Arquivo da categoria: Ditos Populares

A sabedoria popular está presente em todas as línguas, sendo expressa através de várias maneiras: provérbios, adágios, sentenças, aforismos, parêmias, apotegmas, anexins, rifões, ditos e ditados populares.

ATCHIM… SAÚDE!

Autoria de Lu Dias Carvalho

atchim

Na minha infância eu amava ouvir as pessoas dizerem “Saúde!”, sempre que alguém espirrava, sem saber muito bem o porquê. Muitas vezes aspirava pó de canela, rapé do meu avó ou talco para forçar o espirro e ouvir a saudação. Que sapeca!

Ao dizer que nunca tive uma explicação, estou mentindo e pior, maculando a memória da boa Fulô, nossa inculta mestra das ciências ocultas, que tinha respostas para tudo. Ela me explicou certa vez que, quando uma pessoa espirrava, era porque estava próxima a uma alma penada que havia sofrido muito em vida. Ao ouvir a saudação ela, a alma, ficava tão feliz que deixava o “espirrante” em paz. Confesso que acreditei nisso durante toda a minha infância e repassei tal explicação para um monte de primos e amiguinhos. Tudo não passava de “fake news”.

 Existem algumas explicações para a saudação dada ao dono do espirro, inclusive a da minha amada Fulô e que Deus a tenha. Uma delas é que, lá pelos idos do século XI, uma epidemia braba alastrou-se pela Itália, trazendo muita coriza e espirros e levando, muitas vezes, as vítimas a óbito, transformando-as em almas do outro mundo. E, como não havia vacina ou qualquer outro remédio para deter a famigerada gripe, só restava rezar. Foi aí que o Papa recomendou aos fiéis que pedissem a proteção divina para a pessoa que espirrasse dizendo:

– Dominus tecum! (O Senhor esteja contigo!)

Acontece que havia aqueles que ainda não tinham abraçado o cristianismo, mas, como todos os cristãos, eles também queriam a cura dos acometidos pela cruel epidemia. E, como se recusavam a usar o nome do deus dos cristãos, diziam apenas:

– Saúde!

Como o latim tornou-se uma língua morta, a expressão latina caiu em desuso, perdurando apenas a palavra  saúde. E assim tem sido até os dias de hoje, tanto para os cristãos quanto para os não cristãos.

Outra fonte acredita que tal expressão surgiu na Idade Média, quando o conhecimento científico era escasso e toda doença era atribuída às forças sobrenaturais. Assim, as pessoas gripadas estariam sob as asas do demônio, sendo que, quando espirravam, a saliva carregava consigo um monte de diabinhos. Quem estava próximo ao “endemoniado” deveria repelir os filhos do mal, dizendo:

– Deus te dê saúde!

Assim, cortava-se a multiplicação dos filhotes do coisa ruim. Com o tempo a preguiça foi tomando conta das pessoas que reduziram a frase apenas para “Saúde!”. Levando em conta esta versão, a minha Fulô sabia o que dizia, uai. O duro mesmo é aguentar uma saraivada de vírus de certos sujeitos que nem cobrem o nariz para espirrar. Desses, só mesmo Deus para nos proteger. Dominus tecum!

Fontes de pesquisa:
Casa da Mãe Joana/ Reinaldo Pimenta
http://historiaesuascuriosidades.blogspot.com.br

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PÉ-RAPADO NEM PARA VISITA

Autoria de Lu Dias Carvalho

pes sujos

Dona Iblantina e o senhor Dario Campos foram agraciados com seis meninas. Na verdade o casal não desejava uma prole tão numerosa, mas, enquanto esperava ansiosamente pela chegada de um varão, as meninas foram tomando a frente. Quando já eram cinco as mocinhas e já com um rebento no bucho, dona Iblantina deu um ultimato ao marido que tinha certeza que dessa vez viria um machinho.

– Sendo menino ou menina, homem, a fábrica será fechada. Já não aguento mais tanta espera e aperreação. Só eu sei o trabalho que essas crianças me dão! Já chega!

Pobre senhor Dario Campos, para seu desencanto quem chegou foi Rosalina, tão bonita como um botão de flor de laranjeira. O jeito foi se conformar, pois, como prometera sua mulher, a fábrica fora fechada a sete chaves.

