Arquivo da categoria: Ditos Populares

A sabedoria popular está presente em todas as línguas, sendo expressa através de várias maneiras: provérbios, adágios, sentenças, aforismos, parêmias, apotegmas, anexins, rifões, ditos e ditados populares.

O PEDRA-NOVENTA

Autoria de Lu Dias Carvalhopedra

José Cruz dos Santos é tido como um camarada pedra noventa! Assim se refere a ele todas as pessoas que o conhecem.  O que significa tal expressão, quando direcionada a alguém? Diz respeito a uma pessoa honesta, respeitável, que cumpre com suas obrigações e jamais  prejudica outrem no intuito de  se auto beneficiar.  Ela é querida por seus próprios méritos, sem a necessidade bajular alguém.

A origem desta expressão está na Tômbola, um tipo de jogo de tabuleiro, nascido no sul da Itália, bem parecido com o Bingo europeu. A cartela de Tômbola possui 90 números (pedras). É visto como um jogo de azar. Certas línguas como o francês, búlgaro, eslovaco ou tcheco, a palavra “tômbola” significa “sorteio”. O mérito do jogador está em conseguir marcar exatamente a pedra de número 90 que é de maior valor no jogo e, portanto, a mais desejada. Se consegue marcá-la  é o ápice da glória. Passa a ser rotulado de pedra noventa, admirado por todos.

Quando queremos elogiar alguém, inclusive o nosso amigo José Cruz dos Santos, vale recorrer ao chamamento de pedra noventa. É fato que há certo desuso neste tipo de tratamento nos dias de hoje. Será que isto acontece em razão da decadência humana, sobretudo no que diz respeito à credibilidade e ao amor ao próximo?

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DAR UM NÓ

Autoria de Lu Dias Carvalho mac12

A minha prima Josenilda Gomes Feitosa espalha a quatro ventos que seu casamento foi um tiro no pé, um atraso de vida, que seu fardo é muito pesado e que ela deu um nó na própria sorte e coisa e tal, deixando-me com um nó na garganta, ao ver o sofrimento da pobrezinha, cujo maior sonho era ter um mancebo amarrado à sua pessoa. Mas, quando eu lhe disse que havia uma saída, ou seja, a separação, ela pulou longe, sob o argumento de que seu marido era realmente um nó em sua vida, uma carne de pescoço, duro de engolir, mas “o que Deus uniu na Terra, homem algum pode separar”. Então, pensei comigo: dê um nó na língua e leve a sua carga sozinha, sem cansar os ouvidos das pessoas com suas lamúrias. Era preciso dar um basta no seu nhenhenhém.

O mais engraçado é que “dar um nó” significava antigamente “casar-se”. Expressão esta que tem origem portuguesa e indiana, sendo que na Índia usavam amarrar a roupa do noivo e da noiva. O nó simbolizava a união do casal. Nos dias de hoje “dar um nó” significa complicação, dificuldade, impossibilidade de resolver algo. E venhamos e convenhamos, certos casamentos são na verdade um nó górdio, impossível de ser desatado. Foi o que aconteceu com minha prima Josenilda que deu também um nó cego nos neurônios do bom senso.

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A BOM ENTENDEDOR MEIA PALAVRA BASTA

 Autoria de Lu Dias Carvalho jard.

Relatou-me o senhor Elpídio da Silva Gangá, jardineiro dos bons que, quando era ainda um rapazola, acompanhou seu patrão, eleito deputado federal, em sua mudança para Brasília, a fim de cuidar dos jardins de sua mansão à beira do lago Paranoá. Como o homem era o presidente de seu partido, sua casa vivia permanentemente lotada. Bastava escurecer para que os carros pretos fossem chegando um atrás do outro. E se os viventes que deles saíam eram empertigados como paus de sebo, seus motoristas não ficavam para trás, carregando todo o esnobismo dos patrões.

