gente por aí que tenta nos fazer de tolos, usando-nos a seu bel-prazer, manobrando-nos de acordo com os seus interesses. Resta-nos ficar espertos, pois, quando a esmola é muito grande, o santo desconfia.

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UM PRESENTE DE GREGO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Quem nunca recebeu um presente que não tem nada a ver consigo? Isso acontece porque nós, até mesmo quando presenteamos alguém, pensamos muito mais no nosso gosto do que na apreciação do presenteado. Somos por demais egocêntricos. Imaginamos que aquilo que nos agrada, também irá agradar o outro. E sem dedicar à pessoa a ser presenteada um mínimo de nossa atenção, acabamos, muitas vezes, por lhe dar um presente de grego, não lhe restando outra alternativa senão a de passá-lo para frente ou deixá-lo adormecido num cantinho do guarda-roupa ou porão.

Segundo conta Homero (poeta da Grécia antiga ao qual é atribuída a autoria dos poemas épicos “Ilíada” e “Odisseia”) sobre a guerra de Troia, assim como vários escritores antigos e modernos após ele, por ocasião da guerra entre troianos e gregos, os últimos presentearam os primeiros com um colossal cavalo de madeira, empanturrado de soldados gregos por dentro, deixado à entrada da cidade de Troia.

Ao verem aquele formoso cavalo a enfeitar a entrada de sua cidade, os troianos logo concluíram, erroneamente, que se tratava de um presente enviado pelo inimigo que estava a pedir arrego. E como faltasse perspicácia aos troianos e sobrasse-lhes arrogância, trataram logo de levar o gigantesco presente para dentro de suas muralhas, passando a comemorar a enganosa vitória, encharcando-se de vinho. À noite o cavalo pariu um monte de guerreiros gregos que mataram a guarda troiana que protegia os portões, abrindo-os,  a fim de que os outros guerreiros, postados do lado de fora, entrassem na cidade e assegurassem a vitória grega.

Assim, a expressão idiomática presente de grego passou a ser algo que vêm a nos dar desprazer, embora seja aparentemente agradável. O presente só prejudica quem o recebe, e que adoraria não o ter recebido. A expressão cavalo de Troia tomou uma amplitude maior, passando a significar um inimigo encoberto, um embuste destrutivo, um artifício astuto, um ardil para enganar o outro o obter o que deseja. A expressão é tida até como o nome de um terrível vírus de computador.

Ainda se referindo à Guerra de Troia, existe a conhecida expressão agradar a gregos e troianos, no sentido de que algo tem o poder de agradar a quaisquer pessoas, ainda que se encontrem em lados opostos. É unanimidade!

 

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