As meninas foram crescendo e encorpando-se, atraindo os olhares gulosos masculinos. Mas rapaz algum servia para as filhas do distinto casal, pois dona Iblantina sonhava, para cada uma delas, criadas com muita denguice, uma vida de princesa. Dizia aos quatro ventos de sua pequena cidade:

– Filha minha só casa com rapaz diplomado, rico e bem apessoado. Não pari filhas para dar a um qualquer. Pés-rapados aqui passam longe. Não servem nem como visitantes.

Coitadinhas das seis mocinhas: Rosalva, Rosilene, Rosana, Ronilda, Rosmânia e Rosalina! Elas nunca arranjavam um namorado tal e qual queria a mãe. Se o varão tinha duas das qualidades exigidas, faltava-lhe a terceira e, se tinha apenas uma, faltavam-lhe as outras duas. E se não tinha nenhuma, não passava nem na calçada do casarão. Enquanto isso, as moçoilas iam ficando com aqueles olhos de cachorro pidão, à procura de um bom partido que agradasse à genitora. E o tempo passando!

O fato é que, como quem muito escolhe acaba ficando com o pior, a coisa foi se complicando. Já driblando o Cabo da Boa Esperança, sem mais alternativas para voltarem no tempo, casaram-se as seis moças com pés-rapados. Dona Iblantina, já adornada pelos cabelos brancos, ficou conformada.  Nenhum dos maridos trazia sequer um dos atributos estipulados pela zelosa mãe, mas compensaram o fato de não serem ricos, diplomados e bem apessoados tratando suas filhas com muito amor e dedicação. Dona Iblantina caiu na real e mudou sua cantilena em relação às netas:

– Minhas netas não precisam se casar com moços diplomados, ricos e apessoados. O que importa na verdade é que sejam trabalhadores e dediquem-lhes muito amor. Podem ser pés-rapados ou pés-rachados, o que importa é a benquereça.

A expressão pé-rapado refere-se a uma pessoa de condição humilde, pobretona.  Já era conhecida no século XVII, sendo usada até os nossos dias. Referia-se principalmente ao pé-rapado da zona rural. Pelo fato de andar descalço em razão de sua pobreza, o pobre trazia os pés sempre sujos de poeira ou lama, tendo que rapá-los para entrar nas casas, enquanto os que detinham melhores condições financeiras andavam a cavalo.

Tal expressão encontra-se registrada na Guerra dos Mascates, acontecida no início do século XVIII, no estado de Pernambuco. Enquanto as tropas portuguesas faziam uso de botas e uniforme militar, o exército de camponeses andava descalço, sendo tratado pejorativamente de pés-rapados. A expressão pé-rachado traz o mesmo sentido de pé-rapado, só que neste caso, além de ter os pés sujos de lama, o pobre coitado ainda traz rachaduras na sola dos pés em razão da falta de calçados. Pobre sofre!

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UM NEGÓCIO DA CHINA

Autoria de Lu Dias Carvalho

china   

Todos sabem que a China é o mais importante parceiro comercial do Brasil. Compra o triplo do que é vendido para os EE.UU, segundo parceiro comercial de nosso país, vindo a Argentina em terceiro lugar.Se os chineses deixarem de comprar os nossos produtos, estaremos num mato sem cachorro. Mas não vim falar de economia, mas das maravilhosas porcelanas vindas da China, bem antes de sua explosão comercial e de sua caminhada para se tornar a primeira potência mundial.

Ainda me lembro de uma ricaça, amigona de minha vó, que tinha uma cristaleira guarnecida com peças da mais pura porcelana chinesa (seu marido trabalhara num navio chinês, tendo ido várias vezes àquele país). O que mais encantava a criançada era um conjunto de chá em que predominavam o vermelho e o amarelo, tendo todas as peças o formato de um dragão. O bule era o dragão pai (ou seria mãe?) e as xícaras seus filhotes. Que lindeza! Aquilo extasiava os nosso olhos de crianças, ao voltarmos da escola. Ali perdíamos uns 30 a 40 minutos em nossa adoração aos dragões.

A senhora Deolinda, dona da família de dragões, quando se encontrava de bom humor, abria sua cristaleira, trancada a sete chaves, e permitia, para nosso deleite, que puséssemos a mão no seu tesouro. Mas ela não soltava a peça em exposição, envolta por uma flanela azul, pois “criança não é bicho de confiança”, como sempre dizia. A gente fazia fila para tocar naquelas belezuras, ciente de que todo cuidado ainda era pouco. Ninguém queria carregar o “pecado mortal” de quebrar uma delas. Tremíamos de medo e emoção, pois, apesar de pouco conhecermos sobre preços, sabíamos que não havia dinheiro capaz de pagar nem mesma a fuça de um daqueles filhotes de dragão.  E ainda ganharíamos um ano de castigos, e Deus sabe lá o que viria a mais.