De uma feita, contou-me o jardineiro, o clima no local parecia pesado, pois os automóveis começaram a chegar ainda com o sol no meio do céu, num entra e sai danado. A reunião parecia não ter fim. Mas ele fingia nada perceber, entretido em cuidar de suas plantas. Eis que foi rodeado por um grupo de motoristas, já cansados de esperar por seus patrões, caçando uma maneira de matar o tempo. E cada um deles começou a vomitar mais grandeza do que o outro, falando sobre o que iriam adquirir com o décimo terceiro salário, zombando do jardineiro nas entrelinhas do bate-papo. Um dizia que iria comprar o Palácio da Alvorada, outro que estava em negociação com o Estádio Mané Garrincha, outro que iria comprar o lago Paranoá para botar ali seu iate, e assim seguiam os tais sujeitos achando-se o “o do borogodó”.

O senhor Elpídio da Silva Gangá escutava tudo calado, sem ao menos levantar a cabeça, certo de que troçavam dele, pois para bom entendedor meia palavra basta. Depois de muitas risadas, o mais conversado deles lhe dirigiu a palavra:

E você, amigão, o que irá comprar com o seu décimo terceiro?

Eu estou pensando em doá-los aos pobres, porque não está me faltando nadica de nada. Agora, quanto a vocês, tratem de arranjar outros empreendimentos para comprar, porque eu não vendo nenhum desses que estão querendo adquirir. Já os comprei faz muito tempo veio de pronto a resposta.

Sem graça, o grupo saiu à francesa.

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ENQUANTO DESCANSA CARREGA PEDRA

Autoria de Lu Dias Carvalho pedra

Contava meu avô que certa fazendeira de nome Dulcina Gangá era a matriarca de uma numerosa família. Tudo tinha que passar sob a sua supervisão, enquanto o marido, Leocádio Gangá, não apitava absolutamente nada. Diziam as más línguas que ele não dava nem mesmo nome às vacas, sem a anuência da esposa. Todos abaixavam a cabeça para ela. A importância da senhora Gangá podia ser medida pelo número de pedidos de bênçãos que recebia. Essas vinham desde sua prole copiosa, passando por seu batalhão de servos e chegando às gentes das redondezas. Isso rolava o dia inteirinho de meu Deus, deixando a matrona toda orgulhosa. Era um tal de “A bênção, dona Dulcina!”. Ela levantava a cabeça e, mais poderosa do que um bispo, respondia empertigada.

– Eu te abençoo, criatura de Deus!

Como pode observar o leitor, não era Deus quem abençoava, mas a dita com toda a sua altivez. Mas as bênçãos de dona Dulcina eram banhadas pelo suor de seus servos, que não tinham um descanso sequer. E aqueles eram tempos difíceis em que não se cogitava sobre leis para proteger o trabalhador. Quem dava o preço e estipulava o número de horas trabalhadas era o patrão e ponto final. Assim, corria a boca pequena que os empregados de dona Dulcina “enquanto descansavam carregavam pedras”. Que infelizes! A miserável mais parecia um carrasco com seu chicote. Não podia ver um servo encostar o traseiro no chão que o maldizia e ameaçava mandá-lo embora. Vigiava tudo, desde as plantações de capim até os ovos que as galinhas botavam.

Num certo dia, com o sol de rachar a moringa, a fulana foi para o eito vigiar os trabalhadores que plantavam milho. Ali foi mordida por uma cascavel. Alguns apregoavam que o veneno da rezingona combateria o da cobra, mas outros afirmavam que já era finada. Acertaram os últimos. Para carregar seu caixão foram necessários cem homens, talvez cinquenta, ou quiçá dez, tamanho era o seu peso. Dizem os supersticiosos que a Virgem Madrinha, protetora dos fracos, enchera o ataúde da defunta com as pedras que ela, a esganada, os obrigara a carregar.

Contei este caso para um amigo, filho da cidade mineira de Nova Lima e, segundo ele, o provérbio “enquanto descansa carrega pedra” tem sua origem na Mina de Morro Velho, situada no entorno de sua cidade, tendo ali nascido final do século XVIII, quando se utilizava mão de obra escrava. Os mineiros, todos eles escravos, trabalhavam em dois turnos. Cavacavam em busca de ouro durante um período de seis horas e descansavam outras seis. Mas na verdade não se tratava de um descanso como conhecemos hoje, pois os coitados mudavam apenas de serviço. Aqueles que paravam de escavar eram obrigados a carregar as pedras que haviam tirado da mina.