O tempo rodopiou, passando veloz, mas não levou a nossa saudade da família de dragões de dona Deolinda. Foi com pesar que soubemos que, após ser acometida pelo mal de Alzheimer, o seu filho mais novo, mergulhado nas drogas ilícitas, vendeu o dragão pai (ou seria mãe?) e seus filhotes por uns míseros trocados para comprar crack. Quanto sacrilégio com as nossas lembranças! E lá se foram os nossos bichinhos mundo afora, possivelmente passando de mão em mão no submundo das drogas. Embora possam ter virado cacos, eu ainda os imagino na cristaleira reluzente de dona Diolinda, aguardando a nossa volta da escola, levando-lhes o calor de nosso encantamento.

 Uau! Trepei nas asas do dragão pai (ou seria mãe?) e esqueci-me de que vim aqui falar sobre a expressão “negócio da China” que se originou, segundo contam, das viagens feitas por Marco Polo ao Oriente, no século XIII, quando contava aos quatro ventos que tudo naquele país longínquo era belo e extravagante, o que despertou a atenção dos comerciantes de diferentes partes do mundo à época. Existem outras explicações para tal expressão, mas esta é a mais comum. Fazer um negócio da China significa, portanto, que a pessoa fez um excelente negócio, obtendo lucros impensáveis. Trocando em miúdos, também significa que alguém foi passado para trás, pois só assim a outra parte pode lucrar tanto. Não é mesmo?

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SEM EIRA E NEM BEIRA OU…

Autoria de Lu Dias Carvalho

   eira    

Minha avó materna sempre contava aos netos que, quando se casou com o nosso avô, ele não tinha eira e nem beira, tampouco ela. E que os dois viveram tempos muito difíceis para ensinar ao menos o beabá aos filhos. Dizia que se nós quiséssemos sofrer menos na vida, teríamos que estudar muito, pois o Criador põe a inteligência na cabeça da pessoa, mas é preciso que ela vá botando um pouquinho de água todo dia, para que a agudeza cresça, pois se faltar o líquido do esforço, a inteligência vai se embotando até morrer. Essa água, segundo minha vó, era o estudo diário.

As gentes antigamente, apesar de todas as dificuldades pelas quais passavam, valorizavam muito o estudo. Viam-no como se fosse a saída para uma vida menos sofrida. Como eram poucos os exemplos que tinham de pessoas estudadas, observavam que todas as conhecidas gozavam de boa posição social. A pobreza era associada à ignorância, à falta de erudição, ao analfabetismo. O sonho de toda família era ter os filhos “estudados”, para que não vivessem sem eira e nem beira, comendo o pão que o diabo amassou. Será que a minha avozinha estava certa?

A expressão “sem eira e nem beira” era muito usada em tempos idos, tendo vindo de Portugal para nosso país lá pelos idos de 1500. Mas como surgiu? Vejamos primeiro o que diz o mestre Aurélio:

Eira
1. Área de terra batida, lajeada ou cimentada, onde se malham, trilham, secam e
  limpam cereais e legumes; almanxar./ 2. Terreno onde se junta o sal, ao lado das marinhas./ 3.  Pátio, em algumas fábricas de tecido./ 4.  Bras. Lugar anexo às fábricas de açúcar, onde se guardam as canas antes de serem utilizadas.

A eira (ver ilustração à esquerda) ficava próxima às casas e tinha uma beira que impedia o vento de levar os grãos para fora do espaço destinado a eles. Sua presença demonstrava que a família era rica e próspera, ocupando uma boa posição social dentro da comunidade. As famílias que não tinham nem uma eira, ou mesmo uma beiradinha dela, eram consideradas pobres ou até mesmo miseráveis. Era muito comum que se referissem a uma pessoa sem recursos como sem eira e nem beira, sendo que os mais poéticos acrescentavam o ramo de figueira apenas para rimar, penso eu.

Há também quem defenda que a beira ou beiral refere-se à aba da casa (ver ilustração à direita/ foto Pinterest), aquela parte do telhado (marquises) que protege contra a chuva. Enquanto as casas dos necessitados não tinham eira e tampouco beira, as pessoas de posses tinham não apenas eira e beira, mas também uma forte tribeira (o telhado propriamente dito). Velha história! Antigos dias!