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PÉ PRA O QUÊ?

 Autoria de Alfredo Domingos

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– pra refrescar, pé de vento;
– pra comer, pé de couve;
– pra proteger, pé de coelho;
– pra conversar, pé de ouvido;
– pra salientar, pé de mesa;
– pra entrar, pé direito;
– pra sair, pé no rabo;
– pra sambar, pé de malandro;
– pra saborear, pé de moleque;
– pra beber, pé de cana;
– pra amealhar, pé-de-meia;
– pra nadar, pé de pato;
– pra trabalhar, pé de boi;
– pra vagabundear, pé de chinelo
– pra costurar, pé de máquina;
– pra dançar, pé de valsa;
– pra correr, pé que te quero;
– pra viajar, pé na estrada;
– pra acelerar, pé de chumbo;
– pra rezar, pé de santo;
– pra musicar, pé de bode;
– pra sonhar, pé deitado;
– pra casar, pé de alferes; e
– pra amar, pé com pé.

 

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O BARATO SAI CARO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Belizário Gomes não abria a mão nem para dar bom dia. Era um pão duro de fazer inveja aos mais canguinhas. Num certo dia, o dito cujo resolveu ampliar sua casa para guardar os mantimentos produzidos no quintal, dos quais não doava nem uma palha de milho. Chamou todos os pedreiros da região para fazer um orçamento, mas não se ajeitou com nenhum deles. Alegava para cada um que o preço estava exorbitante e que não era dado a jogar dinheiro fora.

O resmelengo acabou chamando o irmão, Bené Gomes, para fazer o serviço. Sabia que qualquer gorjeta seria suficiente para ele, pois só andava na lona. Só havia um senão, Bené jamais havia botado a mão num cabo de colher de pedreiro, não tendo nenhuma noção do serviço. Quando a mulher alertou Belizário para o problema, alegando que poderia ter um grande prejuízo, ele respondeu de pronto:

– Se até  as abelhas, os cupins, as formigas, os castores e os joões-de-barro fazem a própria casa, quanto mais um homem forte e munido de cachimanha como Bené. Além do mais nos tempos de hoje está aí o mestre Google.

A casa foi subindo, adobe por adobe, sem amarração, sem prumo algum. Como Bené estava comendo e dormindo na residência do irmão sovina, queria que o serviço fosse o mais alongado possível, além do mais não conhecia nem mesmo o bê-á-bá daquela profissão. Os adobes eram grudados com umas pás de cimento, cuja massa era feita “tudo pro rumo”, conforme diziam as más línguas.

O tempo encalacrou lá para aquelas bandas, apresentando um mormaço pesado. Foi então que o céu azulou de chuva avisando que o temporal estava a caminho. Não se ouvia nem mesmo um latido de cachorro ou rebusnar de jumento ou o zumbir de um besouro. Parecia estar chegando o fim do mundo. Dona Zirinha pegou seus quatro bruguelos e foi dormir na casa da mãe, ali chegando exasperada:

– Eu não durmo naquela arapuca com os meus filhos nem que a vaca tussa. Se Belizário quer morrer, isso é problema dele, mas que morra sozinho.

Dizem que praga de mulher é a pior das sentenças. Lá pelo meio da noite só se ouviu o estrondo da construção de Belizário e de seu irmão Bené, ruindo conforme previra Zirinha e toda a população do lugar. Até mesmo os bichos sabiam do que ia acontecer, pois nem Valentia e Balacobaco, os dois cachorros, e o gato Borogodó ficaram na casa. Os dois irmãos foram retirados com vida, debaixo de montanhas de adobes. Ambos com cara de quem comeu e não gostou. Foram salvos por um triz. O primeiro quebrou as duas pernas e o segundo um braço, isso sem falar nas escoriações por todo o corpo.  E como dizia a esposa do avarento, o barato, muitas vezes, sai caro. E como sai!

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