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TEMPO DE MURICI, CADA UM CUIDA DE SI

Autoria de Lu Dias Carvalho

 murici     murici I 

O provérbio acima, também conhecido como em tempos de murici, cada um cuida de si, parece uma celebração ao egoísmo, ao rezar que cada indivíduo deve estar voltado apenas para si, sem se preocupar com o próximo. Mas, para compreender melhor o seu significado, é necessário que se saiba o que significa “murici”.

Segundo a Embrapa, “o muricizeiro é uma espécie rústica que se adapta muito bem a solos arenosos com pouco nutrientes e é indicado para áreas degradadas.” E o dicionário Aurélio assim o define: “Designação comum a várias espécies malpighiáceas do gênero Byrsonima (v. birsônima), que são árvores e arbustos que produzem um tipo de fruto drupáceo, do mesmo nome, de polpa edula, e que habitam maciçamente os cerrados; muricizeiro.”.

Pesquisas mostram que a espécie Byrsonima gardneriana, muito comum no bioma caatinga, apresenta seu período de floração logo após a época de chuvas, proporcionando flores durante toda a estação seca. E é nessa época que cada um precisa tocar a própria vida para tentar sobreviver, pois os outros em derredor se encontram na mesma situação de penúria no período da seca brava.

O muricizeiro, que produz o fruto de nome murici, possui uma floração muito bonita e é resistente à aridez do solo e à secura do tempo. O arbusto permanece florido mesmo na estação seca. É daí que nasceu o provérbio, segundo alguns, pois é a época em que os moradores da localidade passam por extremas dificuldades, sendo preciso viver com suas próprias forças para sobreviver à seca.

Referimos aqui à Byrsonima gardneriana, pois existem inúmeras espécies espalhadas por toda a América Tropical. Tais plantas são muitas vezes chamadas pelo nome do fruto: murici.

Fontes de pesquisa
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel
Embrapa

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RASGANDO SEDA

Autoria de Lu Dias Carvalho

seda

Com o tempo e a paciência a folha da amoreira transforma-se em uma roupa de seda. (Provérbio chinês)

Não restam dúvidas de que os segredos de antigamente eram muito mais bem guardados do que os de hoje. Prova disso foram as centenas de anos em que os chineses conseguiram manter oculta a fabricação da seda, guardada como segredo capital. Ninguém que não fosse alguns poucos chineses imaginava como da folha da amoreira pudesse sair a produção de tão cobiçado tecido – a seda.

Havia centenas de anos que os chineses não apenas fabricavam a seda como a exportavam, obtendo grandes lucros. O segredo era guardado a sete chaves e quiçá por milhares de dragões soltando fogo pelas ventas. A morte seria o castigo daquele que, mesmo em sonho, ousasse revelar como se obtinha um fiapo de seda. Embora em Constantinopla já houvesse o domínio do tingimento e da tecelagem de tal tecido, a seda crua só poderia ser comprada na China. E ponto final!

Justiniano, Imperador de Roma, encontrando-se em guerra com os persas responsáveis por intermediar a compra de tão valiosa matéria-prima, enviou dois notórios monges para a China, a fim de descobrir o segredo da seda. Já naquele país, os dois espertinhos obtiveram casulos do bicho-da-seda. Até aí tudo bem, o difícil seria sair do país transportando tão bizarra mercadoria. Os dois sujeitos esconderam os casulos dentro de varas ocas de bambu e, para que as larvas não sucumbissem durante a longa viagem, enterraram suas varas em estrume. E assim, o tão bem guardado conhecimento chinês ganhou vida, ou melhor, ganhou asas no Império Bizantino.

A expressão popular brasileira rasgar seda é hoje muito conhecida. Significa desdobrar-se em amabilidades, bajular excessivamente, normalmente para obter algo em troca ou por servilismo. Não se sabe ao certo se o teatrólogo Luís Carlos Martins Pena (1815-1848) – fundador do teatro de costumes no Brasil – já a conhecia antes de acrescentá-la a uma de suas peças.

Na peça, um vendedor de tecidos tenta cortejar uma moça sob o pretexto de vender-lhe sua mercadoria. Ela, contudo, descobre quais eram as reais intenções do moço e lhe diz na fuça:

– Não rasgue a seda que ela se esfiapa!

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